China regista primeiro declínio populacional em mais de meio século

Nações Unidas estimam que Índia ultrapasse a China como a nação mais populosa do mundo já este ano.

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Desde 1961 que a China não registava uma diminuição de população tão grande REUTERS/Aly Song

A China anunciou o primeiro declínio populacional em mais de meio século, numa altura em que a queda na taxa de natalidade ameaça causar uma crise demográfica no país mais populoso do mundo.

O Gabinete Nacional de Estatísticas (GNE) chinês informou que o país perdeu 850 mil pessoas em 2022, numa contagem que exclui as regiões administrativas especiais de Macau e Hong Kong e os residentes estrangeiros.

A China encerrou assim o ano passado com 1,412 mil milhões de habitantes, tendo registado 9,56 milhões de nascimentos e 10,41 milhões de mortes, detalhou a mesma fonte é a maior diminuição dos últimos 60 anos.

A sociedade chinesa continuou a ter um excedente de 33 milhões de homens no final de 2022, de acordo com o GNE.

Este número foi causado pela política de filho único, que vigorou no país entre 1980 e 2016. De acordo com dados oficiais chineses, desde 1971, os hospitais do país executaram 336 milhões de abortos e 196 milhões de esterilizações. Fruto da tradição feudal que dá preferência a filhos do sexo masculino, a maioria dos abortos ocorreu quando o feto era do sexo feminino.

Desde que abandonou a política do filho único, a China tem procurado encorajar as famílias a terem um segundo ou até terceiro filho, mas com pouco sucesso.

O maior custo de vida e com a saúde e educação das crianças e uma mudança nas atitudes culturais que privilegia famílias menores estão entre os motivos citados para o declínio nos nascimentos.

Em declarações feitas na véspera da divulgação dos dados, Cai Fang, vice-presidente do Comité para Questões Rurais e Agricultura do Congresso Nacional Popular, disse que a população da China tinha atingido o pico em 2022, muito antes do que o que era esperado. “Especialistas nas áreas da população e da economia previram que 2022 ou não depois de 2023, o meu país irá entrar numa era de crescimento negativo de população”, disse Cai, citado pelo diário britânico The Guardian.

A última vez que a China registou um declínio populacional foi durante o Grande Salto em Frente, uma campanha lançada no final dos anos 1950 pelo fundador da República Popular, Mao Tsetung​, para “acelerar a transição para o comunismo”, através da colectivização dos meios de produção. Esta campanha produziu uma fome em grande escala, resultando na morte de dezenas de milhões de pessoas.

O GNE informou ainda que a população chinesa em idade activa – entre os 16 e 59 anos , ascendeu a 875,56 milhões, representando 62% da população nacional. A população com 65 anos ou mais ascendeu a 209,78 milhões, representando 14,9% do total.

O país mais populoso do planeta pode assim enfrentar uma crise demográfica, com a força de trabalho a envelhecer, uma economia em desaceleração e o primeiro declínio populacional em décadas.

O diário norte-americano The New York Times nota que a crise demográfica vai ter consequências não só para a China e a sua economia, como também para o mundo: “Nas últimas quatro décadas, a China emergiu como um poderio económico e a fábrica do mundo”, e o crescimento económico, que fez a China passar de um país com pobreza generalizada para ser a segunda maior economia do mundo levou a um aumento de esperança de vida, e com mais pessoas a viver mais e menos bebés a nascer, isso contribuiu para o declínio actual.

“Esta tendência”, diz ainda o diário norte-americano, “acelerou outro acontecimento preocupante: o dia em que China não vai ter suficientes pessoas em idade activa para alimentar o seu crescimento”.

As estatísticas também revelaram o aumento da urbanização num país que, até há menos de dez anos, era em grande parte rural. Ao longo de 2022, a população urbana permanente aumentou 6,46 milhões para 920,71 milhões, ou 65,22% do total, enquanto a população rural caiu 7,31 milhões.

No anúncio, não foi feito qualquer comentário sobre o possível efeito nos dados demográficos do fim da política de ‘zero covid’, que resultou numa vaga de casos do novo coronavírus sem precedentes no país no mês passado, causando uma crise de saúde pública.

Na semana passada, foi feito um anúncio inesperado pelas autoridades, de 60,000 mortes entre 8 de Dezembro e 12 de Janeiro por covid-19, mas muitos especialistas e autoridades desconfiam que o país não está a divulgar o número total de mortes ligadas ao coronavírus.

As Nações Unidas estimaram no ano passado que a população mundial atingiu oito mil milhões de habitantes em 15 de Novembro e que a Índia ultrapassará a China como a nação mais populosa do mundo em 2023.