Inicio esta crónica com umas breves notas históricas. O nosso hino nacional, A Portuguesa (note-se que no hino não são cantadas todas as estrofes de A Portuguesa), terá sido composto na noite de 12 de Janeiro de 1890 por Alfredo Keil e a letra terá sido redigida pelo poeta Henriques Lopes Mendonça, a pedido do próprio Alfredo Keil. Pretendia-se que a letra apresentasse uma reacção ao Ultimato britânico que provocara uma onda de indignação nacional.
Desejava-se que A Portuguesa fosse um canto que traduzisse a alma da pátria ferida, as aspirações de liberdade e a vontade de uma nova vida, robusta e destemida, para o país. Nas palavras de Henriques Lopes Mendonça, pretendia-se que fosse um hino que pudesse ser rapidamente aprendido pelo povo e que fosse adoptado “como um caso de reivindicação nacional”. No fundo, o objectivo de A Portuguesa era o de exaltar o patriotismo e o orgulho nacionais, opondo-se à perspectiva do rei Carlos I que era acusado de ceder à intimação britânica. A Portuguesa substituiu o Hino da Carta aquando da Implantação da República Portuguesa a 5 de Outubro de 1910. Foi consagrada como hino nacional na Assembleia Constituinte de 19 de Junho de 1911.
Aqui chegados, questionar-se-ão alguns sobre a razão pela qual iniciei esta crónica com estas pequenas notas históricas. E a razão é simples: queria lembrar que o nosso hino não foi criado há uns meros 20 anos, que é um dos nossos símbolos nacionais (e que por isso deve ser tratado com o respeito que merece) e, sobretudo, lembrar o contexto histórico existente quando o mesmo foi concebido.
Tudo isto porque, para meu espanto, soube que o artista e activista Dino d’Santiago afirmou, no âmbito de uma conferência intitulada “Deixar o Mundo Melhor”, que gostava de mudar o nosso hino nacional. De acordo com as informações que li, Dino d’Santiago considera que é tempo de termos um hino menos bélico, que incentive menos às guerras. A ideia é que se não grite mais "às armas, às armas", e que não se lute mais "contra canhões". Tudo isto para que, ainda de acordo com o cantor, a nova emancipação seja "mental, espiritual, com amor e não territorial".
Será só a mim que este discurso soa como absurdo? Porque é que nos últimos tempos se avalia tudo o que é do passado à luz dos nossos conceitos actuais? Mais uma vez, parece-me que revisitamos o passado com olhos acusadores, julgando de um modo negativo tudo aquilo que deve ser visto à luz dos pensamentos e ideais da época. É claro que hoje em dia não puxamos pelas armas e não nos passa pela ideia marchar contra os canhões, não encaramos o nosso hino como um apelo à violência, nem à guerra. Há que encará-lo com uma canção que representa a nação, que exalta factos que aconteceram e que pretende simbolizar as lutas passadas pela nossa nação. Carrega a identidade de um povo.
E a identidade de um povo não pode estar condicionada às alterações que naturalmente surgem com o passar dos tempos. Não pode estar sujeita a transformações resultantes da soma dos dias. Errado é, a meu ver, fazer um julgamento do passado baseado na nossa forma actual de ver o mundo, opinar alicerçando a nossa opinião sobre o passado na nossa visão actual. É precisamente isso que está a fazer quando se analisa deste modo A Portuguesa. Revisitar o nosso hino, julgando-o, afirmando que a letra incentiva às guerras, é algo profundamente errado e, até, injusto.
Ensinemos, em vez de tecer afirmações erróneas e pouco ponderadas, o hino às nossas crianças, expliquemos o contexto em que o mesmo foi criado e, acima de tudo, esclareçamos o significado que tem um hino nacional para uma nação. É um símbolo de Portugal, alterá-lo não faz qualquer sentido. O que se segue? Uma proposta de revisão de Os Lusíadas?