Influência do sono no desenvolvimento das crianças vai ser estudada em Portugal

Universidade do Porto está à procura de voluntários para perceber como o sono pode ter impacto em áreas como a visão ou o raciocínio. O estudo vai também medir impacto dos ecrãs nestas crianças.

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Universidade do Porto vai recrutar entre 150 a 300 bebés entre os 18 e os 27 meses Mafalda Melo

A Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) quer analisar a influência do sono no desenvolvimento das crianças, um estudo que inclui a observação da relação entre a exposição aos ecrãs e os níveis de melatonina.

“A forma como as crianças dormem na primeira infância tem um impacto na vida e na saúde até à idade adulta. A primeira infância é a construção da casa onde vamos morar até ao resto da nossa vida”, diz Andreia Neves, especialista em sono pediátrico e líder deste estudo apelidado de SleePsy", numa associação entre o sono e o desenvolvimento psicomotor na infância.

Andreia Neves admite que persistem mitos sobre a qualidade do sono na sociedade portuguesa e lamenta a ausência de uma maior atenção a este tema. “Se olharmos para os meios de comunicação e quantificarmos as vezes que se fala de alimentação e exercício, estes ficam muito à frente das vezes que se fala sobre o sono. E, quando se fala sobre o sono, maioritariamente fala-se sobre o sono do adulto. Importa estudar o sono das crianças, porque a primeira infância é a idade de ouro do desenvolvimento cerebral, acrescenta.

Para integrar o estudo, as crianças têm de ter entre 18 meses e dois anos e três meses. Depois, as crianças serão seguidas até aos quatro anos.

Andreia Neves, que é estudante de doutoramento em biomedicina da FMUP, frisa que o modo como a criança dorme nestas idades terá influência em todo o percurso da criança, nomeadamente a nível escolar, e poderá condicionar o aparecimento de doenças na idade adulta. O “SleePsy é um estudo português e o recrutamento decorrerá no Porto, em Vila Nova de Gaia e em Lisboa, prolongando-se até Junho.

As crianças serão seguidas ao longo de dois anos, sendo feitas três avaliações: no início do estudo, um ano depois e no final do estudo. A FMUP pretende recrutar entre 150 a 300 voluntários. O objectivo principal é responder à pergunta como estão a dormir as crianças portuguesas?, somando-se ainda a investigação de outras questões e até mitos relacionados com o sono, como: “Será que as noites mal dormidas têm reflexos no desenvolvimento dos mais pequenos?” ou qual é o papel dos ecrãs [tablets, telemóveis, televisão]: são amigos ou maus da fita?

Esta última questão será importante de aprofundar, acrescenta a investigadora: “Sabemos que as crianças cada vez se expõem mais precocemente a ecrãs. Por isso, a nossa ideia é medir, de forma objectiva, qual é a relação entre o tempo de exposição aos ecrãs e a qualidade do sono das crianças.

Andreia Neves realça que este estudo seguirá um método diferenciado, uma vez que a maior parte das análises anteriores partiram de um questionário aos pais, enquanto neste caso o sono das crianças será avaliado com recurso a um aparelho não invasivo, semelhante a um relógio de pulso, validado e utilizado em meio hospitalar por pessoas de todas as idades. Este exame, designado actigrafia, irá medir também a quantidade de luz a que as crianças estão expostas.

A médica avança que este estudo pretende uniformizar as recomendações existentes e contrariar o facto de o sono ser, habitualmente, o parente pobre no aconselhamento. “As recomendações que se fazem em contexto de consulta de rotina são altamente ambíguas”, refere.

A questão da melatonina

Também é um objectivo deste estudo analisar os níveis de melatonina, a chamada hormona do sono”, naturalmente produzida pelo corpo humano e que contribui para regular o relógio biológico. Ao contrário da maioria dos países europeus, que exigem prescrição médica, em Portugal a melatonina é de venda livre.

A utilização da melatonina tem sido massiva. Faço consulta de sono e é raro não ter miúdos que já fazem melatonina. Mas não existe um protocolo. Tanto aparecem crianças a fazer dez gotas, como a fazer quatro. E não há assim tantas crianças com défice de melatonina. A maior parte, o que precisa é de corrigir hábitos e rotinas de sono", conclui.

Para medir a melatonina, os investigadores vão utilizar uma amostra de urina das crianças.

Por sua vez, o desenvolvimento psicomotor será avaliado através da Escala de Avaliação das Competências no Desenvolvimento Infantil que mede oito áreas: a audição, a visão, o raciocínio, a motricidade fina e a grossa, a autonomia, a interacção social e a cognição. Nesta avaliação, são utilizados, por exemplo, puzzles e jogos adaptados a cada idade.

Neste estudo, não são elegíveis crianças prematuras e crianças com diagnóstico de doenças de desenvolvimento.

Podem participar crianças com patologias que impliquem medicação diária, sendo feita uma avaliação, uma vez que há medicamentos que interferem com o sono.