Lyon deixou de pagar salários a jogadora grávida. FIFA condenou clube

Sara Björk Gunnarsdóttir escreveu uma carta aberta sobre o caso. Islandesa relembra represálias e angústia sentida nas últimas semanas de gravidez: “Senti-me confusa, stressada e traída.”

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Sara Gunnarsdóttir e o filho, Ragnar PUMA

Em Março de 2021, duas linhas azuis no teste de gravidez confirmaram as suspeitas de Sara Gunnarsdóttir: a jogadora do Lyon, um dos principais clubes mundiais no que toca a futebol feminino, preparava-se para ser mãe pela primeira vez. A notícia foi recebida com felicidade total nos primeiros instantes, mas o impacto que a gravidez teria na sua carreira de futebolista – e, mais importante ainda, a forma como o clube reagiria à novidade – trouxeram uma dose grande de preocupação.

Numa carta aberta publicada no The Players Tribune, a islandesa conta a história da sua gravidez, que culminou num processo contra o antigo clube. A média defensiva foi a primeira jogadora na história da equipa feminina do Lyon a engravidar, com clube e futebolista a acordarem um regresso temporário à Islândia para o parto e a reintegração na equipa após a recuperação. Sem qualquer aviso prévio, o clube deixou de lhe pagar o salário.

“Para ser sincera, existia muita coisa logística para ser resolvida, não dei grande pensamento a isso. Provavelmente era um erro de contabilidade. Mas, só para ter a certeza, conferi com as outras jogadoras. Foram pagas, a tempo e horas. Depois, faltou-me outro [ordenado]. E eu digo: ‘Espera aí’. Ligo ao Dietmar [agente] e ele escreve ao Vicent, director do clube. Não houve resposta, a minha agência volta a contactar. Depois, enviámos cartas formais”, explica a jogadora.

A estes contactos seguiu-se a deterioração da relação com o clube. Durante meses, Sara ficou sem receber, tentando por diversas vezes chamar a atenção dos responsáveis do Lyon para o problema. A islandesa garante que nunca foram apresentadas justificações para este corte salarial. Do lado da futebolista estavam o sindicato de jogadores franceses e a FIFPRO, entidade que representa os jogadores a nível mundial. Depois de tentar o diálogo, a média defensiva sentiu-se obrigada a avançar legalmente contra a equipa.

“Finalmente, o Dietmar disse ao Vicent que a FIFPRO ia avançar com isto ao nível da FIFA. O Vincent disse: ‘Se a Sara for à FIFA com isto, não tem futuro no Lyon’”, descreve a jogadora, que estava a poucas semanas de ter o bebé. “Esta devia ser a altura mais feliz da minha vida. Só queria aproveitar a minha gravidez, e trabalhar o mais arduamente possível para conseguir regressar à equipa e ajudar o clube. Mas, em vez disso, senti-me confusa, stressada e traída”, lamenta.

A decisão do processo da FIFPRO seria conhecida em Maio de 2022 e favorável à islandesa: o Lyon estava agora obrigado a pagar os salários em atraso, com a FIFA a dizer que o clube não prestou os cuidados devido à jogadora durante a gravidez. “Ninguém estava a seguir-me, ver como eu estava mentalmente e fisicamente, tanto como uma empregada, mas também como ser humana. Tinham a responsabilidade de cuidar de mim, mas não o fizeram. Depois de receber as razões [para a decisão], decidiram não apresentar recurso”.

Por sentir que a vitória neste processo ultrapassou as circunstâncias do seu caso particular, Sara decidiu partilhar esta terça-feira a sua história ao mundo. No futebol feminino, muitas jogadoras adiam a maternidade – ou decidem simplesmente não terem filhos – por medo de prejudicarem definitivamente as carreiras ou por considerarem que essa decisão colocará em causa a sua estabilidade financeira.

“Senti que a vitória é maior do que eu. Parece uma garantia de segurança financeira para todas as jogadoras que queiram ter uma criança durante as carreiras. De que não é um ‘talvez’ ou uma dúvida”, conclui Sara.

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