Vírus da gripe das aves volta a saltar para mamíferos em Espanha
A gripe das aves está a preocupar os cientistas espanhóis, depois da identificação do vírus em mamíferos na Galiza. No Equador, uma criança também foi infectada após o contacto com uma galinha.
No ano passado tivemos a maior época de epidemia de gripe das aves já registada na Europa, como alertou o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC, na sigla em inglês), em Outubro, quando declarou que houve quase 50 milhões de aves abatidas no período de um ano. Mas não tem afectado só aves. A morte em Outubro de um vison-americano com pneumonia hemorrágica em Carral (na Galiza, Espanha) fez soar o alarme dos cientistas, que agora apontam numa notícia do jornal espanhol El País que o vírus da gripe aviária (do subtipo H5N1) saltou de aves selvagens para uma marta e, daí, espalhou-se para outros mamíferos – ou seja, outros visons-americanos.
Mais: o vírus H5N1 (um subtipo do vírus da gripe das aves) detectado no vison-americano tinha uma mutação distinta no gene PB2. Num artigo publicado, a 19 de Janeiro, na revista científica Eurosurveillance, investigadores espanhóis alertam para a possibilidade de existirem implicações para a saúde pública – mas ainda não existem dados suficientes para confirmar um maior perigo para a população. Apesar de se conseguir espalhar entre alguns mamíferos, o vírus da gripe das aves não infectou os agricultores (que estariam a usar máscara).
Não é a primeira vez que há casos de infecção por H5N1 em humanos. Entre 2003 e 2022, registaram-se 868 casos em 21 países, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Embora já tenha havido estes casos de saltos deste vírus para mamíferos, incluindo humanos, essas infecções são ainda raras e despertam sempre a atenção das autoridades sanitárias e de saúde. Em Espanha, entre Outubro e Dezembro de 2022, foram infectadas duas pessoas.
Mas regressamos aos visons, que alertaram os cientistas. Estes mamíferos podem ser infectados tanto com gripe aviária como com gripe humana, pelo que estes animais acabam por poder ser o “receptor” no qual os vírus se misturam para poderem criar versões mais letais, adianta o estudo liderado por Montserrat Agüero, investigador do Laboratório Central de Veterinária do Ministério da Agricultura espanhol.
Os visons estiveram no centro das atenções em Novembro de 2020, quando foi detectado o vírus da covid-19 em milhões destes mamíferos na Dinamarca – algo que levou a primeira-ministra Mette Frederiksen a ordenar o abate de 17 milhões de visons.
Algo similar aconteceu na Galiza no final do ano passado. A mutação genética encontrada no vírus do gripe das aves é igual à que estava presente no vírus da gripe A, que originou uma pandemia em humanos entre 2009 e 2010: é apelidada de mutação T271A, situada no gene PB2. Por isso, as autoridades de saúde e a Junta da Galiza (órgão de governo da região autónoma da Galiza) decidiram, em Outubro de 2022, matar os 52 mil visons presentes na quinta onde morreu o primeiro vison-americano, dado o fácil acesso a animais selvagens.
Mais de 2500 surtos na Europa num ano
Como recorda o jornal El País, a OMS já alertava em 2019, antes dos primeiros casos de covid, que o “mundo não está preparado para uma pandemia de agentes patogénicos respiratórios virulentos e de transmissão rápida”. E se este alerta, descrito pelo Comité de Monitorização da Prevenção Global da OMS, se provou certo com a emergência do coronavírus SARS-CoV-2, estes recentes surtos de gripe das aves também motivam preocupação.
“Dá bastante medo. Na Europa nunca tínhamos tido surtos assim em visons, só havia alguns casos descritos na China. Nunca tínhamos tido um susto tão grande”, explica Elisa Pérez, especialista em vírus emergentes do Centro de Investigação em Saúde Animal (Espanha), em declarações ao El País. A virologista vai mais longe e pede inclusivamente o encerramento de todas as quintas com visons.
Existiam cerca de 2900 quintas de peles na União Europeia antes da pandemia, que produziam cerca de 27 milhões de peles de vison por ano, de acordo com os últimos dados divulgados pela indústria. Um estudo pedido pela Comissão Europeia estimou que existiriam 755 quintas com visons activas no início de 2021, principalmente na Finlândia, Polónia, Lituânia e Grécia. Em Espanha, estes surtos levaram à aplicação de algumas medidas de segurança, como a imposição de máscaras obrigatórias para os trabalhadores.
Em Portugal, a última informação do ECDC remete para Dezembro de 2022, quando foi confirmado que Portugal teve 31 focos de infecção por gripe das aves entre 1 de Outubro de 2021 e 30 de Setembro de 2022, a maioria registada em aviários. Ainda assim, estes focos conduziram ao abate de 192 mil patos em Benavente, por exemplo. À imagem do que aconteceu em Espanha, Portugal também impõe medidas de controlo e inspecção nos locais onde a doença foi detectada.
Em toda a Europa (37 países), foram detectados mais de 2500 surtos de H5N1 em aviários naquele período e mais de 3000 em aves selvagens (um recorde no espaço europeu), tendo morrido ou sido abatidas quase 50 milhões de aves abatidas. O risco de transmissão para humanos permanece baixo, excepto para quem tem contacto directo com aves, cujo risco é entre baixo e médio, de acordo com o ECDC.
Criança infectada no Equador
Além do foco europeu, a gripe das aves (o vírus H5N1) têm-se disseminado por outras regiões. Uma equipa de investigadores da Argentina e do Peru confirmou na semana passada, num artigo na revista Science, ainda segundo a notícia do El País, a existência do vírus em aves na América Latina. Inclusive, uma criança de nove anos no Equador foi hospitalizada nos cuidados intensivos depois de estar em contacto com uma galinha – é o primeiro caso humano de gripe das aves altamente patogénica na América Latina, segundo confirma a OMS.
O conhecimento ainda é escasso sobre a transmissão de gripe das aves para humanos ou mesmo para mamíferos. Um outro estudo, publicado em Outubro de 2022 na revista Emerging Infectious Diseases, apontava que a Islândia era o ponto de transbordo do vírus H5N1 entre o Norte da Europa e a América do Norte, através de aves selvagens infectadas. No mesmo artigo, os investigadores de instituições da Alemanha e da Islândia referem o aumento das infecções em aves selvagens, mamíferos e inclusive humanos, alertando que a tendência é de aumento, devido a estas rotas de transmissão do vírus entre continentes.
A OMS destaca que os dados existentes até ao momento indicam que o vírus da gripe das aves não consegue manter uma taxa de transmissão elevada entre humanos, pelo que o risco de a doença passar de pessoa para pessoa é, para já, baixo.