Os cães são esquerdinos ou destros? Isto é o que diz a ciência

Estudos concluíram que os cães são mais propensos a preferirem uma das patas para a realização de tarefas do que a serem ambilaterais.

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Os cães são esquerdinos ou destros? Isto é o que diz a ciência Camylla Battani/Unsplash

A grande maioria das pessoas usa uma mão ou a outra para grande parte das tarefas – e para quase 90% é a mão direita. Cerca de 10% a 13% dos humanos são esquerdinos, sendo que os homens têm até três vezes mais probabilidade de o serem do que as mulheres. Contudo, muito poucas pessoas são ambidestras.

Até há relativamente pouco tempo, presumia-se que o uso preferencial de uma das mãos era uma particularidade única dos humanos, mas estudos sobre animais sugerem que pode ser uma característica fundamental de todos os mamíferos. O que não é tão claro é a forma como se mostra nos animais e se é como acontece com os humanos.

Na mesma linha, foram desenvolvidos vários testes para determinar se o cão doméstico apresenta alguma evidência de preferir usar uma das patas. As tarefas incluíram estabilizar um brinquedo, chegar a um alimento que está dentro de um recipiente ou retirar um objecto – como um cobertor ou um pedaço de fita adesiva – do corpo do animal.

Outros indicadores incluíam registar o primeiro passo que o animal dá para descer as escadas ou a pata que oferece à pessoa quando lhe é pedida.

Os resultados dos estudos diferem até certo ponto, apesar de uma metaanálise recente ter concluído que, no geral, os cães são mais propensos a preferirem uma das patas do que a serem ambilaterais (o equivalente a ambidestros quando falamos de humanos) – ou não têm nenhuma pata favorita.

No entanto, ao contrário dos humanos, a preferência por uma das patas parece estar mais ou menos uniformemente dividida. Nos cães, é uma característica do indivíduo e não da espécie.

Ainda assim, é importante salientar que os estudos apontam para diferenças no uso das patas entre tarefas e que a utilização destes membros está dependente de factores como a complexidade da função que o animal está a executar. Por exemplo, o kong, que requer que o cão estabilize uma bola cónica, normalmente resulta num número aproximadamente igual de respostas com a pata esquerda, direita e com as duas.

Em contrapartida, a tarefa de "dar a pata", exercício que envolve uma componente de treino e repetição, gera mais respostas sobre a preferência de uma das patas do que das duas.

Vários estudos apontam para fortes diferenças de género em relação à preferência que os cães têm por uma das patas. As fêmeas são mais susceptíveis de utilizarem a direita, enquanto os machos são mais propensos a escolherem a pata esquerda. Esta diferença entre os sexos foi descoberta noutras espécies não humanas, incluindo no gato doméstico.

A razão que explica o facto de os machos e as fêmeas diferirem no uso das patas ainda não é clara, apesar de factores hormonais e diferenças na anatomia do cérebro estarem entre as explicações.

A relação com o bem-estar animal

Ainda que possa ser muito divertido tentar descobrir se um cão é esquerdino ou destro, estabelecer a preferência de um animal por uma das patas também pode ser importante do ponto de vista do bem-estar, uma vez que esta escolha nos pode dar uma visão das emoções que ele está a sentir.

Tal como nos humanos, o lado esquerdo do cérebro de um cão – que controla o lado direito do corpo – está mais preocupado em processar as emoções positivas. Já o lado direito do cérebro – que controla o lado esquerdo do corpo – concentra-se mais nas emoções negativas, como o medo ou a ansiedade.

Desta forma, avaliar a pata que um cão está a utilizar pode dar-nos uma ideia de como é que ele se está a sentir. Por exemplo, um animal que usa a pata esquerda para realizar uma tarefa pode estar a experienciar mais emoções negativas do que o que emprega a pata direita.

Outros estudos têm recentemente revelado uma relação entre a preferência pela pata e a reactividade emocional dos cães. A nossa investigação aponta para o facto de os cães esquerdinos serem mais "pessimistas" (neste caso quando são mais lentos na aproximação a uma tigela de comida vazia colocada num local ambíguo durante um exercício cognitivo) do que os animais destros ou ambidestros.

Por sua vez, os cães que apresentam preferências de patas mais fracas demonstraram reagir de maneira mais forte aos sons gravados de trovoadas e fogos-de-artifício do que os animais com preferências mais fortes.

Da mesma forma, também encontrámos provas de uma ligação entre as preferências das patas e a personalidade, com cães ambilaterais a apresentarem mais características de agressividade e medo do que os animais com preferências de patas mais fortes.

Isto pode ter implicações no treino dos cães. Na verdade, há provas que estes testes podem ser um indicador útil sobre quais são os animais que se tornam cães-guia bem-sucedidos.

Avaliar a preferência de patas pode também servir para identificar animais vulneráveis em situações stressantes. Por exemplo, descobriu-se que cães esquerdinos apresentam maiores sinais de stress em canis do que animais destros.

Nesta altura, não seria sensato confiar apenas nestas preferências como medida para o risco de bem-estar animal. No entanto, tem o potencial de ser uma ferramenta útil, particularmente se for considerado em conjunto com outros testes de bem-estar ou utilizado em conjunto com outras medidas de assimetria dos cães, incluindo o abanar da cauda, o comportamento quando farejaram e direcção do pêlo.

Por exemplo, normalmente, os cães abanam a cauda para a esquerda (indicando emoções mais positivas) quando vêem os donos, e para a direita (indicando emoções mais negativas) quando avistam um cão dominante desconhecido. Outros trabalhos nesta área não só nos vão ajudar a desenvolver a nossa compreensão da cognição canina, como vão permitir que cuidemos e valorizemos o melhor amigo do humano.


Exclusivo P3/The Conversation
Deborah Wells é professora na Escola de Psicologia Queen's University Belfast, na Irlanda do Norte

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