Proposta de reforma das regras do Parlamento Europeu é “positiva” mas fica aquém das expectativas

Transparência Internacional divulgou avaliação preliminar das mudanças que a presidente do PE, Roberta Metsola, quer introduzir. A repetição de um escândalo como o Qatargate será “mais difícil”.

Foto
Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu Reuters/JOHANNA GERON

As propostas para a reforma dos procedimentos internos do Parlamento Europeu na sequência do Qatargate vão na “direcção certa” ao colocar uma “nova ênfase” na vigilância do cumprimento das regras e na aplicação de sanções — que torna potencialmente “mais difícil” uma repetição do escândalo de corrupção que envolveu o pagamento de quantias avultadas de dinheiro para influenciar as posições políticas e os actos legislativos aprovados pela assembleia europeia.

Quem o diz é a Transparência Internacional, que teve acesso a um rascunho do plano com 14 pontos/objectivos que a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, vai apresentar à conferência de presidentes dos diferentes grupos políticos, para posterior discussão durante a sessão plenária da próxima semana, em Estrasburgo.

Numa avaliação preliminar, divulgada esta quarta-feira, a Transparência Internacional considera que “as regras propostas tornarão mais difícil a participação de países terceiros no tipo de actividades nefastas como aquelas que alegadamente terão tido lugar” entre as autoridades do Qatar, eurodeputados, assistentes parlamentares e funcionários do Parlamento Europeu e ainda dirigentes de organizações não-governamentais com acesso privilegiado e directo a membros da instituição.

A figura de topo do escândalo é a eurodeputada grega Eva Kailli, entretanto afastada do cargo de vice-presidente do Parlamento Europeu, uma das quatro pessoas acusadas de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa que se encontram em prisão preventiva em Bruxelas. As investigações da justiça belga prosseguem, e continuam centradas nas actividades do Parlamento Europeu, com o foco no trabalho da subcomissão dos Direitos Humanos.

Alargando a sua avaliação da resposta ao caso concreto do Qatargate para a reforma do funcionamento do Parlamento Europeu, a Transparência Internacional mostra-se satisfeita por encontrar no plano desenhado no gabinete de Roberta Metsola uma série de elementos que correspondem a reivindicações antigas de organizações independentes dedicadas ao combate à corrupção e à promoção da ética no espaço público.

Entre elas está a reforço do detalhe da declaração de interesses dos eurodeputados (que não são abrangidos por nenhum regime de incompatibilidades e podem exercer e ser remunerado por outras actividades); a identificação de conflitos de interesse na elaboração de relatórios e resoluções ou votação de determinados temas; o registo pública de todas as reuniões, ofertas e viagens pagas por países terceiros; e a extinção de todos os grupos de amizade informais cuja actividade possa ser confundida com o PE.

Também está previsto o estabelecimento de um período de nojo de 12 meses durante os quais os ex-parlamentares estão impedidos de se inscrever no registo de transparência e fazer lobby junto do Parlamento Europeu e a limitação do seu acesso ao edifício.

No entanto, a TI questiona o quadro “voluntário” de implementação das novas regras e critica a opção de atribuir aos assistentes parlamentares a observância do cumprimento do regulamento pelos eurodeputados. “Os membros eleitos têm de ser responsabilizados pela sua própria conduta e da sua equipa”, lê-se no relatório de avaliação, a que o PÚBLICO teve acesso.

Para o presidente da Transparência Internacional, “o risco, como sempre, é que os eurodeputados decidam esbater estas propostas”. Michiel Van Hulten não esconde alguma desilusão com a falta de ambição das propostas, que acabam por ficar aquém das expectativas de uma reforma de fundo. Algumas omissões são mesmo incompreensíveis: “Faltam todas as coisas grandes” tais como um novo Código de Conduta e um enquadramento para os informadores e denunciantes (whistleblowers), destaca.

Mas há mais “falhas” importantes: no rascunho analisado pela TI não há qualquer referência aos compromissos de revisão do registo de transparência da UE ou de constituição de uma comissão parlamentar especial para a reforma das regras de integridade e ética, que também tinham sido assumidos pela presidente do Parlamento Europeu no final do ano.

“Também não há qualquer menção às despesas dos eurodeputados, que além do salário ainda recebem quase cinco mil euros todos os meses para despesas de escritório para as quais não precisam de apresentar nenhuma justificação”, lembra a TI. Um princípio “errado” e que atrai “o tipo errado de pessoas para o Parlamento Europeu: pessoas que vem pelo dinheiro e que estão abertas a ser subornadas”, diz o relatório.

Sugerir correcção
Comentar