Guarda-rios: a profissão extinta “renasce” a Norte para despoluir e zelar o rio Leça

A profissão foi formalmente extinta, mas está agora a renascer com outro enquadramento legal e novos desafios ambientais. Até agora, estes guarda-rios já detectaram uma dezena de situações anómalas.

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Os novos guarda-rios do Leça: José Silva, Paulo Marujo, André Carvalho e Daniel Ví­tor JOSÉ COELHO/LUSA
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O meio de transporte dos guarda-rios JOSÉ COELHO/LUSA
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Os novos guarda-rios do Leça JOSÉ COELHO/LUSA
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Rio Leça JOSÉ COELHO/LUSA

Todos os dias da semana, independentemente do tempo, quatro guarda-rios vigiam e monitorizam o rio Leça, que atravessa os concelhos da Maia, Matosinhos, Santo Tirso e Valongo, no distrito do Porto, fazendo "renascer" uma profissão extinta em 1995.

Com uma extensão de 47 quilómetros, o rio Leça tem, diariamente, o André, o José, o Paulo e o Daniel que, de carro, bicicleta eléctrica ou a pé, o percorrem, monitorizam e vigiam para identificar eventuais irregularidades, nomeadamente alterações à qualidade da água, colonização de plantas invasoras, focos de poluição, vedações caídas ou entupimentos.

A isto junta-se a promoção da biodiversidade, plantação de árvores e sensibilização da população para a necessidade de cuidar do ambiente.

A estas funções vão ser acrescentadas outras que, dentro de dois a três meses, vão tornar-se mais simples, com a criação de uma aplicação para telemóveis ("app") onde os guarda-rios vão poder, no imediato, georreferenciar e registar com texto e imagem a ocorrência, contou esta terça-feira à Lusa o director-executivo da Associação de Municípios Corredor do Rio Leça, Artur Branco.

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O guarda-rios José Silva José Coelho/LUSA

A aplicação vai fazer com que as ocorrências registadas cheguem muito mais rapidamente às autoridades responsáveis por intervir e, dessa forma, se resolvam de forma mais célere.

Até agora, contou o responsável, os guarda-rios já detectaram uma dezena de situações anómalas.

Uma profissão extinta

Esta profissão, que é tida como do passado, depois de ter sido formalmente extinta em 1995, é agora recuperada com as antigas funções, mas com novos desafios ambientais.

"É uma profissão da qual muitas pessoas têm saudades, que tinha grande utilidade, que era muito visível e que, curiosamente, deixou de existir. E nós estamos a reactivá-la, mas não exactamente nos mesmos moldes, porque o enquadramento legal é outro", referiu.

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Os meios de transporte dos guarda-rios José Coelho/LUSA

Artur Branco frisou que os guarda-rios são a primeira linha e os olhos das várias entidades no terreno, por isso, a sua importância é "enorme".

Os guarda-rios do Leça, com idades entre os 34 e 63 anos, são funcionários das câmaras municipais da Maia, Matosinhos, Santo Tirso e Valongo e exercem desde 2022 esta profissão, sobre a qual pouco sabiam.

Abeirado do rio e vestido com uma casaca verde escura onde era visível nas costas a palavra guarda-rios, Daniel Vítor, de 34 anos, analisava a qualidade da água com recurso a uma sonda multiparamétrica móvel (dispositivo capaz de registar diversos parâmetros físico-químicos da água).

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O guarda-rios Daniel Vítor José Coelho/LUSA

Depois de ter tido formação para manusear o equipamento, tal como os restantes, Daniel Vítor, que trabalhava nas obras, confessou à Lusa estar a adorar o seu novo emprego.

"Gosto mesmo muito do que faço", disse, acrescentando que ser guarda-rios implica uma aprendizagem e descoberta diária, sobretudo no que diz respeito à fauna e à flora.

Já José Silva, de 54 anos, que antes fazia manutenção de espaços verdes, tinha-se inscrito numa formação de guarda-rios e, quando a oportunidade chegou, foi "ouro sobre azul".

Em cima de uma bicicleta eléctrica, o guarda-rios assumiu que esta sua nova função é "muito aliciante".

"Há pontos do rio onde temos de passar diariamente para ver se há focos de poluição", explicou, contando que as pessoas "vêem com bons olhos" o seu regresso.

A poluição no rio Leça é ainda bem visível, depois de já ter sido considerado um dos mais poluídos da Europa, com a acumulação dos mais diversos objectos nos seus ramos de árvores e margens.

Cadeiras, bancos, máscaras cirúrgicas, sacos de plástico e até roupa são algumas das coisas que se encontram no Leça, o que Artur Branco atribui à falta de civismo das pessoas e não à falta de capacidade e disponibilização de meios por parte das autarquias.

No bom caminho

A função dos guarda-rios é também o de sensibilizar a população para mudar os comportamentos, algo atractivo para Paulo Marujo, de 47 anos, habituado a lidar com o público.

Antes de "vigiar" o rio, Paulo Marujo era "zelador" das gravuras rupestres de Vila Nova de Foz Côa onde, além disso, dinamizava workshops.

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Paulo Marujo, de 47 anos, é o segundo guarda-rios a contar da esquerda José Coelho/LUSA

Apaixonado pela natureza e pela fotografia, não podia estar mais satisfeito com as suas novas tarefas, dizendo que, apesar de haver muito a fazer no rio, o processo de lhe dar uma nova imagem "vai no bom caminho".

O mesmo caminho é algo que André Carvalho, de 63 anos, não se importa de percorrer todos os dias, preferivelmente de bicicleta, porque o contacto com a natureza é uma "mais-valia".

O mais velho dos quatro guarda-rios, que antes tinha trabalho numa quinta e numa fábrica, assumiu gostar "imenso" do que faz, porque os dias são sempre diferentes.

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André Carvalho e José Silva José Coelho/LUSA

O "reaparecimento" dos guarda-rios, nome de aves de pequeno a médio porte, de plumagem colorida e pescoço curto, deve-se à limpeza e recuperação ecológica a que o Leça vai ser sujeito até final deste ano.

O investimento neste projecto é de quatro milhões de euros, financiados através do programa REACT-EU.

Atravessando uma região com intensa actividade industrial, o rio foi, ao longo dos anos, afectado com vários focos de poluição, que degradou a qualidade das águas e dos sistemas biológicos.