Há quase dois anos, centenas de instituições juntaram-se à Aliança Financeira de Glasgow para a Neutralidade Carbónica (GFANZ, na sigla em inglês), grupo lançado em parceria com a Organização das Nações Unidas (ONU) para apoiar a transição da economia global para um cenário de neutralidade carbónica até 2050, estabelecendo compromissos como o fim do financiamento de projectos ligados a combustíveis fósseis. Desde então, contudo, não só não há sinais de progresso como as práticas de financiamento se mantêm inalteradas: durante este período, uma parte significativa destas instituições financiou em milhares de milhões de dólares mais de 200 das maiores empresas ligadas aos sectores do petróleo, carvão e gás natural.
Lançada em Abril de 2021 no âmbito da Cimeira do Clima realizada em Glasgow, na Escócia (a COP26) — pela mão de Mark Carney, comissário da ONU para a Acção Climática e Financeira, e em parceria com a campanha climática da ONU Corrida para o Zero —, a GFANZ foi criada para coordenar os esforços dos vários sectores do sistema financeiro na transição para uma economia global de “emissões zero”. Entre bancos, seguradoras, gestoras de activos e outras instituições financeiras, a aliança conta hoje com mais de 550 empresas que se juntaram a este compromisso.
Mas o selo de “instituição verde” obtido pelos membros da GFANZ não tem motivado mudanças nas práticas de financiamento destas empresas, como conclui um estudo realizado pela organização governamental Reclaim Finance, que analisou 161 dos membros desta aliança, para concluir que, desde que estes se juntaram à GFANZ, financiaram, pelo menos, 211 das empresas que mais contribuem para a expansão de minas de carvão e produção de petróleo e gás. Entre os bancos que pertencem à GFANZ, o único português é a Caixa Geral de Depósitos (CGD), que não está incluída na análise feita pela Reclaim Finance.
Ao todo, conclui o estudo, desde a data em que aderiram à GFANZ e Agosto de 2022, os 56 maiores bancos desta aliança concederam financiamentos de, pelo menos, 269 mil milhões de dólares (perto de 250 mil milhões de euros) a 102 das maiores empresas ligadas a combustíveis fósseis. Em conjunto, estas 102 empresas planeiam adicionar 137 mil milhões de barris de petróleo à actual produção global de petróleo e aumentar a capacidade de produção de carvão em 92 gigawatts (o equivalente à actual capacidade do Japão e da África do Sul, em conjunto).
Aos bancos, juntam-se 58 gestoras de activos que, no final de Setembro do ano passado, controlavam o equivalente a 847 mil milhões de dólares (mais de 780 mil milhões de euros) em acções e títulos de 201 empresas ligadas à emissão de combustíveis fósseis, a maioria das quais do sector petrolífero. Outras 15 seguradoras detinham, na mesma data, o equivalente a 25 mil milhões de dólares (mais de 23 mil milhões de euros) em acções e títulos nos mesmos sectores.
Vários destes negócios, aliás, são públicos. Como é recordado no estudo da Reclaim Finance, um mês depois de a aliança de bancos (um dos grupos sectoriais que formam a GFANZ) ter sido formada, o Citigroup, BNP Paribas, HSBC, Mitsubishi UFJ e Société Générale, todos membros fundadores da aliança, participaram num empréstimo sindicado de 10 mil milhões de dólares à Saudi Aramco, petrolífera estatal da Arábia Saudita e a maior empresa do mundo neste sector. Um ano depois, os mesmos bancos financiaram a mesma empresa em mais 14 mil milhões de dólares.
Há mais exemplos destes. Foi o caso do Bank of America, também membro fundador da aliança de bancos, que participou num financiamento de 13 mil milhões de dólares para a construção de um terminal de gás natural no estado norte-americano do Luisiana. Ou o do JPMorgan, que, um mês depois de se juntar à aliança bancária, participou numa subscrição de 580 milhões de dólares de obrigações emitidas pela Gazprom, petrolífera estatal russa e a terceira maior empresa mundial deste sector. Ou, ainda, o do Barclays, que desde que ajudou a fundar a aliança bancária, aprovou 58 transacções que financiaram quase 9 mil milhões de dólares para projectos ligados a combustíveis fósseis.
Perante estes números, a organização responsável pelo estudo acusa os bancos em causa de contribuírem para a crise climática e apela à mudança de estratégia. "Os membros da GFANZ estão a agir como incendiários do clima. Comprometeram-se a atingir emissões zero, mas continuam a financiar emissores de combustíveis fósseis em milhares de milhões de dólares. A GFANZ só será credível quando insistir com os seus membros que contribuam para acabar com a era do carvão, petróleo e gás fóssil", diz Paddy McCully, analista da Reclaim Finance, citado em comunicado.