Eutanásia: como enfermeira geriátrica defendo o direito à escolha

Deixavam de comer e beber. Não estava nas minhas mãos definir um outro fim, tal como não está nas suas mãos, nem de nenhum de nós, a não ser nas do próprio paciente.

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EPA/WAEL HAMZEH

Ao Tribunal Constitucional português chegou, submetida pelo presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, uma versão da lei da eutanásia, que pode mudar o rumo da vida de muitos nacionais se for aprovada.

Sou a favor desta lei. Do direito a morrer, quando dentro de nós já não existe vida. Porque a vida não é existir, como todos sabem, é viver. Viver sem dor é um direito, seja uma dor física ou de raiz psicológica. Não, não é objectiva, nem mensurável, esta dor. Cabe a cada cidadão aferi-la, julgá-la, assim como senti-la. Como a dor não se partilha, não cabe a médico nenhum determinar por si se é possível aliviar esta dor; só o paciente tem, na verdade, essa resposta.

Quanto sofrimento pode um ser humano aguentar? E quanto desse sofrimento deve um ser humano aguentar?

Sou a favor desta lei tanto quanto sou da liberdade. Da liberdade de escolha. Existe o medo que com a aprovação desta lei se banalize a morte. Tal como a despenalização do aborto só o tornou mais seguro de ser feito – a sua penalização não o impedia de ser realizado – a aprovação da lei da eutanásia permitirá apenas – acredito – que as pessoas possam partir com a dignidade que merecem.

Limitar as pessoas na sua liberdade de escolha é condená-las a um sofrimento maior que pode acabar no suicídio. Há que confiar no bom senso de cada pessoa quando escolhem por um término na sua vida.

Como enfermeira geriátrica já tive muitos pacientes que escolhiam morrer. Deixavam de comer e beber. Não estava nas minhas mãos definir um outro fim, tal como não está nas suas mãos, nem de nenhum de nós, a não ser nas do próprio paciente. Cabe-nos estar presentes, cuidar e sobretudo respeitar estas pessoas. Respeitar, acima de tudo, a sua vontade.

Ingenuamente, no início da minha carreira, procurava animar os meus pacientes quando a decisão deles de partir se tornava irreversível. É uma ilusão. Independentemente dos motivos que tinham para partir, posso afirmar que raramente se relacionavam com a dor física… penso que era a solidão que lhes corroía a alma. Os familiares que já não iam visitá-los, a vida que já só se acompanha por entre as frestas de uma janela. A desesperança de estarem num lar de idosos, provavelmente a sua última morada.

Não é uma escolha fácil e infelizmente para muitos necessária. Quando o último alívio que um ser humano pode ter é a própria morte, pode ser um indicador que nós, enquanto sociedade, também falhámos. Se não queremos que a eutanásia seja uma escolha, não será a chumbá-la que está a “solução”. Nos casos em que for possível realmente minimizar a dor e o sofrimento passa por procurarmos garantir que a ajuda chega onde é mais necessária, quando é necessária. E se mais nada nos restar fazer, então que pelo menos saibamos respeitar e preservar a dignidade destas pessoas.

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