Cientistas querem tornar o castanheiro mais resistente às alterações climáticas

Preparar os castanheiros para a seca e para o calor é o objectivo dos investigadores da Faculdade de Ciências do Porto que lideram este consórcio, apoiado pela Fundação La Caixa com 250 mil euros.

EQUIPA DE INVESTIGACAO QUE ESTUDA A RESISTENCIA DOS CASTANHEIROS A SECA FACULDADE DE CIENCIAS DO PORTO
Fotogaleria
Cientistas querem testar estratégias parar tornar as futuras árvores mais tolerantes às alterações climáticas Adriano Miranda
EQUIPA DE INVESTIGACAO QUE ESTUDA A RESISTENCIA DOS CASTANHEIROS A SECA FACULDADE DE CIENCIAS DO PORTO
Fotogaleria
Equipa do laboratório dedicado ao stress vegetal na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto Adriano Miranda

Chegou há pouco uma caixa repleta de plantas ao laboratório da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP). São castanheiros “bebés”, com folhas verdes e tenras, que vão começar a ser expostos a condições desagradáveis de humidade e temperatura. Parece cruel, mas este desconforto pode trazer vantagens. O objectivo é testar estratégias para tornar as futuras árvores mais tolerantes às alterações climáticas.

“O castanheiro vai ser exposto a um stress moderado, com o qual seja capaz de lidar, para que possa activar os seus mecanismos de defesa. No futuro, quando for exposto a uma situação mais agressiva, já vai estar preparado”, explica ao PÚBLICO Fernanda Fidalgo, professora da FCUP, cientista do Centro de Investigação em Produção Agro-alimentar Sustentável (GreenUPorto) e líder do consórcio que começou, esta semana, a trabalhar no novo projecto.

Esta investigação para dotar os castanheiros de resiliência climática foi distinguida, com uma bolsa de 250 mil euros, pelo programa Promove da Fundação La Caixa, em parceria com a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e o banco BPI. “Já tínhamos tentado dois outros [financiamentos], mas ficávamos sempre de fora por muito pouco”, conta Cristiano Soares, investigador da GreenUPorto. À terceira tentativa, foi mesmo de vez.

Criar uma memória vegetal

O projecto liderado pela FCUP tem duração de três anos. A primeira etapa consiste em compreender melhor, ao nível bioquímico, os efeitos da falta de água e do calor na resposta fisiológica dos castanheiros. Para isso, os cientistas vão estudar o comportamento das mudas de castanheiros em câmaras de crescimento. As condições desagradáveis a que vão ser expostas prometem “vacinar” as plantas para futuros eventos climáticos extremos.

Foto
Os cientistas do laboratório da FCUP vão combinar duas estratégias para tornar as plantas mais resistentes: o stress moderado e a micorrização Adriano Miranda

“Não vamos introduzir nas plantas nenhum organismo, nenhum vírus adormecido – não é esse o objectivo. O que fazemos é dizer às plantas: olha, estão aqui condições para que consigas preparar-te para quando vier um stress a sério e, assim, saberem responder mais prontamente. Alertamos a planta para que ela se lembre como melhor responder num futuro mais difícil”, explica Cristiano Soares.

O investigador recorre à personificação das plantas para transmitir melhor a mensagem de como funciona a “vacina” anti-stress para as plantas. Quando somos vacinados, o corpo humano é exposto a fragmentos virais que desencadearão uma resposta imunológica. Mais tarde, se entramos em contacto com o vírus, o organismo já possui uma memória imunológica que o prepara para reagir. Do mesmo modo, aquilo que este projecto pretende é criar uma memória vegetal que ajude os castanheiros a singrar em tempos de crise climática.

Quando estes mecanismos biológicos dos castanheiros estiverem mais bem estudados, os cientistas esperam poder seleccionar e desenvolver variedades mais tolerantes. Fernanda Fidalgo acredita que este conhecimento poderá favorecer uma melhor gestão dos sistemas agro-florestais do Parque Natural de Montesinho, em Bragança.

Foto
Jovens castanheiros cuidados em laboratório - se estivessem ao ar livre, o frio já teria induzido a caducidade das folhas ADRIANO MIRANDA / PUBLICO

Em Trás-os-Montes, onde há vastas extensões de soutos, têm sido registados episódios de ondas de calor e falta ou excesso de água. Estes eventos colocam riscos para o sector da castanha, contribuindo para a ocorrência de pragas e para a queda da produção de castanha. As alterações climáticas, por sua vez, podem amplificar os desafios que já existem.

“Acho que as pessoas não têm a noção da importância do castanheiro para o país. Portugal é o sétimo produtor mundial de castanha​, produzimos anualmente mais de 50 mil toneladas. Nos últimos anos, verifica-se uma maior ocorrência de pragas e doenças, que poderá estar ligada às alterações climáticas”, afirma a investigadora Filipa Sousa.

A produção de castanha caiu 11,9% em 2021 devido a um surto de septoriose, segundo um relatório do Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgado em Julho de 2022. A proliferação do fungo foi favorecida, refere o documento, “pela ocorrência de vários períodos de precipitação e temperaturas médias relativamente baixas durante o final de Julho e início de Agosto”.

“A produtividade também tem caído imenso por causa dos meses de calor excessivo durante o Verão. É muito importante perceber quais são os impactos do stress nas plantas para, depois, criarmos estratégias para contrariarmos esses mesmos danos oxidativos nas plantas”, diz Filipa Sousa, cuja tese de doutoramento debruçou-se precisamente sobre o impacte da crise climática neste fruto. Este tema de investigação foi a “semente” que deu origem ao projecto distinguido pela Fundação La Caixa.

Consórcio de investigação

Integram ainda o consórcio de investigação a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), o Instituto Politécnico de Bragança (IPB) e a Deifil, uma empresa portuguesa de biotecnologia vegetal com sede na Póvoa do Lanhoso.

“A Deifil tem aqui um papel importante, porque não podemos trabalhar com castanheiros adultos, trabalhamos com plantas que são propagadas in vitro. A Deifil é fundamental porque é a líder mundial de produção de castanheiros in vitro”, afirma Fernanda Fidalgo.

Foi precisamente a Deifil, capaz de produzir anualmente cerca de dois milhões de plantas para viveiros e produtores, quem mandou entregar a caixa com castanheiros para os cientistas darem início ao projecto. A encomenda chegou enquanto visitávamos o laboratório da FCUP dedicado ao stress vegetal.

Foto
Jovens castanheiros mantidos num ambiente laboratorial controlado Adriano Miranda

A equipa recorda ainda que José Moutinho Pereira, professor da UTAD, foi “fundamental” para que se estabelecesse uma ponte com o IPB, representado no consórcio pelo investigador Manuel Ângelo Rodrigues. “A UTAD faz análises complementares às plantas que nós não fazemos, e que são importantes para estudarmos que defesas estão a ser activadas na planta para contrabalançar o stress oxidativo”, afirma Fernanda Fidalgo, sublinhando a relevância da colaboração.

“O professor Ângelo Rodrigues é especialista em nutrição mineral e vai ajudar-nos a perceber de que forma o stress [hídrico e térmico] vai afectar a disponibilidade de nutrientes e o estado nutricional da planta. Unindo os esforços destes três grupos de investigação, vamos conseguir perceber qual é a resposta global do castanheiro nestas condições”, acrescenta Cristiano Soares.

Reprodução sexual dos castanheiros

A Deifil “dedica-se à propagação in vitro de plantas cujos sistemas de reprodução sexual não são eficientes ou suficientes para responder à demanda do mercado”, refere o site da empresa. A micropropagação é uma técnica de produção rápida de clones vegetais a partir de um pedacinho do vegetal (ou então de uma célula somática).

“Infelizmente, a reprodução sexuada do castanheiro é muito complicada. Só mesmo por estaca ou por micropropagação em laboratório. Recolhem-se tecidos da planta, que são colocados num meio de cultura apropriado, com um equilíbrio hormonal e nutricional adequado. Isto vai levar à formação de novos órgãos – folhas e raízes” , explica Cristiano Soares.

Foto
Câmaras de crescimento onde os estímulos ambientais que as plantas recebem são controlados Adriano Miranda

Quando as plantas já têm folha e raiz, são passadas para terra ou para vaso, “num ambiente muito protegido para garantir a sobrevivência”. O cientista sublinha que, quando os castanheiros são propagados, precisam de cuidados na fase inicial porque “praticamente saíram de uma redoma”. Quando ficam autónomos, já podem ir para um viveiro. A maior parte da produção do castanheiro actualmente advém do laboratório, ainda que seja possível (e morosa) a reprodução por estaca.

Os exemplares de castanheiros produzidos em laboratório também beneficiam de uma outra ferramenta contra as agressões ambientais: a micorrização. Esta estratégia aposta em fungos (benéficos) capazes de apoiar a planta na absorção de água e minerais. Trata-se de uma associação simbiótica entre fungos e vegetais: enquanto os primeiros beneficiam da “comida” de que necessitam, os segundos ficam mais bem hidratados. Todos saem a ganhar.

Quando os cientistas já tiverem não só caracterizado os efeitos da crise climática em variedades locais de castanheiro, mas também apurado as estratégicas de “vacinação” dos castanheiros através do stress moderado e da micorrização, chegará a hora de validar todo este conhecimento no terreno. Se tudo correr como previsto, este trabalho de campo decorrerá no terceiro (e último) ano do projecto.

O objectivo é comparar o desempenho de uma planta exposta à secura moderada, por exemplo, com o daquelas que não foram tratadas desta forma. Só nessa altura, quando tiverem lugar as experiências de validação no Parque Natural de Montesinho, saberemos se os castanheiros “vacinados” estarão, de facto, mais preparados para resistir a eventos climáticos extremos.