Exposição
Os lenços dos namorados têm muitos tipos de amor — Sara estudou-os
Sara Brandão analisou 134 lenços que eram “inicialmente usados pelas mulheres do povo para expressarem os seus sentimentos mais pessoais”.
São lenços de namorados, mas também são lenços de amizade, de amor-próprio, de revolta, de ciúme, de saudade. Há tantos tipos de amores (e desamores) também nestes bordados e poesias que Sara Brandão defende que é mais correcto chamar-lhes, simplesmente, “lenços de amor”. “Bordar para namorados é uma perspectiva redutora do que eles são”, resume, acrescentando: “Não que tenha algum mal bordar para um namorado. Mas estas mulheres afirmaram-se pelo texto quando não podiam ir à escola. Bordaram o acesso que não tinham.”
Para o projecto da tese de mestrado na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, a artista e ilustradora “com interesse em levar a cultura popular para a academia” escolheu investigar os textos bordados em quadrados de linho para além das típicas (e mercantalizadas) quadras “com erros ortográficos e pronúncia nortenha”, concentrando-se especialmente “em quem os bordava”.
Analisou 134 lenços, transcrevendo primeiro exactamente o que se vê no bordado e depois o texto escrito de forma mais simples e legível, mantendo betacismos mas corrigindo erros ortográficos.
Na primeira vez que expôs os desenhos de "séculos de poesia bordada no feminino", no Porto, convidou quem quisesse a participar num lenço comunitário e explicou que “não há necessidade de escrever com erros ortográficos de propósito”. “Estes erros são uma característica da mulher que bordava e que não tinha acesso à alfabetização e não da tradição”, disse, acrescentando que “os lenços devem ser um lugar de fala fidedigno a quem o borda”.
Sara replicou 82 dos lenços que estudou por “teimosia e revolta”, depois de descobrir que teria “de pagar um valor absurdo” pelas fotografias no Arquivo Fotográfico da Direcção-Geral do Património Cultural, “mesmo para serem usadas nos anexos de uma investigação académica”. Desenhou mesmo a lápis de cor os lenços que encontrou no MatrizNet, o catálogo colectivo online dos museus da administração central do Estado Português, a partir de “fotografias péssimas de 72 dpi” , ri-se, agora.
“No meu entender, escolher guardar um património pouco estudado na sua essência é mais uma forma de perpetuar a narrativa que já existe e é não querer contribuir para um conhecimento mais fidedigno que mostra a mulher camponesa dos séculos XVIII, XIX e XX não como ‘pacata do lar’, mas como ser pensante e reivindicativo, dentro daquele que era o seu contexto”, escreveu.