Costa: “Política não deve usar actividades” da Justiça “para o combate político”
Primeiro-ministro garante que o Ministério das Finanças não soube da indemnização a Alexandra Reis e defende que cabe ao Governo “dotar as entidades de investigação dos meios necessários”.
António Costa comentou esta terça-feira vários casos que têm vindo a fustigar o Governo e, quanto aos que relacionam governantes com investigações judiciais, pediu que as mesmas não sejam utilizadas na arena política. Em declarações feitas aos jornalistas ao final da manhã à margem de uma iniciativa em Oeiras sobre o lançamento da construção de habitações, o primeiro-ministro segurou os seus ministros das Finanças e do Ambiente, respectivamente Fernando Medina e Duarte Cordeiro.
Entre outras garantias, António Costa quis deixar claro que no Ministério das Finanças “não sabiam” da indemnização atribuída à ex-secretária de Estado do Tesouro, frisou que Fernando Medina não é arguido e “nem sequer foi ouvido” no âmbito das investigações que levaram à realização de buscas na Câmara de Lisboa e realçou que Duarte Cordeiro “nada tem que ver com essa história”. Costa também assumiu que ficou “surpreendido” com a revelação feita por Pedro Nuno Santos de que sabia e aprovara a indemnização a Alexandra Reis.
Um dia depois de o presidente da Assembleia da República, Santos Silva, ter criticado a “lógica de descobrirmos roupa suja uns dos outros”, o dirigente socialista fez questão de recordar o que tem “dito e repetido desde 2014”: que “deve haver uma clara separação entre o que é actividade política e actividade judiciária”.
“Ninguém está acima da lei; se houver alguma ilegalidade”, o Ministério Público tem autonomia para investigar e os tribunais para julgar”, prosseguiu António Costa, para quem a “função do Governo é fazer como tem estado a fazer: dotar as entidades de investigação dos meios necessários para que essa investigação possa ter sucesso”.
Já a “função da política deve ser dotar as instâncias judiciais e judiciárias dos meios necessários e depois respeitar o seu funcionamento”, sustentou, acrescentando que compete aos partidos e comunicação social não instrumentalizar a Justiça. “A política não se deve intrometer, nem utilizar a actividades das entidades judiciárias para o combate político. A justiça deve decorrer no local próprio.”
Sinalizando obra feita no sector, o primeiro-ministro destacou o “grande reforço dos recursos humanos da Polícia Judiciária” e o aumento dos meios “quer na área da investigação, quer na área pericial” feitos pelos seus executivos.
Medina e Cordeiro seguros
No mesmo dia em que o Correio da Manhã dá conta de um alegado envolvimento de Duarte Cordeiro nas queixas contra Joaquim Morão, arguido no processo que levou a Polícia Judiciária à Câmara Municipal de Lisboa e que sinaliza eventuais práticas de financiamento ilegal do PS, o líder socialista quis abordar a questão em dois momentos.
“O primeiro momento”, disse, está relacionado com o facto de o CM referir a existência de uma denúncia anónima que implica o ministro do Ambiente. Costa salientou que o próprio Fernando Medina, à época presidente da autarquia lisboeta, já esclareceu que Cordeiro não teve nada que ver com a contratação, “nada tem que ver com essa história”.
Num segundo momento, e já enquanto secretário-geral do PS, Costa assegura que Duarte Cordeiro, “ao contrário do que diz o CM”, “nunca foi responsável pela gestão financeira do PS, pela actividade financeira do PS ou pela angariação de fundos”. “Já na semana passada o PS fez um comunicado: todos os seus financiamentos estão identificados e a lista está entregue na Entidade das Contas e Financiamentos Políticos e até agora não foi sinalizada qualquer irregularidade”, acrescentou.
Sobre um eventual envolvimento de Medina, Costa declarou saber apenas o que lê “nos jornais” e que “o ministro das Finanças não é arguido, nem sequer foi ouvido neste processo”. Quanto à possibilidade de ver o seu nome relacionado com este caso, o chefe de Governo foi peremptório: “Não temo nada, fui presidente de câmara [de Lisboa] durante oito anos [e] saí com a consciência absolutamente tranquila.”
Antes, António Costa já tinha também protegido Fernando Medina no que concerne à polémica indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis. “Todos sabemos que as Finanças não sabiam”, declarou, insistindo que “toda a gente sabe que não houve qualquer tipo de informação ao Ministério das Finanças” e pedindo tempo para que a Inspecção-Geral de Finanças termine o relatório, o qual acredita que poderá estar concluído “no princípio de Fevereiro”.
Relativamente ao ex-ministro das Infra-Estruturas, que na sexta-feira reconheceu que foi informado, e que autorizou, o acordo para a polémica indemnização, Costa assumiu que ficou “surpreendido”, assim como considera que terá ficado o próprio Pedro Nuno Santos ao se aperceber de que sabia.
“Não vejo necessidade de novo governo”
Numa altura em que surge na discussão política a possibilidade de o Presidente da República convidar Costa a formar um novo executivo, o primeiro-ministro afasta essa hipótese. “Não vejo necessidade nenhuma de haver um novo governo”, atirou, para logo se mostrar orgulhoso por nestes seis anos como primeiro-ministro ter conseguido que vários ministros tenham atingido recordes de tempo no cargo, como são exemplos Marta Temido (Saúde) ou Francisca Van Dunem (Justiça).
Depois de João Gomes Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros, ter admitido que, enquanto titular da Defesa, soube da derrapagem no custo das obras no Hospital Militar, António Costa garantiu manter “confiança nos membros do Governo que estão em funções” e precisou que o próprio Gomes Cravinho já disse que “dará todos os esclarecimentos” ao Parlamento.
Desvalorizando a generalidade dos casos que provocaram boa parte das muitas demissões no executivo – considerando tratar-se de “situações da vida anterior ou até de vida de familiares” [dos demitidos] e apontando apenas os “motivos políticos e graves” que levaram às demissões de Pedro Nuno Santos e de Marta Temido –, Costa assegurou que essa “fase está ultrapassada” e que o “Governo durará até Outubro de 2026”, ainda que não esteja livre de novas saídas, seja por “uma doença” ou por “alguém [que] venha a ter um problema político”.
Ante a insistência de Marcelo quanto à necessidade de os actuais membros do executivo se sujeitarem ao questionário aprovado em Conselho de Ministros, Costa reiterou que o escrutínio “é público” e pode ser feito com as declarações entregues por estes no Parlamento e Tribunal Constitucional.
Por fim, adiantou apenas que a ministra da Agricultura “está a trabalhar” para a escolha de um novo secretário de Estado, lugar por preencher desde a exoneração de Carla Alves.