A Noruega quer enterrar CO2 no fundo do mar: primeiro o seu, depois o da Europa

O Estado norueguês está a investir milhões para tentar demonstrar que a captura e armazenamento de carbono pode ser uma solução climática credível. Mas estas tecnologias não são consensuais.

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Este é o metálico aspecto de uma "fábrica de captura de CO2", tecnologia cara que promete o sequestro deste gás no local exacto das instalações industriais Tiago Bernardo Lopes

Situado mesmo à beira de uma ruidosa refinaria, o espaço ao ar livre onde nos encontramos — e onde só com equipamento reflector, um capacete e óculos de protecção podemos estar — é habitado por vários “bichos” metálicos, desde todo um conjunto de tubos a grandes “torres” cinzentas. Não é muito “verde” o cenário que vemos no Technology Centre Mongstad (TCM), na Noruega, mas aqui estão a ser testadas tecnologias de captura de dióxido de carbono (CO2).

Situado no Parque Industrial Mongstad, no condado de Vestland, o TCM é propriedade não só da Gassnova, a empresa estatal norueguesa de captura e armazenamento de carbono (carbon capture and storage, ou CCS), como das petrolíferas Equinor (também pertencente ao Estado norueguês), Shell e TotalEnergies​. Empresas como estas últimas três, que fazem parte de uma indústria que contribui de forma relevante para o aquecimento global, procuram soluções de captura de CO2 que não só sejam fiáveis, como possam ser comercializadas em larga escala. Sobretudo numa era pós-Acordo de Paris (2015), em que a pressão para elas reduzirem as suas emissões de gases com efeito de estufa (GEE) ​nunca foi maior.

A Noruega, um grande exportador de petróleo e gás, tem uma história longa relacionada com CCS. Agora, o Estado norueguês está a financiar, de forma considerável, aquele que deverá ser um novo e ousado capítulo desse precurso. Existe um plano para primeiro capturar (e depois injectar e armazenar abaixo do chão do mar do Norte) não só CO2 norueguês, como volumes de CO2 provenientes de todo o continente europeu. Esse plano, que está a entusiasmar uns e a preocupar outros — que são da opinião de que a CCS é muito mais uma forma de nos mantermos agarrados aos combustíveis fósseis do que uma solução climática —, chama-se, em parte, “projecto Longship”.

Sobre “capturar” carbono

Há várias formas de capturar CO2. Uma delas, a mais comum quando se fala de CCS, consiste em sequestrar este GEE mal os combustíveis fósseis são queimados em contexto de fábrica. A ideia é reduzir ao máximo​ as emissões de CO2 no local exacto das instalações industriais (muito mais à frente neste texto, ​havemos de regressar a este pormenor do “local exacto”, que é importante).

A queima de combustíveis fósseis dentro de uma fábrica resulta na formação de nuvens de fumo, que escapam pelas chaminés. Estas nuvens constituem o dito gás de combustão, que normalmente é composto por azoto, vapor de água, oxigénio, poluentes como monóxido de carbono e, claro, CO2.

Capturar este GEE envolve o processo de o separar dos restantes constituintes do gás de combustão. Para isto acontecer, o gás tem de entrar em contacto com um solvente, que por seu turno tem de ter um composto que consiga reagir de forma selectiva com o CO2, absorvendo-o.

Isto dá-se dentro de “centrais” ou “fábricas de captura” como aquelas que neste momento se encontram montadas no Technology Centre Mongstad. O TCM usa dois gases de combustão para testar estas tecnologias, um dos quais é a fumaça da refinaria que a Equinor tem no Parque Industrial Mongstad.

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Uma das "fábricas de captura" de CO2 que estão a ser testadas presentemente no Technology Centre Mongstad, na Noruega Tiago Bernardo Lopes

Ahmad Wakaa está parado em pé ao lado de uma das corpulentas “fábricas”. Ele é uma das pessoas que no TCM as avaliam exaustivamente. É também quem, com pontuais pinceladas, agora nos ajudará a falar, de forma mais ou menos simples, sobre como e onde é que acontecem as coisas no interior de tecnologias um tanto complexas.

Comecemos pelo princípio. Após escapar pelas chaminés, o gás de combustão é encaminhado para uma “unidade de refrigeração”, onde é arrefecido e lavado com água. Com isto, diz Ahmad, procede-se à remoção de “partículas indesejadas”, que não podem seguir com o gás para dentro da “fábrica de captura”.

Uma vez lavado, o gás entra num sector da “fábrica” que é o andar de baixo de uma grande “torre” metálica: o chamado absorvedor, onde o gás e o solvente entrarão em contacto.

O gás escalará o absorvedor, ao passo que o solvente, que entrará pela parte de cima, fará o percurso contrário. Quando um e outro se cruzarem, o solvente absorverá o CO2 do gás, que continuará a ascender até chegar a uma secção em que será novamente arrefecido e lavado, desta vez com o propósito de “remover gotas” do solvente, explica Ahmad.

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Ahmad Wakaa avalia a eficácia de diferentes soluções tecnológicas de captura de carbono em contexto de fábrica Tiago Bernardo Lopes

Concluída a segunda das lavagens, o gás, agora sem CO2 na sua composição, é libertado para a atmosfera.

Resta o solvente. Este, agora rico em CO2, deixa o absorvedor e segue para um “regenerador”, onde é aquecido. O calor intenso (temperaturas acima dos 100 graus Celsius) causa uma separação entre o dióxido de carbono e o solvente.

Há agora um solvente “pobre” em CO2 — que assim pode ser reutilizado para absorver mais dióxido de carbono — e, finalmente isolado, o próprio CO2.

PÚBLICO - Ilustração simplificada de um processo de CCS, desde o momento da captura de CO2 em contexto industrial ao do seu armazenamento numa formação geológica profunda
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Ilustração simplificada de um processo de CCS, desde o momento da captura de CO2 em contexto industrial ao do seu armazenamento numa formação geológica profunda Gabriela Pedro

Num contexto “completo” de CCS, em que depois da captura de CO2 vem, teoricamente, o seu armazenamento num local seguro, o CO2 é liquefeito (a liquefacção constitui a passagem de uma substância do estado gasoso ao líquido) e, depois, injectado em formações geológicas profundas — ou muito abaixo dos nossos pés (onshore), ou então abaixo do chão do mar (offshore).

Acontece que o TCM, sendo apenas um centro onde são testadas tecnologias de captura de CO2, não tem onde armazenar este GEE. Quer isto dizer que o CO2 que é​ capturado está depois a ser libertado para a atmosfera na mesma.

O sector do petróleo vem a mostrar muito interesse em tecnologias de CCS, mas também há quem duvide grandemente destas Tiago Bernardo Lopes
O custo elevado da CCS (que dificulta a sua implementação a larga escala), os grandes consumos energéticos que acarreta e ainda o facto de só conseguir capturar uma fracção das emissões decorrentes da queima de combustíveis fósseis estão entre os motivos que justificam os receios de muitos ambientalistas Tiago Bernardo Lopes
Algumas organizações não-governamentais são da opinião de? que a CCS apenas “prolongará” a nossa “dependência dos combustíveis fósseis Tiago Bernardo Lopes
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O sector do petróleo vem a mostrar muito interesse em tecnologias de CCS, mas também há quem duvide grandemente destas Tiago Bernardo Lopes

“Mas nós conseguimos reciclar nos nossos testes o CO2 que capturamos”, diz Ahmad Wakaa. Segundo os números que nos cita, o gás de combustão que sai da refinaria da Equinor é um gás com cerca de 14% de CO2. Se uma empresa que constrói “fábricas de captura” estiver a testar as suas tecnologias no TCM e precisar de ver quão eficazes elas conseguem ser com gases de combustão com 20% de CO2, por exemplo, o TCM consegue juntar CO2 já capturado ao CO2 ainda presente no gás de combustão.

“Também podemos fazer o contrário. Se uma empresa não precisar que o gás de combustão tenha mais do que por exemplo ​4% de CO2 (imagine-se que a sua ‘fábrica de captura’ estará a funcionar ao lado de um estabelecimento industrial com um gás de combustão mais ‘limpo’ no que toca à concentração de dióxido de carbono), podemos injectar ar no gás de combustão, diluindo o CO2 até termos a concentração desejada”, diz-nos o engenheiro sírio, que se mudou para a Noruega com a família há poucos anos (e que trabalha no TCM há cerca de dois anos e meio).

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Ahmad Wakaa faz-nos uma visita guiada pelo espaço ao ar livre do Technology Centre Mongstad, onde estão montadas as "fábricas de captura" que vêm a ser testadas Tiago Bernardo Lopes

Sobre “armazenar” carbono

Como dizíamos há pouco, um contexto “completo” de CCS deve incluir não só a captura de CO2 após a queima de combustíveis fósseis em contexto de fábrica, mas também o seu armazenamento em formações geológicas profundas. Se o CO2 for, ao invés de armazenado, reutilizado (para produzir combustíveis sintéticos, por exemplo), passamos de CCS para CCUS: captura, utilização e armazenamento de carbono (carbon capture, utilisation and storage).

Há vários requisitos importantes que uma formação geológica profunda tem de cumprir para ser considerada como, em princípio, um bom e seguro reservatório de CO2. Por um lado, as rochas que a compõem têm de ser “porosas e permeáveis”, como nos explica, a partir de Portugal, Leonardo Azevedo, investigador do Centro de Recursos Naturais e Ambiente (Cerena).

“Quando fazemos um furo nas rochas e injectamos CO2 na subsuperfície, ele não fica quietinho. O que é bom: ele não se pode mexer demasiado, para não voltar à atmosfera, mas também não pode ficar totalmente imóvel, senão entope o furo e não conseguimos fazer mais injecções”, clarifica​ o especialista em georrecursos, dizendo que, após a injecção, o CO2 irá, gradualmente, atravessar os poros das rochas, espalhando-se um pouco.

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O investigador e professor universitário Leonardo Azevedo é a favor da aposta em CCS Gonçalo Gouveia/Instituto Superior Técnico

Isto até encontrar uma barreira. À volta do reservatório poroso e permeável têm de estar formações geológicas com as características opostas, ou seja, formações de rochas que, sendo impermeáveis, travem as movimentações do CO2. As ditas “rochas de cobertura”.

Leonardo Azevedo, que além de investigador do Cerena é professor auxiliar no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, afirma que, para um projecto de CCS ter sucesso, é fundamental que se monitorizem​ as movimentações do CO2, para se perceber até que ponto está tudo bem na subsuperfície. “Não podemos ir lá abaixo ver o que se passa, mas há métodos geofísicos que nos permitem​, ao longo do tempo, recolher dados e perceber como é que o CO2 se está a portar. Monitorizando, conseguimos saber se há fugas e é preciso intervir, tomar alguma medida de mitigação.”

Noruega: um trajecto iniciado na década de 1990

A Noruega tem já muita experiência no que toca a CCS. O projecto Sleipner, iniciado em 1996 (cinco anos após o país​ ter introduzido na sua legislação um imposto de carbono), é muitas vezes descrito por apologistas de CCS como um pioneiro e relevante caso de sucesso.

Resumidamente, a Equinor explora desde Agosto de 1996 um reservatório de gás natural chamado Sleipner Vest. Aqui, o gás tem cerca de 9% de CO2. Como não podia exportar este recurso sem baixar esta percentagem para pelo menos 2,5%, a petrolífera, então ainda Statoil, começou, em Setembro de 1996, a fazer operações de remoção de CO2.

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Imagem do projecto Sleipner Brian VanderBrug/Los Angeles Times/Getty Images

Há já muitas décadas que existem processos para separar CO2 e outros compostos químicos de gás natural antes que este seja vendido a consumidores, mas o CO2 que a Equinor anda há mais de 25 anos a remover do gás no reservatório Sleipner Vest está a ser injectado num aquífero salino profundo para armazenamento permanente.​

É com isto no currículo que a Noruega está a desenhar o projecto Longship, que, como dissemos no início, vem a ser pensado com ousadia para levar mais longe a relação do país com CCS.

Com este projecto, o Governo da Noruega diz querer fazer uma demonstração a larga escala de que, apesar do seu custo significativo, os processos de CCS podem ser importantes para indústrias cujas emissões de CO2 são difíceis de abater. Conheçamos melhor aquilo que está a ser montado.

Metas ambiciosas

Há duas “fábricas de captura” de CO2 que estão a ser desenvolvidas no âmbito do Longship, que ao todo deverá custar 25,1 mil milhões de coroas norueguesas (2,4 mil milhões de euros). Uma delas, a que deverá entrar em funcionamento mais cedo (2024), está a ser construída ao lado das instalações que a cimenteira norueguesa Norcem tem na cidade de Brevik, sendo a tecnologia propriedade da empresa norueguesa Aker Carbon Capture.

A outra, que em princípio começará a capturar CO2 por volta de 2026, tentará reduzir as emissões da Hafslund Oslo Celsio, que opera no sector da transformação de resíduos em energia.

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Imagem da construção de uma das "fábricas de captura" da Aker Carbon Capture DAG JENSSEN

O transporte e armazenamento do CO2 capturado será levado a cabo pela empresa Northern Lights, que resulta de uma parceria recente, mais uma, entre as petrolíferas Equinor, Shell e TotalEnergies.

A Northern Lights terá, em 2024, dois navios-tanques, que transportarão o CO2, já liquefeito, das “fábricas de captura” para um terminal em Øygarden, comuna na costa ocidental da Noruega.

No terminal, o CO2 será armazenado temporariamente e, depois, “vertido” para uma espécie de gasoduto. Serão à volta de 100 os quilómetros que percorrerá dentro desta tubagem.

Após esta longa travessia, o CO2 chegará ao local das injecções​: uma infra-estrutura offshore que contém​ os poços que foram abertos para se injectar o CO2 para dentro de um​ novo reservatório — um aquífero salino que se encontra 2600 metros abaixo do chão do mar do Norte.

A Northern Lights diz que conseguirá, numa primeira fase, armazenar nesse aquífero salino até cerca de 1,5 milhões de toneladas de CO2 por ano. Cerca de 800 mil toneladas anuais deverão vir das duas “fábricas de captura” que estão a ser construídas no âmbito do Longship.

O projecto, que durará dez anos, não prevê a construção de “fábricas de captura” fora da Noruega, mas a Northern Lights quer — e diz que tem como — armazenar CO2 vindo do resto da Europa.

E a verdade é que já há acordos comerciais a serem celebrados. Em Agosto, soube-se que, a partir de 2025, a Northern Lights deverá começar a armazenar CO2 capturado no complexo petroquímico que a empresa norueguesa Yara tem nos Países Baixos.

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A Equinor, gigante do petróleo norueguês, é uma das empresas do sector energético que estão por detrás da Northern Lights Tiago Bernardo Lopes

“Em 2026, daremos início àquela que será a segunda fase das nossas operações. Vamos aumentar a nossa capacidade total de injecções para qualquer coisa entre cinco e sete milhões de toneladas de CO2 por ano”, conta-nos, via Zoom, Aslak Hellestø, que desempenha várias funções na Northern Lights, uma das quais é a de consultoria em matéria de negócios.

Aslak diz que os tubos que farão a ligação entre o terminal em Øygarden e os dois poços que já foram abertos para se injectar o CO2 no reservatório serão tubos espaçosos, “perfeitamente capazes” de, no decorrer de um ano, transportar mais do que 1,5 milhões de toneladas de CO2. “Eles já estão prontos para a nossa segunda fase, em que teremos mais condições para armazenar CO2 temporariamente no terminal e, também, três poços adicionais.”

Os navios-tanques que recolherão o CO2 junto dos vários emissores começaram a ser construídos recentemente. Serão movidos a gás natural liquefeito (GNL), que é composto sobretudo por metano, GEE que contribui muito para o aquecimento global.

De modo a tentar reduzir o consumo de GNL, os navios serão equipados com sistemas de propulsão assistida pelo vento. Outras possibilidades que estão a ser equacionadas incluem a de se “usar amónia como combustível” e até mesmo a de os navios “potencialmente” circularem com soluções tecnológicas de pequena dimensão que capturem os GEE emitidos pelas embarcações, diz Aslak.

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Na comuna de Øygarden, está a ser montado um terminal onde o CO2 será armazenado temporariamente, antes da sua injecção para um reservatório salino profundo Tiago Bernardo Lopes

A Northern Lights, que, por estar ligada ao Longship, conta com apoios estatais robustos — em 2020, o Governo norueguês assumiu o compromisso de lhe destinar 10,4 mil milhões de coroas norueguesas (991,8 milhões de euros) —, não é a única empresa norueguesa interessada em armazenar CO2 de toda a Europa. Também há a Altera Infrastructure (proprietária de embarcações usadas pela indústria petrolífera) e a Höegh LNG (que vaporiza GNL para fornecer gás natural).

Juntas, estas empresas têm o Stella Maris CCS, futuro projecto que quer juntar emissores, grandes e pequenos, em diferentes grupos. A ideia é cada emissor capturar o seu CO2 e depois o dióxido de carbono ser, todo ele, injectado na mesma formação geológica profunda. O objectivo: promover a​ “partilha de​ infra-estruturas de CCS”, já que estas são muito caras, explica-nos Johanne Bø, da Altera Infrastructure (que, tendo as embarcações, não precisa de gastar dinheiro a construir navios que transportem CO2 liquefeito).

O Stella Maris CCS é um projecto ambicioso — quer armazenar até dez milhões de toneladas anuais de CO2 em cada um dos seus futuros reservatórios —, mas ainda está numa fase embrionária: em princípio, só em 2026 é que deverá começar a sair do papel.

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Johanne Bø, vice-presidente da Altera Infrastructure e responsável pelo trabalho feito pela empresa em matéria de CCS Tiago Bernardo Lopes

Ambientalistas: a favor e contra

Quem está ligado ao Longship fala do projecto com entusiasmo (e a crença de que, futuramente,​ a CCS será muito importante para a Europa e o resto do mundo descarbonizarem as suas indústrias e atingirem as suas metas climáticas). Ouçamos Aslak Hellestø, por exemplo. “Estou muito optimista em relação ao Longship. Desde logo, porque podemos ver que as coisas estão a acontecer. Estamos com quase 70% das nossas instalações construídas. O ano 2024 vai chegar e nós vamos estar prontos para armazenar CO2”, assegura o consultor de negócios da Northern Lights, empresa que possui uma licença de 25 anos (mais 15 do que os anos de duração do Longship) para injectar CO2 na subsuperfície.

Há entusiasmo no ar, dizíamos. Mas a verdade é que a CCS divide ambientalistas.

Façamos uma breve visita ao centro de Oslo, onde se encontra a sede da organização não-governamental (ONG) Bellona. Depois de nos dar a conhecer um escritório cheio de cadeiras espectacularmente ergonómicas e ilustrações satíricas sobre a inacção dos decisores políticos perante as alterações climáticas, Olav Øye, ambientalista cujo trabalho na Bellona incide muito sobre consultoria política, diz que a Noruega já demonstrou, com o projecto Sleipner, que o armazenamento de carbono é uma solução que funciona e deve ser estendida a outros territórios. “O problema é que continua a ser mais fácil e barato simplesmente emitir CO2. Não têm sido impostas às indústrias mais poluentes obrigações de capturar e armazenar carbono.”

O ambientalista​ acredita que o Longship​ será “um marco importante não para a indústria norueguesa, mas para a indústria europeia como um todo”. Vai mostrar a ​“mais pessoas, políticos e [elementos da] indústria que esta é realmente uma tecnologia que se pode aplicar hoje​.​

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Olav Øye num escritório em Oslo que é a sede da associação ambientalista Bellona Tiago Bernardo Lopes

Olav Øye e a Bellona, que trabalha para se “certificar de que existem os quadros regulamentares e os mecanismos de financiamento que permitam às empresas efectivamente capturar e armazenar CO2”, são, portanto, adeptos de CCS. Mas há muitos ambientalistas cuja opinião difere.

Comecemos pelo óbvio: estes processos não só são muito caros, como consomem muita energia, quer no momento da captura, quer no da liquefacção para transporte e armazenamento temporário, quer no da injecção para armazenamento permanente​. ​E não podemos pensar só na​ fase de materialização efectiva de um projecto de CCS. Também há a muita energia que é gasta na demorada fase dos preparativos, a construir as “fábricas” e fazer as perfurações na subsuperfície, por exemplo.

“Ainda não sabemos bem qual é o balanço entre o CO2 armazenado e o carbono emitido ao longo de todo este processo”, diz-nos, a partir de Portugal, Acácio Pires, da associação ambientalista Zero. “Será necessário garantir que a energia consumida é renovável. Mas também não estamos a fazer um investimento muito grande em produção de renováveis para fazer captura de carbono. Estamos a fazê-lo para reduzir emissões.”

A CCS teoricamente reduz as emissões de CO2 em contexto industrial​​, mas o ponto em que Acácio Pires toca é, em parte, o seguinte: mesmo assim​, os bens de consumo que saem das fábricas não deixam de libertar CO2 para a atmosfera quando, após a sua venda, são usados por consumidores.

Imaginemos que uma petrolífera manda construir uma “fábrica de captura” ao lado das suas instalações industriais. A “fábrica”​ consegue separar o CO2 dos restantes componentes do gás de combustão, mas a gasolina que é produzida não deixa de gerar CO2 quando é queimada pelos motores de combustão dos carros.

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Um estudo recente do Instituto para a Economia da Energia e a Análise Financeira (IEEFA, na sigla inglesa), um think tank independente, lembra que é no momento da utilização quotidiana dos bens de consumo, e não no da sua produção, que o sector do petróleo emite a fatia claramente mais significativa das suas emissões. Tal fatia não está a ser tida em conta pelos defensores de projectos de CCS quando dizem que estas tecnologias podem transformar as indústrias mais poluentes em indústrias “neutras em carbono”, argumenta o estudo.

“A captura de carbono tem sido usada como uma justificação para novos projectos de petróleo e gás”, defende o IEEFA, que não deixa de referir​ que a história dos projectos de captura de carbono em contexto industrial inclui muitos​ que, na verdade, são projectos de “recuperação aprimorada de petróleo” (enhanced oil recovery, ou EOR), não de armazenamento permanente de CO2, como o Longship quer ser: o dióxido de carbono é injectado em reservatórios de petróleo explorados quase até ao limite, e isso​ permite a extracção de mais petróleo.

Os projectos de EOR são uma realidade sobretudo nos Estados Unidos, que apostam neles desde o início da década de 1970. Na Europa, existe desde há alguns anos um projecto na Croácia e não muito mais do que isso.

Em termos de CCS, também não há ainda grande coisa em solo europeu — embora a tecnologia esteja a ser mais discutida. Têm vindo a ser anunciados vários projectos nos últimos anos, mas, para a maioria dos países, ainda não se chegou à fase de real implementação. Os países que fogem à regra são a Noruega e a Islândia, que em 2021 inaugurou uma “fábrica” que retira CO2 directamente do ar. O seu nome é Orca e foi desenvolvida pela Climeworks, empresa suíça que está a construir mais uma “fábrica” do género em território islandês.​

Quem não se surpreende com o facto de ainda haver poucos projectos activos de CCS são Carroll Muffett e Dana Drugmand, do Centro para o Direito Ambiental Internacional (CIEL, na sigla inglesa), uma organização sem fins lucrativos. Em Abril de 2021, os dois publicaram​ no site do Environmental Working Group (EWG), outra ONG ambiental, um longo texto em que defendem​ que a captura de carbono “não é uma solução climática”.

Embora já existam tecnologias para capturar CO2 há várias décadas, a existência de um número significativo de grandes projectos de CCS continua a ser uma realidade tornada impossível por vários “desafios intransponíveis”, ligados não apenas ao custo muito elevado destas tecnologias, mas também à (pouca) “eficácia” até agora revelada pelas mesmas, argumentam.

Projectos fracassados

Carroll Muffett (que preside ao CIEL) e Dana Drugmand dizem que já são muitos os casos de “projectos-piloto” de captura de carbono que fizeram promessas ambiciosas e depois não conseguiram atingir os objectivos. Dão o exemplo do Petra Nova, nos EUA: este projecto, que visava capturar o CO2 gerado por uma central a carvão (e depois usá-lo num projecto de EOR), teve uma vida curta (2017-2020) e atribulada, marcada por problemas técnicos.

O Boundary Dam, no Canadá, e o Gorgon, na Austrália, são outros exemplos de projectos que já atraíram grande atenção mediática e que, embora ainda estejam vivos, estão a ter muita dificuldade em atingir as suas metas.

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Muffett e Drugmand são da opinião de​ que a CCS apenas “prolonga” a nossa “dependência dos combustíveis fósseis e atrasa a sua substituição por alternativas renováveis”. E não é uma opinião impopular.​

No final de Novembro, a​​ Comissão Europeia (CE) apresentou uma proposta de um novo quadro legislativo para “certificar de forma fiável as remoções de carbono de elevada qualidade”. A Zero disse que a proposta era “bem-vinda”, mas também afirmou temer que ela venha a desviar o foco daquela que é a “acção principal”: a redução drástica de emissões. “Uma abordagem assente na remoção de carbono da atmosfera através de tecnologias ainda dúbias não responde à necessidade imediata de reduzir emissões de GEE”, comentou a ONG, num comunicado de imprensa.

Num artigo de opinião escrito para o PÚBLICO, Belén Balanyá, que integra o Observatório da Europa Corporativa, monitorizando a actividade de lobbying empresarial em Bruxelas, teceu críticas mais duras. “Os planos de remoção de carbono da CE servem os objectivos da indústria dos combustíveis fósseis”, afirmou, dizendo ser “altamente problemático” que a União Europeia​ tenha colocado tal indústria “no centro das preocupações políticas”.

O relatório de 2022 do Grupo de Trabalho III do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) gerou alguma controvérsia. Por um lado, o “sumário para decisores políticos” parece descrever os processos de CCS como essenciais para se atingir a neutralidade carbónica. Por outro, há quem argumente que há uma disparidade entre o que está no “sumário” e o que aparece no relatório em si.

Carroll Muffett, que garante ter lido o extenso documento na íntegra (e que ajudou a escrever uma reflexão de 34 páginas do CIEL sobre o relatório do Grupo de Trabalho III), cai nesta segunda categoria. “As pessoas escolhem a dedo frases do ‘sumário’ e depois usam-nas fora de contexto para promover narrativas simples, mas enganosas, sobre aquilo que o IPCC está a dizer”, disse em Julho no Drilled, podcast dedicado às alterações climáticas.

No 12.º capítulo do seu relatório, o Grupo de Trabalho III escreve que a implementação de processos de CCS a larga escala pode, por exemplo, “obstruir esforços de redução de emissões a curto prazo”, “mascarar intervenções políticas insuficientes” ou “levar a uma dependência excessiva de tecnologias que ainda estão” a ser aprimoradas.

O terceiro capítulo, por seu turno, inclui o seguinte aviso: “Deve ser enfatizado que a redução de emissões via uma mitigação mais convencional (melhoria da eficiência energética, descarbonização da oferta de energia) é muito maior do que a contribuição” que pode ser dada por soluções de remoção de carbono da atmosfera.

CCS: a eternização dos combustíveis fósseis ou “uma parte importante da solução”?

Sobre o facto de este ser um processo com um grande consumo de energia, a Aker Carbon Capture — lembramos: empresa que faz “fábricas de captura” e cujas tecnologias deverão estar, a partir de 2024, a sequestrar o CO2 gerado pela cimenteira Norcem nas suas instalações em Brevik — assegura-nos estar a trabalhar para reduzir a sua pegada energética.

“Tentamos optimizar a tecnologia em si e tentamos, também, interagir com os nossos consumidores. Muitos dos nossos clientes podem ter, nas suas instalações industriais, calor residual que não é usado para nada — é simplesmente libertado para a atmosfera. Nós temos soluções para recuperar esse calor, aproveitando-o enquanto energia reutilizada nas nossas ‘fábricas de captura’”, conta-nos Jim Stian Olsen, director tecnológico da Aker Carbon Capture, a meio de uma longa apresentação PowerPoint nas modernas instalações da empresa ​em Bærum, comuna pertencente à região metropolitana de Oslo.

“Nós acreditamos piamente que a indústria precisa das renováveis para se descarbonizar. Mas, mesmo que consigamos ser perfeitamente bem-sucedidos a implementar as renováveis e tornar a nossa matriz energética mais ‘verde’, continuaremos a ter indústrias (como a do cimento, como a da transformação de resíduos em energia) com emissões de CO2 que estão relacionadas com os seus processos químicos e​ são impossíveis de mitigar com o recurso a renováveis. Essa é uma das razões pelas quais vamos precisar de soluções como a CCS”, continua Jim Stian Olsen. Como o preço das emissões de carbono deverá continuar a aumentar no futuro, a CCS terá como dar passos em frente nos próximos anos, diz este especialista.

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Edifício de grandes dimensões que acolhe a Aker Carbon Capture, bem como outras empresas do grupo Aker Tiago Bernardo Lopes

O secretário de Estado no Ministério do Petróleo e da Energia da Noruega dá-nos mais ou menos o mesmo discurso​. Sentado no sofá do seu escritório, um espaço pequeno num edifício enorme no centro de Oslo, Andreas Bjelland Eriksen diz: “Temos de reconhecer que, com a invasão da Ucrânia, o panorama da energia na Europa mudou consideravelmente e por muito tempo. Sobretudo o gás será uma ponte importante. Por causa disto,​ acho que nos próximos tempos veremos novos projectos de petróleo e gás na plataforma continental norueguesa. Mas é importante que tenhamos ambições climáticas claras e mitiguemos ao máximo as nossas​ emissões no momento de produção, para nos certificarmos de que o gás que exportamos tem uma pegada carbónica tão pequena quanto possível.”

Eriksen, com apenas 30 anos, ​realça que ninguém na Noruega está a dizer que a CCS será uma solução mágica. “Estamos, sim, a dizer que ela será​ uma parte importante da solução. É uma parte que precisará​ de funcionar em conjunto​ com outras medidas — como a intensificação da produção de energias renováveis, por exemplo —, mas que terá de estar em cima da mesa se quisermos​ combater as alterações climáticas.”

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A CCS não se trata de uma solução mágica, mas "terá de estar em cima da mesa se quisermos combater as alterações climáticas", defende Andreas Bjelland Eriksen Tiago Bernardo Lopes

O sector do petróleo tem mais certezas disto do que muitos ambientalistas. Veremos que razão o futuro dará aos nórdicos.


O PÚBLICO viajou a convite da Embaixada da Noruega em Lisboa