Gestão de rede de rega do Alqueva esteve dois anos sem ter sido concessionada
Concessão à EDIA expirou no fim de 2020 e só agora foi renovada. Nos últimos dois anos, a gestão da rede secundária de rega esteve num vazio legal.
No dia 2 de Janeiro, foi aprovada a minuta do contrato de concessão para a gestão, exploração, manutenção e conservação das infra-estruturas da rede secundária do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA), a celebrar entre o accionista Estado e a Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva (EDIA). Esta aprovação surge dois anos depois de ter terminado a anterior concessão, que vigorou entre 8 de Abril de 2013 e 31 de Dezembro de 2020, no que resulta que, durante 2021 e 2022, nenhuma entidade era responsável pela gestão dessa infra-estrutura.
O PÚBLICO questionou a ministra da Agricultura (MA), Maria do Céu Antunes, sobre as razões do atraso na assinatura da nova concessão e como teriam sido assumidas responsabilidades na gestão do EFMA no hiato temporal entre 2021 e 2022. Esclareceu que “todos os actos do conselho de administração desde 1 Janeiro de 2021 foram ratificados com a publicação do despacho que aprova a minuta do contrato de concessão para a gestão, exploração, manutenção e conservação das infra-estruturas da rede secundária do EFMA”. Este despacho foi assinado pela governante a 16 de Dezembro de 2022.
A atribuição com dois anos de atraso do novo contrato de concessão suscitou interrogações e críticas de Francisco Palma, presidente da Associação de Agricultores do Baixo Alentejo (AABA): “Deixou-se a gestão do empreendimento num vazio legal num hiato de tempo onde tudo podia acontecer porque a ministra não é capaz em tempo útil de tratar da concessão da rede de rega secundária.” O agricultor salienta que “o sucesso de Alqueva pode vir a tornar-se o seu pior inimigo” se o accionista Estado “descurar as suas obrigações”, numa referência aos atrasos na concessão da rede secundária de rega, aos percalços que estão a acontecer no financiamento da instalação de novos blocos rega (50 mil hectares) e de dez centrais fotovoltaicas “para libertar a EDIA do sufoco energético”.
O cumprimento de cláusulas do contrato pela EDIA, nomeadamente nas atribuições mais sensíveis, realça a obrigação da empresa de proceder ao “controlo de segurança das barragens” e actuar em “situações de emergência” quando estejam em causa a “segurança de pessoas e bens”. O PÚBLICO instou a ministra no sentido de saber quem deveria assumir as responsabilidades no caso de ter ocorrido acidentes no período que mediou entre 1 de Janeiro de 2021 e 31 de Dezembro de 2022. Céu Antunes não esclareceu, mas adiantou que a minuta do contrato de concessão ratificou todos os actos de gestão contemplados no Plano de Actividades e Orçamento de 2021, apresentado pelo conselho de administração da EDIA a 13 de Setembro daquele ano. Contudo, mais de um ano depois, este mesmo documento ainda se encontra em “circuito de avaliação nas respectivas tutelas”, assinalou a ministra.
O novo contrato de concessão atribuído à EDIA, cuja minuta foi publicada a 2 de Janeiro, terá a duração de 20 anos e será automaticamente renovado por sucessivos períodos de dez anos se não for denunciado por qualquer das partes.
Esta decisão vem contrariar a reivindicação sucessivamente assumida pela Federação Nacional de Regantes de Portugal (Fenareg) e a Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (FAABA) de atribuir às associações de regantes a gestão da rede secundária de rega de Alqueva.
Em 2013, quando se discutia a atribuição do contrato de concessão da rede de rega secundária, a Fenareg chegou a accionar uma providência cautelar para impedir que fosse atribuída à EDIA, alegando que a empresa do Estado “nunca geriu obras de rega e não tem competência nesta área”. As duas federações referiam então que a gestão pela EDIA era “ilegal” porque “a lei atribui às organizações de agricultores a gestão dos blocos de rega da rede secundária do Alqueva”.
Em 2018, João Núncio, presidente da Fenareg, antecipando o fim do contrato de concessão que estava anunciado para 31 de Dezembro de 2020, dizia que não acreditava que a concessão fosse renovada à EDIA, “uma vez que o período normal de concessão são 35 anos”.
Mas a ministra da Agricultura tem uma leitura diferente: a EDIA pertence ao sector empresarial do Estado e “dispõe de capacidade técnica e financeira adequada para a gestão de aproveitamentos hidroagrícolas”. Por tal motivo, foi tomada a decisão de “conceder a gestão dos blocos que constituem a componente hidroagrícola do EFMA à EDIA”, conclui o despacho publicado no dia 2 de Janeiro.