Peixes de água doce nos EUA podem conter “níveis alarmantes” de químicos

Estudo científico, conduzido nos Estados Unidos por uma organização ambientalista, indica que comer um peixe de água doce pode equivaler a um mês de ingestão de água com químicos persistentes.

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Peixes pescados localmente em lagos nos Estados Unidos podem apresentar níveis preocupantes de substâncias persistentes, refere estudo Getty Images

Consumir apenas uma porção de peixe de água doce por ano, e que tenha sido pescado no território dos EUA, pode equivaler a beber, durante um mês inteiro, água com níveis prejudiciais de uma substância química persistente chamada sulfonato de perfluorooctano (PFOS, na sigla em inglês). Esta é a conclusão de um estudo publicado, esta terça-feira, na revista científica Environmental Research.

O trabalho foi realizado por cientistas do Environmental Working Group, uma organização sem fins lucrativos dedicada ao activismo e à literacia ambiental nos Estados Unidos.

Os investigadores concluíram que a ingestão anual de um peixe equivaleria ao consumo de água com PFOS em 48 partes por bilião ao longo de trinta dias. Trata-se de níveis elevados deste poluente orgânico que pertence à família das substâncias perfluoroalquiladas​ (PFAS), uma classe que abrange mais de 9000 compostos químicos sintéticos com fortes ligações carbono-flúor.

As PFAS são conhecidas como “químicos eternos” uma vez que dificilmente se decompõem, persistindo no ambiente e acumulando-se nos corpos de seres vivos. A produção de certos tipos de PFAS já está proibida na Europa, uma vez que a comunidade científica os considera potencialmente tóxicos e nocivos à saúde humana. É o caso do PFOS, abrangido desde 2009 pela Convenção Internacional de Estocolmo, que prevê desde então restrições para eliminar o uso deste poluente orgânico.

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Pescador num rio californiano, nos Estados Unidos David McNew/Getty images

“As pessoas que consomem peixes de água doce, especialmente aqueles que pescam e comem este alimento regularmente, correm o risco de [acumularem] níveis alarmantes de PFAS nos seus corpos”, disse David Andrews, cientista sénior do Environmental Working Group​ e um dos principais autores do estudo, citado no comunicado de imprensa.

O consumo de peixes de água doce contaminados com PFOS pode aumentar significativamente os níveis destas substâncias persistentes no sangue dos consumidores, criando riscos potenciais à saúde, refere a mesma nota. Mesmo que uma pessoa consuma só pontualmente peixes de água doce, pescados localmente, já pode estar exposta à acumulação deste poluente no corpo.

“Quando era mais novo, pescava todas as semanas e comia aqueles peixes. Agora, quando vejo peixes [de água doce], só penso na contaminação por PFAS”, confessa David Andrews.

As conclusões deste trabalho, segundo o comunicado de imprensa, só reforçam os apelos da organização não só para a adopção de uma regulamentação mais apertada para as PFAS, mas também para uma análise mais exigente de alimentos como o pescado.

Uma questão de (in)justiça

As conclusões do estudo levantam ainda um problema de justiça ambiental: há comunidades nos Estados Unidos que dependem dos peixes de água doce para o próprio sustento ou subsistência. Para estas populações, este alimento obtido localmente constitui uma fonte acessível de proteína animal.

A organização ambientalista concluiu que as quantidades médias de PFAS nesses peixes eram 280 vezes maiores do que os produtos químicos detectados no pescado capturado e vendido comercialmente. Por outras palavras, a avaliar pelos dados do estudo, uma única refeição com um peixe de água doce pode levar a uma exposição às PFAS semelhante à ingestão ao longo vários meses do ano de peixe comprado em superfícies comerciais.

Os cientistas responsáveis pelo estudo analisaram dados de mais de 500 amostras de filetes de peixe capturados nos Estados Unidos de 2013 a 2015, ao abrigo de programas de monitorização da Agência para a Protecção do Ambiente e de outras entidades dos Estados Unidos.

O nível médio de PFAS nos filetes de peixe foi de 9 500 nanogramas por quilo. Entre as substâncias persistentes detectadas, a mais comum foi o PFOS (equivalente a três em cada quatro poluentes identificados).

A nota de imprensa sublinha que doses muito baixas de PFAS na água potável têm sido associadas à fragilização do sistema imunológico, incluindo a redução da eficácia de vacinas e o aumento do risco de certos tipos de cancro. As chamadas substâncias eternas podem ainda estar relacionadas com o aumento do colesterol e problemas de saúde reprodutiva.