Procurador-geral processa juiz que o acusou na investigação da explosão do porto de Beirute

Ghassan Oweidat estava entre os 17 suspeitos que Tarek Bitar mandou prender preventivamente. O procurador mandou libertar toda a gente e diz que juiz “agiu sem mandato”.

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Os familiares das vítimas da explosão no porto de Beirute desesperam com o bloqueio do processo judicial WAEL HAMZEH/EPA

O procurador-geral do Líbano, Ghassan Oweidat, ordenou, esta quarta-feira, a libertação de todos os suspeitos detidos no âmbito da investigação à explosão no porto de Beirute, em Agosto de 2020, e convocou para interrogatório o juiz a cargo do processo, Tarek Bitar, que na segunda-feira, inesperadamente, voltou a activar a investigação que estava parada há 13 meses. Para o procurador, o juiz “agiu sem mandato” porque foi afastado do processo, mas Bitar contrapõe que Oweidat não tem qualquer autoridade sobre ele.

Depois de mais de um ano de entraves políticos ao processo (sobretudo por parte do Hezzbollah, o movimento político xiita apoiado pelo Irão) que o bloquearam completamente, Tarek Bitar decretou a detenção preventiva de 17 suspeitos.

Entre os acusados de homicídio doloso, segundo a Reuters, que teve acesso à intimação judicial, está o ex-primeiro-ministro Hassan Diab e três ex-ministros. Outros altos membros foram também acusados por suspeita de envolvimento, entre eles o chefe dos serviços secretos internos, o director do porto de Beirute, o director da alfândega e o procurador-geral, o mesmo que reagiu quarta-feira anulando as decisões do juiz do processo.

O procurador anulou a ordem de prisão preventiva para os suspeitos e pediu aos tribunais que ignorem a decisão de Bitar. Ghassan Oweidat acusou, por sua vez, o juiz e proibiu-o de viajar por "rebelião contra o judiciário e usurpação de poder". O procurador considera que Bitar tinha sido afastado do processo e não podia tomar qualquer decisão com ele relacionado.

Bitar não se amedrontou com o contra-ataque do procurador e respondeu-lhe, citado pela AFP, que se considera ainda o juiz de instrução do processo e que “não se afastará do caso”. E contrapôs: o procurador “não pode acusar o juiz que já o acusou”.

Para as famílias dos 218 mortos e para os mais de seis mil feridos da explosão de 4 de Agosto este é mais um exemplo de que dificilmente a justiça libanesa conseguirá julgar os culpados pela negligência criminosa que deixou marcas profundas na capital libanesa.

As 2750 toneladas de nitrato de amónio, cuja explosão arrasou uma parte de Beirute numa das maiores explosões não nucleares da História, havia sido mantida durante quase seis anos mal armazenada no porto, uma incúria tendo em conta o perigo que representava. Incúria agravada pelo facto de o facto ser do conhecimento de várias autoridades e membros do Governo que falharam em dar uma resposta.

De acordo com fontes citadas pelo canal LBCI, Tarek Bitar acusou o procurador-geral e vários juízes de estarem a travar deliberadamente o processo.

Bitar assumiu o caso depois de o juiz Fadi Sawan ter sido afastado a seguir a uma série de queixas apresentadas por altos membros do Governo, depois de terem sido chamados a depor na investigação, entre eles estava o ex-ministro do Interior, Nohad Machnouk.

O mal-estar entre a população tem aumentado nos últimos meses, à medida que o processo se mantém travado politicamente (como, aliás, o país, que vive uma das maiores crises políticas e económicas da sua história). Vários ex-ministros e deputados, citados pelo juiz a declarar no âmbito do processo, continuam defendidos pela imunidade.

Na terça-feira, depois da surpreendente decisão de Bitar, houve ainda quem se mostrasse esperançado de que havia uma luz tremeluzente no fundo do longo túnel. À Al-Jazeera, Pierre Gemayel, irmão de uma das vítimas da explosão, dizia: “Não é normal que a investigação esteja bloqueada há mais de um ano, agora temos um pouco de esperança de que alguma coisa possa avançar.” Esta quarta-feira, deverá estar a pensar que afinal a luz era apenas uma ilusão.

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