Brasília vai ser reabilitado e quer ser um “shopping de comércio de rua”
Obra será feita por fases e não obriga comerciantes a sair. O primeiro shopping da Península Ibérica, onde havia romarias para andar de escadas rolantes, quer adaptar-se ao século XXI.
Quando Carlos Tê escreveu a música “A rapariguinha do shopping”, o Brasília era um íman no Porto. O primeiro shopping construído de raiz da Península Ibérica tinha escadas rolantes e havia romarias para experimentar essa maravilha tecnológica do final da década de 1970 e início de 1980. O letrista criou, então, uma personagem que era o estereótipo da trabalhadora de balcão, que deixava a loja tradicional para subir a uma loja glamorosa, num Porto provinciano, ainda a adaptar-se aos ares de Abril.
Quase meio século decorrido da sua abertura, e 43 anos depois do álbum Ar de Rock, gravado por Rui Veloso, o Brasília procura o seu lugar no século XXI com uma aproximação do espírito de rua, do qual se fugia noutros tempos. João Ferros, o arquitecto que assina o projecto de reabilitação que arranca nesta quinta-feira e deverá decorrer até Outubro, quis amplificar a “relação entre o interior e o exterior do edifício” e criar uma “nova identidade” para aquela casa, mantendo a matriz de um “shopping que não é igual aos outros”.
A avaliação do espaço que o Brasília poderia ocupar no comércio naquela zona da cidade foi feita há algum tempo. Em 2018, conta Frederico Pacheco, da empresa que faz a comunicação do centro comercial, perceberam que o caminho deveria ser o de conquistar “lojas de nicho e especialidade”. Já havia planos para fazer obras, além da mudança de imagem, mas a escalada de preços foi adiando o projecto.
Para o centro comercial da Rotunda da Boavista, definiu-se, na altura, um caminho que passava pela captação de lojas de chocolates, vinhos, artigos vintage. O sucesso tem sido simpático, conta, citando casos como o da Mundo Fantasma, especializada em banda desenhada, ou da Strass, uma das lojas mais antigas que se mantém aberta. A viagem, continua, foi sendo delineada: “Acabámos por definir o Brasília como um shopping de comércio de rua.”
Nos anos 1980 — e até meados da década de 1990, quando a posição de destaque do Brasília começa a cair —, o edifício estava sempre cheio. A população vestia-se a rigor para lá ir. Havia lojas de roupa, de decoração, cabeleireiros e centros de estética, lojas de música e cafés. As discotecas mais procuradas da cidade, como o Griffon’s, o Romanoff ou o Glassy, tinham casa ali.
As obras — apenas no interior e com um orçamento de 530 mil euros — vão ser faseadas de forma a não obrigar à saída dos comerciantes. Das 253 fracções, cerca de 190 estão ocupadas. O objectivo é, depois da empreitada, voltar a ter o Brasília cheio. E Frederico Pacheco acena com uma vantagem: “Em termos de valor de compra e arrendamento, o Brasília está abaixo dos valores praticados nesta zona.”
A história do centro comercial com 47 anos não foi esquecida por João Ferros. As escadas rolantes que o tornaram icónico vão continuar a ser valorizadas, melhorando a relação entre os três pisos e criando três núcleos diferentes.
Nas últimas décadas, o Brasília tornou-se um “shopping fantasma”. E isso deveu-se à “iluminação muito deficiente” e ao desenho “labiríntico” do edifício, avalia o arquitecto. “Perdi-me algumas vezes”, graceja. Para definir uma estratégia, João Ferros fez inquéritos aos lojistas e a quem frequenta o espaço.
E percebeu, também dessa forma, que o Brasília do século XXI tinha de ter uma iluminação mais eficiente (os painéis solares instalados nos últimos anos permitiram cobrir a subida dos preços da electricidade inerentes à crise energética, conta Frederico Pacheco) e sinalética para evitar que quem ali vai se perca. “Haverá demarcações nos tectos e na parte de iluminação que permitem saber onde estão e para onde vão.”