Porque é importante não esquecer a série Inesquecível, na RTP2
Produção britânica chega à terceira temporada na sexta-feira, em curtas doses de seis episódios. Sem fogo-de-artifício, mas com muito magnetismo.
Nem sempre o que é bom vem em pequenas doses, ou reluz de tão novo que é, ou se ergue no topo da chamada televisão de prestígio com um tema ou um rasgo inovador, inaudito, impensável. Assim prega a tese de que há a televisão boa, a televisão má, e a televisão do meio, aquela que nos enche as medidas sem as transbordar. É algures nesse meio que se situa Inesquecível, a série criminal britânica que a RTP2 está a transmitir há cerca de duas semanas e que na próxima sexta-feira estreará em Portugal a sua terceira temporada.
É boa porque é plausível, argumentava em 2021 o diário britânico The Telegraph. É boa porque defende a decência, titulava a crítica do New York Times.
Inesquecível é um drama policial que tem como tema central a investigação de casos de homicídio há muito arquivados, um ponto em comum com muitas séries mundo fora (que tendem a usar como título uma variação da expressão “cold case”, nome que se dá nos Estados Unidos aos ficheiros policiais arquivados mas não solucionados). A mais evidente delas é a justamente intitulada Cold Case, um procedural norte-americano de sete temporadas que soma uns exauridos 156 episódios.
A série do canal privado britânico ITV, que saltou depois para os EUA através da secção Masterpieces da PBS, tem a tranquilizadora medida de seis episódios por temporada, num total (até ao momento) de 24 capítulos. Esta semana, a RTP2 exibirá de segunda a quinta, no seu tradicional horário nocturno das 22h, os últimos episódios da segunda temporada. Na sexta-feira, chega a terceira época. A série está também disponível no site de streaming gratuito RTP Play, o que permite recuperar o tempo perdido.
Cada temporada trata de um crime: um jovem afro-britânico desaparecido, um pequeno empresário do entretenimento com ligações ao Partido Conservador encontrado numa mala, e por aí fora. Os protagonistas são a inspectora Cassie Stuart (Nicola Walker), analítica e focada, e o afável detective Sunny Khan (Sanjeev Bhaskar), trunfos da série criada por Chris Lang em 2015 (exacto, não é “nova”) e que vem gerando, calma e consistentemente, um passa-palavra graças à sua qualidade e à sua fiabilidade. Anita Singh, no Telegraph, sublinhou que a detective Cassie Stuart é “retumbante e reconfortantemente normal”. É um elogio.
“Estou tão envolvido na relação [de cumplicidade profissional] de Cassie e Sunny que quando eles tiveram uma discussão, na segunda temporada, fiquei perturbado ao ponto de falar de forma desnecessariamente severa com o meu gato”, confessou o crítico Stuart Jeffries no Guardian.
As séries policiais tendem a conformar-se a formatos muito estanques. Ou são procedurals que obedecem à fórmula “um caso por semana, não penses mais nisso”, ou bebem da actual enxurrada de “true crime” sobre assassinos em série ou casos chocantes, ou se põem em pontas para tentar as piruetas elegantes da televisão de autor em cima de cadáveres alheios. Todas tendem a explorar as suas personagens centrais, é certo, com diferentes graus de sucesso.
Inesquecível, por sua vez, é uma ficção “familiar". E quer quando se acomoda ao registo do "mistério britânico confortavelmente estereotipado" quer quando se revela um "melodrama sombrio e melancólico", é sempre "bem conseguida", resumia na perfeição o crítico Mike Hale, do New York Times, em 2021, à beira da estreia da quarta temporada. Talvez isso se prenda com o facto de Chris Lang ter encontrado na escrita o seu refúgio de normalidade após uma tragédia pessoal, o suicídio da sua primeira mulher, quando tinham três filhos pequenos. “Escrever salvou-me”, partilhou em 2018 no Telegraph.
A fragilidade da vida “normal” tornou-se-lhe tão evidente que passou a escrever com compaixão sobre as reviravoltas da vida que explicam "por que é que as pessoas têm danos, ou são fracas, ou têm defeitos”.
Além das quatro temporadas já completas, há uma quinta a caminho, no Reino Unido. A RTP2, confirmou o PÚBLICO junto do canal, vai transmitir também a quarta temporada logo após o final da terceira.