CEO da TAP presumiu que Finanças estavam a par do acordo para a saída de Alexandra Reis

Christine Ourmières-Widener foi chamada ao Parlamento para explicar o caso Alexandra Reis aos deputados da Comissão de Economia, depois de um requerimento potestativo do Chega.

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Christine Ourmières-Widener durante a sua audição perante a Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação, esta quarta-feira JOSÉ SENA GOULÃO

A presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, defendeu esta quarta-feira no Parlamento que a companhia aérea "necessita de estabilidade" para cumprir o plano de reestruturação em curso, negociado com Bruxelas, que visa uma empresa "mais sustentável e lucrativa". A CEO da companhia aérea explicou que a razão para a saída de Alexandra Reis da empresa prendeu-se com um "desajustamento com o plano de reestruturação" e adiantou que presumiu que o Ministério das Finanças estava a par do processo de saída de Alexandra Reis da TAP.

Numa intervenção inicial lida, em português (o resto foi em inglês, com recurso a tradutor), a gestora não mencionou a polémica que a levou ao Parlamento, para explicar aos deputados da comissão de Economia, depois de um requerimento potestativo do Chega. Ou seja, o porquê da indemnização de 500 mil euros à ex-administradora da companhia aérea, Alexandra Reis, que transitou depois para outra companhia pública, a NAV – Navegação Aérea.

Na véspera de Natal, quando foi conhecida a indemnização, Alexandra Reis era secretária de Estado do Tesouro, cargo do qual se demitiu depois a pedido do ministro das Finanças. O processo levou também à saída do Governo do ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, e do seu secretário de Estado, Hugo Mendes.

A presidente da TAP afirmou, já na fase de resposta aos deputados, que Alexandra Reis saiu em Fevereiro de 2022 "por motivos profissionais, devido a um desajustamento com um plano de reestruturação". "O alinhamento é fundamental", disse a responsável máxima, de acordo com a tradução. Este foi, aliás, o "único motivo", afirmou, acrescentando que é "preciso um alinhamento total na equipa. Temos de trabalhar todos na mesma direcção".

Mais à frente, acabou por dizer que foram “vários" os motivos, como a forma de lidar com os sindicatos, quando Alexandra Reis tinha o pelouro dos recursos humanos e era preciso reagir ao aumento de actividade, com impactos na massa salarial. “Tivemos também alguns desalinhamentos em relação à frota”, acrescentou.

O recurso a uma sociedade externa de advogados, justificou, deveu-se ao facto de o processo de Alexandra Reis ser “excepcional” e da “confidencialidade” necessária. “O departamento jurídico da empresa só foi envolvido quando a negociação estava fechada”, revelou.

“Somos gestores públicos”, disse, depois de questionada na audição sobre o estatuto da administração, admitindo que tal facto “poderia ter ficado mais claro” e “sido levado em linha de conta” na estrutura do acordo de saída de Alexandra Reis.

Christine Ourmières-Widener adiantou também que o seu contacto foi feito com o secretário de Estado das Infra-estruturas. "Consegui a aprovação através do senhor secretário das Infra-estruturas. Eu não estava directamente em contacto com o senhor ministro das Finanças neste assunto. Presumi pela maneira como trabalhámos em conjunto que o acordo tinha sido feito em coordenação com o ministro das Finanças", disse a responsável.​

A CEO da TAP esclareceu ainda um dos pontos que tem levantado dúvidas. A comunicação da saída de Alexandra Reis ao mercado, em Fevereiro, através do regulador do mercado de capitais, a CMVM, foi escrita "palavra a palavra pelo nosso consultor externo", afirmou. “Apenas publicámos na CMVM aquilo que estava escrito pelo nosso consultor externo, nada mais nem nada menos”.

A gestora confirmou que a SRS foi a empresa de advogados recrutada para este acordo e defendeu que é preciso "humildade" para reconhecer que em questões complexas é preciso recorrer a especialistas. A presidente falou ainda da "boa fama" da SRS e do facto de esta "conhecer" a TAP.

Esse mesmo comunicado, que falava de renúncia de Alexandra Reis, teve de ser recentemente rectificado pela TAP, explicando afinal que a dita renúncia, com direito a indemnização, tinha ocorrido "na sequência de um processo negocial de iniciativa da TAP, no sentido de ser consensualizada a cessação de todos os vínculos contratuais existentes".

Questionada sobre se tinha condições para se manter no cargo, a gestora respondeu: "Penso que sim. Agimos de boa-fé." A gestora garantiu que toda a informação solicitada pelas autoridades "será dada de forma transparente" e que a TAP já recebeu "uma segunda vaga de perguntas" da IGF e da CMVM.

Cortes nos salários

Em relação outros casos de pagamentos de indemnização, a responsável disse apenas ter conhecimento de um, anterior à sua entrada na TAP, referente ao seu antecessor, “quando a empresa era privada”. A gestora, embora sem mencionar o nome, estava a referir-se a Antonoaldo Neves, presidente executivo próximo do accionista privado David Neeleman, e que substituiu Fernando Pinto em Janeiro de 2018.

O gestor brasileiro acabou por sair da TAP em Setembro de 2020, alguns meses antes do final do mandato, já com o Governo a preparar-se para intervir na administração e no capital da companhia. Segundo Ourmières-Widener, a indemnização foi paga relativamente a "remunerações vincendas", sem especificar valores.

Na intervenção que fez quando foi chamado pelo PSD, também de forma potestativa para falar do caso Alexandra Reis, o ministro das Finanças, Fernando Medina, afirmou que tinha dado indicação para “se proceder a um levantamento” de “processos passados” e do “tipo de mecanismos” utilizados em empresas do Estado que tenham semelhanças com a saída de Alexandra Reis da administração da TAP.

Na altura, no dia 6, não ficou claro se o ministro se referia a uma análise mais alargada em termos temporais na própria TAP, que conheceu várias renúncias desde o movimento de reforço accionista do Estado, em 2020, ou a outras empresas públicas, excluindo uma análise mais profunda na TAP. Também não ficou claro a que organismo pediu esse levantamento. O PÚBLICO enviou logo nesse dia perguntas ao Ministério das Finanças, às quais ainda não recebeu respostas.

Os deputados ouviram também da parte da CEO informações sobre os salários dos administradores da TAP. De acordo com Ourmières-Widener, o seu salário, que confirmou ser o de 504 mil euros anuais, fica "37%" abaixo do que era pago ao antecessor, acrescentando que "todos os administradores receberam um corte de 30%".

A presidente executiva da TAP acrescentou que quando se analisam as remunerações da actual equipa com a anterior, a gestão actual "custa menos 40%" do que a anterior. A responsável máxima pela empresa acrescentou que para os administradores houve um "corte consistente" com a situação de uma empresa que estava como a TAP.

Além disso, informou que com a actualização do salário mínimo nacional, a partir de 2023, sobe para 1520 euros o limite a partir do qual incidem os cortes nas remunerações dos trabalhadores – limite esse que até agora se situava em 1410 euros.

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