Habitação em Lisboa: uma exposição de fotografia sobre pessoas que vivem “na sombra do despejo”
Galeria Santa Maria Maior, em Lisboa, apresenta New Lisbon, de Gonçalo Fonseca, entre 2 de Fevereiro e 4 de Março. Um retrato de uma cidade que mudou muito rapidamente.
A crise na habitação em Lisboa é o tema da exposição New Lisbon, do fotojornalista Gonçalo Fonseca, que procurou documentar, nos últimos três anos, o quotidiano de pessoas que vivem "na sombra do despejo".
Enquadrada pela "explosão dos preços do mercado imobiliário", pelo "investimento imobiliário estrangeiro não regulamentado" e pelo negócio do alojamento local, a exposição — que vai estar patente na Galeria Santa Maria Maior, em Lisboa, entre 2 de Fevereiro e 4 de Março — narra o impacto que a incerteza habitacional em Lisboa tem na vida das pessoas mais vulneráveis.
O trabalho — que já foi distinguido nacional (Estação Imagem Vida Quotidiana 2020) e internacionalmente (Leica Oskar Barnak Award para principiante) e que o P3 apresentou em Novembro — inclui 31 fotografias, tiradas nos últimos três anos, e um catálogo, com prefácio de Maria João Costa, membro da Habita! - Associação pelo direito à habitação e à cidade.
Quando regressou a Lisboa de uma viagem de cinco meses à Índia, em finais de 2018, Gonçalo Fonseca confrontou-se com outro olhar sobre a sua cidade, porque a distância "permite encontrar outros sentidos para aquilo que conhecemos tão bem". Na altura com 25 anos, ainda vivia com os pais e não conseguia, apesar de já estar a trabalhar como freelancer, "ter a capacidade financeira sequer de pagar um quarto". Ora, pensou, se ele não conseguia ter um sítio para viver, como estariam as pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades?
Seleccionado para fazer a masterclass Narrativa, projecto do fotojornalista Mário Cruz, começou a pensar no tema da "gentrificação da cidade", que depois evoluiu para um projecto mais focado na habitação. Durante três anos, Gonçalo Fonseca passou "muito tempo com pessoas que estavam a ocupar casas, em contexto de despejo iminente, que tinham construído os seus próprios abrigos em bairros autoconstruídos".
O fotojornalista apercebeu-se que a cidade onde nasceu "estava a mudar a um ritmo extremamente acelerado" e que "havia muitas coisas que se estavam a perder, muitas lojas a fechar, muitos restaurantes a mudar de gerência, muitas pessoas a serem despejadas".
Ao mesmo tempo que novos hotéis e alojamentos locais ocupavam velhos prédios, as histórias que lá moravam e que fazem o tecido cultural e social da cidade corriam o risco de se perder. Isso impôs-lhe "a necessidade urgente de as documentar". As pessoas retratadas, descreve, "são muito diferentes, de todas as faixas etárias, de todas as etnias, espalhadas pela cidade e pela periferia", mas têm algo em comum: vivem "em condições precárias de habitação".
Como contava ao P3 no final do ano passado, este trabalho existe "para que as vozes de quem é retratado sejam amplificadas e possam, assim, tornar-se peças no discurso político”. "A maior parte" das pessoas fotografadas, diz, "trabalha, ganha o salário mínimo, tem famílias numerosas e não consegue, na cidade, garantir um espaço digno".
Assumindo o seu "papel político e activista", o fotojornalista faz um convite à reflexão e à tomada de consciência. "A habitação não deve ser só considerada como um activo financeiro [...], mas sim um direito fundamental, que tem de ser cada vez mais assegurado pelos Estados, com o qual se estabelece toda a fundação de uma vida. Precisamos todos de um espaço para viver, para descansar, um abrigo seguro e, quando não o temos, isso tem um impacto brutal", realça.
"Os problemas de habitação afectam-nos a todos", vinca, apontando o dedo ao "mercado imobiliário desregulado que não tem em conta os rendimentos das pessoas que vivem e trabalham na cidade".