Alemanha, Bélgica, França e Inglaterra. Nestes quatro países, esta semana começou de forma diferente. Os anúncios nas ruas não eram os do costume. Tinham sido substituídos por publicidades paródicas, em que carros corpulentos geravam grandes nuvens de fumo, cheias de dióxido de carbono (CO2) e outros gases com efeito de estufa (GEE), e deixavam para trás uma pegada de colapso climático.
No passado fim-de-semana (14 e 15 de Janeiro), três grupos de activistas — o Subvertisers International, o Brandalism e o Extinction Rebellion — colocaram por cima de publicidades verdadeiras cerca de 400 anúncios satíricos (número veiculado pelos próprios) em diferentes cidades dos quatro países mencionados. Estes anúncios tinham como alvo duas empresas fabricantes de automóveis: a alemã BMW e a japonesa Toyota.
O Subvertisers International e o Brandalism são colectivos de pessoas ou organizações não-governamentais que criam anúncios paródicos para, através deles, criticar empresas que, na sua óptica, enganam os consumidores com o seu conteúdo publicitário, construindo uma imagem de si que não corresponde à realidade. O Extinction Rebellion, por seu turno, é um conhecido grupo de activistas climáticos que organizam acções de desobediência civil.
Estes grupos organizaram uma campanha contra a BMW e a Toyota por causa dos seus “anúncios enganosos” e do “lobby agressivo” que fazem “contra a política climática”, argumentaram esta segunda-feira, num texto publicado no site do Brandalism.
Os activistas citam um relatório recente do InfluenceMap, think tank internacional que foi fundado em 2015, pouco antes da entrada em vigor do Acordo de Paris, e que trabalha para identificar e encontrar formas de contornar os “impedimentos sistémicos” que fragilizam o combate às alterações climáticas.
O relatório, publicado em Novembro, identificou as 25 empresas que serão as mais influentes a impedir que se tomem decisões políticas ambiciosas em matéria de protecção climática. A Toyota, que surgiu no 10.º posto, foi descrita pelo think tank como sendo a empresa fabricante de automóveis “mais negativa e influente”. A segunda mais influente foi a BMW, que na classificação geral ficou em 16.º.
Proibir publicidade a produtos pesados em carbono
O que diziam e mostravam os anúncios satíricos? Um deles atacava a BMW mostrando vários carros da marca a gerarem grandes nuvens de fumo e, também, uma série de crash test dummies, os “manequins” que as empresas automóveis usam nos testes de colisão em que avaliam os sistemas de segurança e retenção dos ocupantes. “When we test our emissions, the test dummy is you” (“Quando testamos as nossas emissões [de GEE], o boneco de teste és tu”), lê-se na publicidade.
Isto é uma referência a uma polémica em que a BMW se viu envolvida em anos recentes: a empresa teria, alegadamente, instalado nos seus carros software que permitia aos veículos “mascararem” a sua pegada carbónica e, assim, obter uma classificação positiva em testes de emissões.
Outro anúncio contra a empresa alemã parodiava o seu slogan — “Add driving pleasure”, ou, numa tradução livre, “Acrescente o prazer de conduzir”. Era uma publicidade simples: à direita, um BMW azul (com chamas na parte de dentro do veículo); à esquerda, o slogan “Add climate breakdown” (“Acrescente o colapso climático”).
Num dos anúncios contra a Toyota, o “protagonista” é um corpulento SUV da marca japonesa. Tem “CO2 XXL” na matrícula, está à frente de um carro vermelho a arder e acabou de atropelar um ciclista. O fumo que está a sair do motor tem uma cor forte, carregada. Incomodada, uma jovem está a tapar o nariz com o braço.
Todos os anúncios tinham a mesma hashtag: #BanFossilAds. O Subvertisers International, o Brandalism e o Extinction Rebellion querem que os governos proíbam publicidade a produtos com uma pegada carbónica significativa. No fundo, querem que se faça o que já se fez com o tabaco, dizem. Isto é algo que em Portugal grupos de activistas como o Climáximo também defendem.
Em França, a legislação já proíbe publicidade a produtos energéticos relacionados com combustíveis fósseis, que contribuem de forma relevante para o aquecimento global. Nos Países Baixos, nas cidades de Amesterdão e Haia, também existe essa proibição. Não há, portanto, publicidade a empresas de aviação ou carros que necessitem da queima de combustíveis fósseis para circular.
Empresas visadas já reagiram
Os activistas responsáveis por este protesto dizem que a campanha teve como objectivo incentivar os governos a tomar medidas para impedir que os “grandes poluidores” façam “alegações ‘verdes’” que serão artificiais. “A Toyota”, por exemplo, “criou os seus anúncios ‘Beyond Zero’ (‘Além de zero [emissões]’) enquanto ao mesmo tempo fazia lobby junto de governos mundiais para enfraquecer planos para a qualidade do ar”, afirmou Tona Merriman, porta-voz do Brandalism. “Os seus anúncios são enganosos”, frisou.
Tanto a BMW como a Toyota já reagiram a esta campanha. “A sustentabilidade é uma parte central da estratégia do grupo BMW”, que quer “alcançar a neutralidade carbónica até 2050”, disse um porta-voz da empresa alemã, citado esta quinta-feira pelo jornal britânico The Guardian.
“A BMW foi, em 2013, uma das primeiras marcas a trazer um veículo eléctrico convencional para o mercado (o BMW i3) e, até 2030, pelo menos 50% das nossas vendas globais serão totalmente eléctricas. A curto prazo, a empresa está a tomar medidas hoje para reduzir a pegada carbónica dos seus produtos em 40% ao longo do seu ciclo de vida até 2030, comparativamente aos níveis de 2019”, acrescentou.
A Toyota, por seu turno, afirmou querer que as suas operações sejam neutras em carbono até 2050 globalmente (e até 2034 na Europa). Citada também pelo The Guardian, a marca acrescentou que, de momento, um equilíbrio entre carros eléctricos e veículos com motor de combustão interna é a única solução pragmática para “reduzir as emissões de carbono tanto quanto possível e o mais cedo possível”.
Imagens partilhadas pelo Brandalism no início desta semana mostravam alguns dos diversos anúncios a serem já removidos dos locais onde tinham sido colocados pelos activistas.