“O Estado não é bom accionista” e “não faz sentido” proteger todas as empresas

Ao falar da reprivatização da Efacec, ministro da Economia assumiu empenho numa solução para salvar 2000 empregos. E exaltou-se com Mariana Mortágua, a quem chamou “retrógrada”.

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António Costa Silva fez-se acompanhar nesta audição pela sua equipa de secretários de Estado LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

A economia portuguesa teve um desempenho "notável" em 2022, diz o ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva. Na abertura da audição parlamentar em que participou nesta terça-feira, o governante repetiu, quase palavra por palavra, o diagnóstico positivo que apresentou no final de 2022, quando fez um balanço do ano com o ministro das Finanças e a ministra do Trabalho. Durante os primeiros 90 minutos, esta audição foi quase um duelo de estatísticas. Mas tudo azedou quando se chegou aos temas Efacec e Banco de Fomento. O ministro exaltou-se com a deputada Mariana Mortágua, num momento de tensão em que estava em debate o papel do Estado nas empresas e na economia.

A questão que mudou o rumo do debate foi lançada pelo deputado Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal (IL), que perguntou sobre a Efacec (embora pensando também na TAP).

Costa Silva defendeu ser necessário "encontrar uma saída" para viabilizar aquela empresa que tem 2000 trabalhadores nos arredores do Porto. "Para caracterizar a Efacec, não há nada melhor do que a imagem do Séneca quando ele dizia que quando um navio está perdido em alto mar, e não sabe a direcção do porto a que tem de se dirigir, [então] todos os ventos são desfavoráveis. O problema da Efacec é de estratégia, de ter um accionista claro e o Estado, claramente, a meu ver, deve reprivatizar a empresa, porque os Estados normalmente não são bons accionistas."

O ministro tinha algo a acrescentar. "Temos nesta atura sete interessados [na Efacec], e creio que poderemos encontrar uma solução. Por exemplo, uma empresa britânica que compra muitas das valências tecnológicas mais avançadas da Efacec, como os transformadores, está ela própria interessada em que a empresa prevaleça no mercado", prosseguiu.

Carlos Guimarães Pinto propôs ao ministro que comentasse critérios para definir que empresas devem falir e que empresas devem ser ajudadas. Era uma pergunta embrulhada com a TAP em pano de fundo. A IL é dos maiores críticos, se não mesmo o maior crítico, daquela companhia de bandeira.

"Aqui [na Efacec] não é determinar se deve falir ou não", respondeu Costa Silva, para quem é óbvio, no entanto, que o Estado, além de não ser bom accionista, também não pode "dar a mensagem, que todas as empresas, por bem ou mal geridas que sejam, têm de ser protegidas", em especial "as grandes empresas".

"Não faz sentido absolutamente nenhum, porque o que nós queremos é boa gestão e queremos uma gestão consentânea com o desenvolvimento potencial das empresas. O que temos é um problema em mãos e estamos a trabalhar com a Parpública, que está a olhar para este processo, e vamos levar isto a bom porto, a bem da empresa e da sua força de trabalho."

O deputado da IL ainda tentara, sem sucesso, obter respostas diferentes do ministro sobre os temas que, há uma semana, tinha levado à audição com a nova presidente executiva do Banco de Fomento. Mas Costa Silva só actualizou os números, indicando que estavam contratados três investimentos (mais um do que na semana passada) no programa Consolidar, cujo processo de selecção está a ser contestado em tribunal. Por isso, Carlos Guimarães Pinto encerrou com as duas afirmações ministeriais que poderiam ter saído da boca da IL: que o Estado é mau accionista e que quando o Estado ajuda empresas mal geridas passa a mensagem errada.

Ministro "pega-se" com Mortágua

Seguiram-se as perguntas de Mariana Mortágua. Foi um momento-chave da audição porque Costa Silva exaltou-se, não se sabe se com as perguntas, se com algum aparte que a deputada do BE ia lançando ao ministro.

Primeiro, Mortágua contestou a ideia de que o Estado é mau accionista. "Depende", disse. Ao que Costa Silva acabaria por retorquir que, sim, por vezes depende. "É uma discussão longa", começou por dizer. Depois, invocou a experiência pessoal de ter trabalhado em países onde os governos nacionalizavam empresas e as coisas corriam mal para reafirmar a ideia de que é "extremamente difícil" quando o Estado é accionista e dirige empresas.

Apesar de tudo, "não significa que só por se ser privado se é bom gestor ou bom accionista", contrapôs. Mas não fugiu à conclusão anterior, baseada na "experiência internacional" de gestor (além de docente, Costa Silva trabalhou na Partex, uma petrolífera, antes de chegar ao Governo).

"Sim, depende, tendo a concordar com isso, de que o Estado não está vocacionado para dirigir empresas." Para o BE, é por afirmações como estas que Costa Silva é "o ministro mais elogiado pela direita".

"É uma premissa falsa. Posso pegar nos exemplos do BES, da Cimpor e da PT e dizer que o privado não é um bom accionista nem um bom gestor. As lutas de poder entre accionistas privados rebentaram com a economia portuguesa se olharmos para o BCP, para a Mota-Engil, para a Teixeira Duarte", contra-argumentara Mortágua. "Há boas empresas estatais, bem geridas, e há as mal geridas."

E acusou Costa Silva de promover um debate "cheio de parangonas, de jargão sobre inovação", de não esconder um "fascínio, meio inocente, por tudo o que é moderno", mas "sem falar em salários e da importância destes para a produtividade e o crescimento da economia e fixação de empresas", porque o país "continuará a perder quadros enquanto um engenheiro continuar a ganhar 1000 euros".

Questionou depois os "enviesamentos financeiros", como a "praça financeira do mar", uma ideia "absurda" e "predatória". Ou a "falta de postura crítica" sobre tecnologia como a blockchain. Costa Silva invocara esta tecnologia ao adiantar que há mais duas agendas mobilizadoras para financiar. Tinham sido excluídas, mas a reclamação foi atendida. Uma delas é sobre automação no sector automóvel e outra é sobre blockchain, disse.

Mortágua não terá gostado e considerou que esta última "não passa de uma inovação que não foi aplicada a nenhum projecto relevante". "Que o Ministério da Economia seja incapaz de fazer uma avaliação séria sobre reais impactos de uma coisa que não é mais do que uma base de dados centralizada, quando há estudos que comprovam que os projectos em que foi aplicada teriam acontecido na mesma, sem a blockchain, que não acrescenta valor e é marketing, que o Governo vá atrás do marketing para determinar a sua política económica, é algo que tem de ser discutido e criticado."

O BE pediu ainda uma avaliação real ao impacto do SIFIDE, o sistema de benefícios fiscais que vale cerca de 500 milhões de euros por ano em desconto no IRC pago por empresas que investem em determinados fins de inovação. Para o BE, o SIFIDE é "uma borla fiscal sem igual", em torno de um "capitalismo de aviário" com" empresas e investimentos dependentes e parasitários do Estado". E terminou com uma pergunta sobre indemnizações no Banco de Fomento. Tal como a polémica compensação de 500 mil euros paga pela TAP na saída de Alexandra Reis, o BE quer saber se Beatriz Freitas também teve direito a indemnização por ter sido substituída antes do fim de mandato na presidência do Banco de Fomento, por decisão de Costa Silva. Não só Freitas, como os presidentes cessantes das sociedades de garantia mútua, aquando da fusão destas no que viria a transformar-se naquele banco.

Sobre tecnologias, Costa Silva acusou Mortágua de estar "errada ou distraída", porque "são elas que transformam o mundo e nos trouxeram das cavernas até aqui". Mas entre apartes da deputada, sobre a "banha da cobra", e a história do ministro desde a máquina a vapor até ao laser, a conversa azedou, o tom começou a subir e Costa Silva, irritado, chamou "obsoleta" e "retrógrada" a Mortágua, por "negar" o poder das tecnologias.

"Era a última coisa que eu esperava ouvir esta tarde no Parlamento. Aliás a senhora deputada é especialista em ter obsessões sobre coisas erradas, é o SIFIDE, é o investimento na inovação e na tecnologia. Às vezes estamos nestes debates e parece que estamos a posicionar-nos para um regresso às cavernas."

E quando Mortágua continuava com apartes, Costa Silva pediu-lhe que "oiça os outros", que "seja democrata, não seja totalitária". "Chega a este parlamento e comporta-se como se fosse dona da verdade. Está errada em quase tudo. E o exemplo disso é o SIFIDE", atirou.

Sobre eventuais indemnizações no Banco de Fomento, a resposta do ministro foi mais curta: "Vou investigar e informá-la. Sobre as presidências das sociedades de garantia mútua, a mesma coisa."

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