Em 2022, os oceanos bateram mais um recorde de aquecimento

Ano após ano, os oceanos são dos maiores aliados contra as alterações climáticas: acumulam calor que absorvem da atmosfera, levando a um novo recorde térmico em 2022, mostra um estudo publicado agora.

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Os oceanos absorvem mais de 90% do excesso de calor atmosférico GettyImages

Uma grande parte do aquecimento que a Terra está a viver, devido ao aumento de gases com efeito de estufa, está escondida nos oceanos e não é evidente para os humanos. Estima-se que os oceanos absorvam mais de 90% do excesso de calor atmosférico. Isto atrasa o aquecimento do clima, mas não deixa de ter consequências.

Desde meados do século passado que os cientistas têm verificado que o oceano tem aquecido nos primeiros 2000 metros de profundidade. Em 2022, este aquecimento bateu um novo recorde, de acordo com um artigo publicado agora na revista Advances in Atmospheric Sciences.

O estudo foi feito usando dados de dois sistemas de análise dos oceanos, um do Instituto de Física da Atmosfera (IFA), da Academia Chinesa das Ciências, na China, e outro dos Centros Nacionais para a Informação Ambiental (CNIA), que pertence à Administração Atmosférica e Oceânica Nacional dos Estados Unidos (NOAA, sigla em inglês).

No caso dos Estados Unidos, o programa Argo é responsável por esta análise. O programa contém 3800 pequenos sistemas de flutuação em todos os oceanos da Terra. Aqueles flutuadores mergulham durante dez dias até uma profundidade de 2000 metros, deixando-se arrastar por correntes. Depois, na subida feita de uma só vez vão medindo a temperatura e a salinidade da água a diferentes profundidades. Quando voltam à superfície, enviam os dados através de uma antena para o satélite.

Tanto os dados vindos dos Estados Unidos como os dados vindos da China mostraram o mesmo cenário. Em 2022 os oceanos aqueceram mais um pouco, relativamente a 2021, precisamente mais 10 zeta joules (unidade de energia), o que equivale a um joule seguido de 22 zeros, ou 10.000 triliões de joules, ou o equivalente a 100 vezes a electricidade produzida em todo o mundo em 2021, informa um comunicado lançado pela Academia Chinesa de Ciências sobre a investigação científica. Não se pode, pois, subestimar a energia que está a ser acumulada nos oceanos.

“Tanto a informação vinda do IFA como dos CNIA mostra uma mensagem consistente de que o aquecimento oceânico dos 2000 metros superiores dos oceanos atingiu um valor recorde em 2022”, diz Tim Boyer, investigador sénior do NOAA e um dos autores do artigo, citado naquele comunicado.

Além do aquecimento, as medições também mostraram uma clivagem ainda maior entre regiões dos oceanos com alta salinidade e outras regiões com baixa salinidade. Esta tendência está associada ao fenómeno de evaporação e de precipitação, que se tem tornado mais dinâmico com o aumento da temperatura média da atmosfera terrestre.

Se há muita evaporação de água numa determinada geografia do oceano, essa massa de água vai tornar-se mais concentrada em termos de sal. Por outro lado, se a precipitação acontece noutras zonas, então a concentração de sal irá diminuir nessas zonas, com o aumento de água doce que cai sob a forma de chuva.

“O aquecimento global continua e manifesta-se no aquecimento recorde dos oceanos, e também na continuação dos extremos de salinidade. A salinidade mostra que as áreas mais salinas dos oceanos estão a tornar-se ainda mais salgadas, e as áreas com menos salinidade estão a ficar ainda menos salgadas, e, por isso, há um aumento continuado na intensidade do ciclo hidrológico”, resume Lijing Cheng, o primeiro autor do estudo e investigador do IFA.

A diferenciação entre regiões com mais sal e regiões com menos sal exacerba a estratificação do oceano, produzindo camadas de água que têm cada vez mais dificuldade em se misturar entre si, explica também o comunicado. Por isso, este truncamento impede que o calor, o carbono e o oxigénio sejam misturados, provocando regiões com pouquíssimo oxigénio ou regiões mais ácidas, o que tem um impacto negativo nos ecossistemas.

“A desoxigenação é, em si, um pesadelo não só para a vida marinha e para os ecossistemas, mas também para os humanos e os nossos ecossistemas terrestres”, lê-se no comunicado.

Por outro lado, o aquecimento dos oceanos tem outro efeito mais simples, mas directo: faz expandir o volume de água, o que leva à subida do nível médio do mar.

“Os oceanos estão a absorver a maioria do aquecimento produzido pelo carbono emitido pelos humanos”, refere, por sua vez, Michael Mann, professor da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e outro dos autores do artigo. “Até alcançarmos zero emissões líquidas [de gases com efeito de estufa], o aquecimento [dos oceanos] vai prosseguir, e vamos continuar a ultrapassar recordes térmicos, tal como aconteceu este ano. Maiores conhecimento e consciência do oceano são a base para acções que combatam as alterações climáticas.”