O vidente de Shepperton e a feira de atrocidades

O príncipe Harry absorveu totalmente o vocabulário de uma nova cultura terapêutica e a autobiografia está pejada de alusões explícitas ao seu estatuto de “sobrevivente”.

O jovem príncipe sobressalente sabe que existem fotografias e decide que as quer examinar. O ano é 2005 e há uma dúzia de espaços online onde o desejo pode ser cumprido (espaços terríveis e menos secretos que as fotografias), mas o príncipe tem outros meios ao seu dispor, pelo que faz um pedido discreto ao secretário pessoal. Dias depois, sozinho numa sala do palácio, folheia um dossier: “Imagens exteriores do túnel… depois grandes planos do Mercedes destroçado… Finalmente, o cadáver… Havia luzes ao redor da cabeça, orlas luminosas, quase como auréolas. A cor das luzes era a mesma do seu cabelo — dourada. Não as identifiquei logo, ocorreram-me várias explicações sobrenaturais. Quando me apercebi da sua verdadeira origem, senti um aperto no estômago. Flashes. Eram flashes. E no interior dos flashes, rostos espectrais, fragmentos de rostos, fotógrafos, fotógrafos reflectidos, fotógrafos refractados, em todas as suaves superfícies metálicas e pára-brisas estilhaçados…” A passagem surge no capítulo 58 da recente autobiografia do príncipe Harry (Spare), mas descartando algumas modulações menores, a sua “verdadeira origem” é tão óbvia como a dos flashes: isto é Ballard, pensa o leitor. Isto é J. G. Ballard.

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