O 25 de Abril foi a melhor coisa que aconteceu a Portugal

Numa manifestação pacífica, houve um cartaz que gerou discussão nas redes sociais: “O 25 de Abril foi a maior desgraça de Portugal.” Mas sem liberdade não há humanidade.

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chay tessari/Unsplash

No passado dia 12 de Janeiro, quinta-feira, deu-se uma manifestação pacífica, no Rato (Lisboa), em frente à sede do Partido Socialista com o objectivo de demonstrar o desagrado com o actual Governo de maioria absoluta. Entre vários cânticos, palavras soltas e críticas constantes, houve um cartaz que, apesar de ter apenas aparecido discretamente nas reportagens e nas fotos que registaram o momento, gerou discussão nas redes sociais. O cartaz a que me refiro continha a seguinte mensagem: “O 25 de Abril foi a maior desgraça de Portugal.”

Bem, antes de mais, e talvez de forma até cómica, convém mencionar que o indivíduo que produziu este cartaz enganou-se, escandalosamente, no tom da manifestação. A língua inglesa tem uma expressão engraçada para as pessoas que se apresentam em ocasiões públicas excessivamente bem vestidas e sem noção do contexto em que estão inseridas: “overdressed”. É caso para dizer que este cidadão estava “overprotesting”.

Enquanto a maioria criticava a actuação imobilista e notoriamente insuficiente do Governo em relação à crise que Portugal – e a Europa, claro – enfrenta e os sucessivos erros de casting que o Partido Socialista tem cometido para os mais altos cargos do Governo, este cidadão decidiu tomar nas suas mãos a pesada tarefa de criticar o sistema democrático em que vivemos – sistema esse que lhe dá total liberdade para proclamar tal descontentamento.

Enquanto jovem de 22 anos, é matematicamente óbvio que não vivi a Revolução do 25 de Abril de 1974. Não tenho idade, portanto, para ser revolucionário, e ainda bem – não porque sou contra revolucionários, mas porque a necessidade dos mesmos existirem pressupõe a inexistência de liberdade; pressupõe a subjugação de todo um povo a um regime ditatorial.

Como escreveu Miguel Esteves Cardoso no seu livro As Minhas Aventuras na República Portuguesa: “Tive a sorte de viver uma revolução das boas, que me restituiu liberdades as liberdades que a contra-revolução anterior me tinha tirado mas, mesmo assim, não gostei. Espero nunca mais ver uma revolução na minha vida. É muita confusão.”

A minha geração teve a sorte de herdar apenas os valores de Abril e não a luta de Abril; a minha geração teve a sorte de não viver em ditadura, apenas de a estudar e de ouvir falar dela através dos membros mais velhos da família: temos a sorte de não sermos revolucionários, pois duvido que o quiséssemos ser. O lirismo e romantização do sofrimento fica bem nos livros, na poesia, na música, contudo, nos corpos daqueles que efectivamente sofreram com a ditadura ficou somente o sofrimento sem versos ou metáforas.

Portugal era um país atrasado, sem liberdade, sem desenvolvimento económico, com péssimas taxas de literacia e educação, com condições de habitação indignas para a maioria da população, sem inovação científica relevante para o melhoramento dos cuidados de saúde. Já para não falar da opressão ultra conservadora – incentivada pelo Estado Novo – que tornava perigoso o simples acto de amar alguém do mesmo sexo, ou tornava a emancipação da mulher em termos de direitos reprodutivos e saúde sexual muito parca.

O 25 de Abril, ainda que nos anos consequentes tenha gerado instabilidade — natural de qualquer período pós-revolucionário —, trouxe um novo mundo a Portugal. Um mundo cosmopolita, desenvolvido, aberto ao investimento, à concorrência, ao mundo. Deixámos de ser “orgulhosamente sós” para sermos orgulhosamente livres e de todos os que quisessem relacionar-se connosco. E esse mote está em todos nós até hoje. Abril está também nesta crónica; está em quem discordar dela; está em quem decidir escrever a sua própria crónica.

Cabe agora à minha geração garantir que não caminhamos para trás. Resta-nos apenas uma tarefa, ainda que hercúlea: defender a democracia e a liberdade. Como escreveu Francisco Sá Carneiro, em 1973: “Não há, pois, um bem comum que possa legitimar a supressão da liberdade da pessoa: o bem de todos está em que cada um, sem excepção, possa realizar-se na liberdade do ser, sem o qual não há homem.” E sem liberdade não há humanidade.

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