Cartas ao director
Quase, quase, quase
Há dez anos, a revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior estava quase, quase: ia acontecer, tinha de acontecer, até existiria já uma avaliação profunda como base.
Passaram governos e governantes, passou o tempo, ficaram reticências a ocupar o espaço. A intenção de avaliação, provavelmente sem vontade associada, lá foi figurando como figurante nos programas partidários, pontuando uma ou outra intervenção, uma ou outra promessa, uma ou outra reivindicação. Uma daquelas coisas que é suposto acontecer, mas que está longe de ser prioridade. Portanto, vai sendo “estudada”, com documentos que se acumulam em prateleiras virtuais, cobertos por pó digital, sem nunca se apresentar a “exame”.
E eis que, ao fim deste tempo, é criada pelo Governo uma comissão independente que vai estudar os estudos já feitos e ouvir muitos que já foram ouvidos múltiplas vezes. Um ano como prazo para apresentar conclusões. Demasiado. Depois, será preciso esperar pelas propostas políticas, porque o modelo de organização do ensino superior, da sua regulação, da governação das instituições, é político e apenas político, com o que acarreta de valorações diversas e de opções pouco consensuais. Seguir-se-ão outras audições, discussões e consultas públicas, que são formais e obrigatórias, a realizar num calendário que ainda não se vislumbra...
Esta revisão assemelha-se, pedindo emprestado um dos títulos de Saramago, a um Objeto Quase. Sem reticências.
Miguel Santos Conceição, Aveiro
Raciocínio de professora
Estou aposentada mas ainda me sinto professora, por isso não me dessindicalizei ao contrário de muitos. As reinvindicações na minha perspectiva não se devem fazer “aos berros na rua”. É um método muito querido de certos partidos, mas não é assim que vejo as coisas. Os sindicatos devem pedir ao ministro audiências — as que forem necessárias para clarificar os pontos de vista — e discutir o que tem de ser discutido com a máxima serenidade, mas nunca aos berros pela rua.
Até eu que fui professora já não percebo o que se pretende: vejo pais, alunos, auxiliares de educação todos ao molho sem especificarem o que se pretende. Hoje até apareceu uma mãe a pedir psicólogos nas escolas. Mas afinal o que pretendem os sindicatos? Ou os pais? Ou os alunos? Sol na eira e chuva no quintal? Meus colegas dos sindicatos, se não pretendem o descrédito total, façam uma listinha daquilo que é essencial ao ensino e aos professores. Não arrastem os pais e alunos e muito menos a população (como no Algarve) para uma “chafurdice” que só causa descrédito à classe. Exijam ao senhor ministro que nos ouça (ele não deve ser surdo) e conversem. Conversem o mais logicamente e racionalmente possível. Se ele não nos quiser ouvir, venham contar à comunicação social como ele se comportou. Mas sem berros. Ordeiramente. Darão assim uma boa lição.
É que eu, como ex-professora de Matemática, gostaria que tudo fosse feito com lógica. Perguntem aos irmãos do actual Presidente da República, que foram meus alunos, se não fui uma professora exigente mas correta.
Gracinda Gaspar
Para ganhar inimigos
Imaginem que todos os dias, desde 9 de janeiro às oito da manhã, a escola manda os miúdos embora para casa, porque “vai estar fechada o dia todo”. Imaginem que é essa a informação passada no portão da escola, ao telefone e a quem lá for.
Imaginem que os miúdos se vão embora, que os pais mandam mensagens uns aos outros: “Está fechada a escola.”
Imaginem que alguém vai pedir à direção que explique o que está a acontecer e consegue, a saca-rolhas, que lhe expliquem: que os alunos são mandados embora às oito; que assim que termina o primeiro tempo, os professores (que fizeram greve apenas e só a esse tempo) assinam as folhas de presença e dizem “estivemos cá o dia todo, não houve foi alunos”.
Imaginem que afinal professor nenhum fez oficialmente greve a mais do que o primeiro tempo e que ficam a saber que os vossos filhos, afinal, é que andam a faltar desde o dia 9. Imaginem que até lhe marcam faltas.
Agora eu pergunto: “uma mãe que passou todo este tempo a explicar aos filhos que os professores têm muita razão nas suas lutas, que a greve é justa e justificada, que a luta dos professores é de todos e vale bem o nosso incómodo por umas semanas, etc., etc., etc; e que de repente descobre que andou a ser enganada e que os miúdos afinal é que “faltaram”!
Essa mãe faz o quê?
Petra I. Metelo, Arcos de Valdevez