Brasil: a tragédia indígena Yanomami é um problema ambiental

Esta também é uma tragédia ambiental e, para entender isso, é preciso conhecer o pensamento militar sobre os yanomami, o ambiente e o ambientalismo.

As fotos de crianças indígenas yanomami esquálidas chocaram o mundo, que finalmente tomou conhecimento de uma tragédia que vinha se desenrolando em silêncio. A emergência sanitária e o morticínio começaram a ser vistos em toda a sua extensão após a publicação de uma reportagem da plataforma Sumaúma, denunciando “que, durante o governo do extremista de direita Jair Bolsonaro, o número de mortes de crianças com menos de cinco anos por causas evitáveis aumentou 29% no território Yanomami: 570 pequenos indígenas morreram nos últimos quatro anos por doenças que têm tratamento”.

Esse é um dos fronts onde essa batalha é travada: a (des)informação. E mostra o papel essencial do jornalismo na luta contra a máquina de desinformação da extrema-direita. O ex-presidente Bolsonaro logo decretou que estávamos diante de uma “farsa da esquerda”. Foi a senha para que, nas redes sociais, começassem a circular mensagens afirmando (falsamente) que as fotos eram de indígenas que viviam na Venezuela.

Essa também é uma tragédia ambiental e para entender isso é preciso conhecer o pensamento militar sobre os Yanomami, o meio ambiente e o ambientalismo. Lembrando que o ex-presidente é também ex-militar e que se estima que cerca de 8 mil militares ocupavam funções de confiança em seu governo.

“Uma das maiores questões que ameaçam a soberania é a sustentabilidade.” A afirmação é do general Hamilton Mourão, ex-vice-presidente de Bolsonaro e estrela da bancada da extrema-direita no Senado.

A questão é aprofundada pelo General Eduardo Villas Bôas, em artigo escrito para o site extremista Oeste. Aquele que é um dos mais importantes líderes do Exército Brasileiro nega as mudanças climáticas e qualifica o movimento ambiental de “braço do imperialismo”, que utilizam “reservas ambientais ou terras indígenas” para rapinar as riquezas nacionais.

Nessa visão, os Yanomami são usados para atingir a soberania nacional e permitir o saque das riquezas amazónicas. Esse é um dos motivos pelos quais Roraima é “a menina dos olhos” de Bolsonaro, como disse literalmente na campanha eleitoral de 2018.

O então candidato da República disse que queria ser o “Rei de Roraima” e que o Estado só não era uma potência económica devido às restrições impostas por terras indígenas e áreas protegidas ambientais.

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m índio Yanomami segue agentes da agência ambiental brasileira numa mina de ouro durante uma operação contra a extracção ilegal de ouro em terras indígenas, no coração da floresta tropical amazónica REUTERS/Bruno Kelly

O povo de Roraima respondeu-lhe com a maior votação: 76% dos votos nas últimas eleições. De forma muito significativa, Lula só venceu na cidade de maior população indígena do Estado.

Durante os últimos anos, o Ministério Público Federal e as lideranças yanomami vêm alertando para a tolerância e até mesmo incentivo estatal ao garimpo legal e ilegal, ou “mineração artesanal”, como diz o decreto federal que instituiu um programa de apoio à actividade.

Os garimpeiros se sentiram livres para incendiar postos de saúde e impedir o acesso à saúde, além das reiteradas denúncias de invasões e violência física e sexual contra os Yanomami. E, como é comum nas tragédias brasileiras, abundam acusações de fraudes e desvios em compras públicas.

O garimpo faz a malária e a desnutrição infantil explodir. Os mosquitos proliferam nas áreas desmatadas e nas piscinas de resíduos, levando a malária às áreas invadidas e impedindo o trabalho dos indígenas. O mercúrio contamina e causa diarreia e disenteria, além dos efeitos nocivos a médio e longo prazo. As agressões ambientais estão na raiz dos problemas de saúde e da fome, enquanto as autoridades jurídicas e policiais investigam a ocorrência de genocídio.

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