Estamos quase a fechar o buraco de ozono. Como?

Relatório indica que estamos a fechar o buraco na camada de ozono. Como funciona o “escudo” protector da Terra? Como foi possível reverter os danos causados pela acção humana? Explicamos aqui.

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Variação do buraco do ozono sobre a Antárctida ao longo dos anos. Observações feitas por satélite NASA

Um novo relatório das Nações Unidas indica que estamos no caminho certo para reparar o buraco na camada de ozono. Mas como funciona este “escudo” protector da Terra? E por que razão o tal buraco foi, durante tanto tempo, fonte de enorme preocupação? A destruição da camada de ozono resulta da intervenção humana? O PÚBLICO preparou um Perguntas e Respostas sobre uma das histórias ambientais de maior sucesso até hoje.

O que é a camada de ozono?

A camada de ozono funciona como um “escudo” protector do nosso planeta e localiza-se na estratosfera (uma das várias camadas que compõem a atmosfera). A atmosfera subdivide-se em cinco estratos: a troposfera (que é a crosta terrestre onde vivemos), a termosfera, a mesosfera, a estratosfera e a exosfera.

“A camada de ozono protege a superfície da Terra de radiações de elevada energia que vêm do Sol e que são prejudiciais para a vida na Terra”, explica o cientista Joaquim Esteves Silva, professor catedrático do Departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.

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Camada do ozono sobre a Antárctida durante o ano de 2022 NASA

Por que razão é importante para o planeta?

O investigador Joaquim Esteves Silva explica que são precisamente as moléculas de ozono existentes na estratosfera que absorvem as radiações de elevada energia. Sem esta camada protectora, seria muito improvável a existência de vida no nosso planeta. “A diminuição da espessura da camada de ozono da Terra pode constituir um problema grave de saúde e aumentar a incidências de cataratas e cancros de pele nos homens e animais”, refere o docente da FCUP.

A destruição da camada de ozono resulta da intervenção humana?

Sim. “A principal acção humana que interferiu com a camada de ozono foi a invenção das substâncias genericamente denominadas clorofluorcarbonetos (CFC), que foram muito utilizadas como gases nos frigoríficos e aparelhos de ar condicionado e como propulsores em latas de aerossóis”, refere Joaquim Esteves da Silva.

O cientista explica que “os CFC são muito estáveis na troposfera (a camada da atmosfera da Terra onde nós vivemos), mas, quando atingem a estratosfera e entram em contacto com as radiações de elevada energia (radiações ionizantes), quebram as ligações químicas, libertando átomos de cloro e bromo que provocam a destruição maciça de ozono”. Isto provoca a criação de um buraco durante o Verão austral (sobre o pólo sul do globo) e uma diminuição global da espessura da camada de ozono.

A camada de ozono não teve sempre um buraco?

Não. O buraco de ozono só surgiu após a utilização em grande escala os clorofluorocarbonetos (CFC), refere Joaquim Esteves Silva. “O buraco de ozono também só existe durante uma parte do ano, no Verão austral, mais ou menos entre Agosto e Dezembro, e só existe sobre a Antárctida”, refere o professor da FCUP.

O que são esses clorofluorocarbonetos (CFC)?

“Os CFC são moléculas gasosas constituídas exclusivamente por átomos de carbono, flúor e cloro. De uma maneira geral, são moléculas muito estáveis na troposfera e não tóxicas”, afirma Joaquim Esteves da Silva. Contudo, os gases de CFC são transportados por correntes ascendentes de ar e acabam por atingir a estratosfera. Quando isto ocorre, “as suas ligações químicas são quebradas e libertam átomos de cloro que destroem o ozono em grandes quantidades”.

Qual é o impacto do aumento deste buraco na saúde humana?

É muito grande, tanto directa como indirectamente. “Por um lado, temos a acção directa da radiação, que deixa de ser filtrada pela cama de ozono. Veja-se, por exemplo, o caso da Austrália e os cuidados que a população tem com a radiação. Não há um miúdo que entre na escola sem protector solar ou chapéu. Há essa preocupação por parte da sociedade civil, pois a Austrália está directamente exposta aos efeitos da destruição da camada de ozono”, exemplifica Filipe Ferreira da Silva, professor do Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.

O investigador da Nova explica que, no caso dos efeitos directos, a radiação ultravioleta não é filtrada e pode danificar o tecido biológico, podendo causar cancros de pele. “Indirectamente, o aquecimento global pode levar a alterações enormes e irreparáveis nos ecossistemas, para as quais o organismo humano não está preparado”, acrescenta Ferreira da Silva, que também é investigador integrado do Centro de Física e Investigação Tecnológica da Nova.

O que é o Protocolo de Montreal?

Trata-se um de acordo global com o objectivo de “proteger a camada de ozono estratosférico através da eliminação progressiva dos químicos que a empobrecem”, refere o site da Agência Portuguesa do Ambiente. O documento foi ratificado por 197 países em 1987, entrou em vigor dois anos depois e já foi alterado “diversas vezes”.

O Protocolo de Montreal inicialmente abrangia tanto a produção como o consumo de substâncias nocivas à camada de ozono, incluindo o CFC. Em 2016, teve lugar a chamada “emenda de Quigali” — uma nova actualização do documento para, desta vez, reduzir progressivamente o uso os hidrofluorocarbonetos (HFC) que deram lugar ao CFC.

Apesar de os HFC não serem responsáveis pela degradação da camada de ozono, eles são considerados gases com efeito de estufa, contribuindo, portanto, para as alterações climáticas. Isto quer dizer que o cumprimento rigoroso do Protocolo de Montreal ajuda-nos a alcançar a meta do Acordo de Paris (que consiste em limitar o aumento da temperatura global a 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais). Estima-se que a progressiva eliminação do uso de HFC reduzirá o aquecimento global em 0,3 a 0,5 graus Celsius até 2100.

Qual é a situação actual do buraco da camada de ozono?

A camada de ozono deverá estar completamente recuperada dentro de quatro décadas, refere um relatório das Nações Unidas divulgado em Janeiro de 2023. Se mantivermos as medidas preconizadas pelo Protocolo de Montreal, até 2066 a camada de ozono na Antárctida terá recuperado para os níveis de 1980. No Árctico, a recuperação deverá ser mais veloz: a regeneração total está prevista para 2045, ao passo que no resto do globo deverá acontecer já em 2040.

Como é que está a diminuir?

Esta redução do buraco está a ser conseguida através da eliminação gradual dos gases que a destroem, sobretudo dos clorofluorocarbonetos. “A acção em relação ao ozono estabelece um precedente para a acção climática”, afirmou Petteri Taalas, secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial, após a divulgação do relatório que mostra que a camada do ozono pode ficar “cicatrizada” nas próximas décadas.

Também podemos ter esperança em relação ao Acordo de Paris?

A comunidade científica vê esta cooperação internacional como um caminho a seguir na acção climática. Petteri Taalas, por exemplo, afirmou também que a redução progressiva de CFC indica ao mundo os passos correctos. “O sucesso na eliminação gradual de produtos químicos que danificam o ozono mostra-nos o que pode e deve ser feito — e com urgência — para fazer a transição dos combustíveis fósseis, reduzir os gases com efeito de estufa e, assim, limitar o aumento da temperatura”, disse Taalas, citado pela agência Associated Press.

Filipe Ferreira da Silva, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, sublinha que “todos os esforços que são implementados terão um efeito positivo”. “Talvez não sejam suficientes, mas já é um caminho. Certamente terão de ser feitas rectificações nos acordos, de forma a acelerar o efeito positivo e a retardar as consequências negativas. O Acordo de Paris é algo de extrema importância, pois o problema ambiental é global e não local”, sublinha o investigador português.

A geoengenharia pode ser uma solução para arrefecer o planeta?

As opiniões divergem. O projecto de geoengenharia Injecção Estratosférica de Aerossóis (SAI, na sigla em inglês) foi apresentado como uma abordagem para limitar a quantidade de luz solar que alcança a superfície do planeta, mitigando desta forma as alterações climáticas. A estratégia seria recorrer a aerossóis na atmosfera para reflectir a luz do sol, “devolvendo-a” ao espaço.

O relatório recente das Nações Unidas avisa, contudo, que as técnicas de geoengenharia na atmosfera podem ter consequências imprevisíveis — podendo inclusivamente desacelerar a recuperação da ozonosfera e agravar o buraco de ozono na Antárctida.

O cientista Filipe Ferreira da Silva explica que o método consiste, em poucas palavras, na injecção deliberada de aerossóis, tais como dióxido de enxofre (SO2), na estratosfera. “Um dos exemplos que tornam esta ideia plausível foi a análise da erupção do vulcão do monte de Pinatubo, nas Filipinas, em 1991, que causou um arrefecimento momentâneo de 0,5ºC devido ao SO2 lançado na estratosfera. Ora, se isto for provocado em maior escala, talvez seja uma solução. Mas penso que haverá ainda caminho a fazer”, afirma o professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.

O investigador refere que é preciso apurar em detalhe aspectos como a viabilidade de injecções de aerossóis, os custos económicos e os efeitos secundários que possam causar. Os dados disponíveis hoje, refere, advêm de simulações, sendo necessários mais estudos para explorar esta possibilidade.