Precisamos de um serviço público de energias renováveis

Precisamos de uma solução que garanta que este cenário de preços incomportáveis e lucros recordes não se repete. Precisamos de um serviço público de energias renováveis. O sistema atual não nos serve.

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Eólicas no Caramulo Manuel Roberto

O ano começa com a promessa da subida generalizada de preços. O aumento das contas do gás e eletricidade, a que 2022 nos habitou, vai continuar. As soluções que nos estão a ser oferecidas pelos nossos representantes políticos ficam muito aquém das necessidades reais das pessoas.

O Governo, em Outubro, atribuiu três mil milhões de euros para apoiar as empresas intensivas em energia com as faturas de gás e luz. Este é um apoio que acaba nas mãos das empresas de energia e da indústria fóssil. Mais recentemente anunciou que vai oferecer 240 euros às famílias mais vulneráveis, uma ajuda temporária que não traz soluções para um problema estrutural. Em 2020, 19% da população portuguesa encontrava-se em situação de pobreza energética*. Ora, este valor é mais elevado do que o número de famílias que vão receber este apoio, e certamente com a crise que vivemos esta percentagem já aumentou.

Esta crise tem na base um sistema energético pouco resiliente, dependente da indústria fóssil e gerido por um mercado que é monopólio de umas poucas empresas. Precisamos de uma solução que garanta que este cenário de preços incomportáveis e lucros recordes não se repete. Precisamos de um serviço público de energias renováveis. O sistema atual não nos serve.

A Agência Internacional de Energia anunciou no seu último relatório que “os altos preços da energia estão a causar uma enorme transferência de riqueza dos consumidores para os produtores". A Galp nos primeiros nove meses de 2022 atingiu valores de lucros de 608 milhões de euros, um valor que superou em 86% os lucros atingidos no mesmo período do ano anterior. A Galp e a EDP registaram juntas mais de mil milhões de euros em lucros nos primeiros nove meses do ano.

Se não fosse suficiente olhar para os seus lucros para perceber que o interesse público não está na sua agenda, estas são as mesmas empresas que têm de forma consciente arrastado a humanidade para uma crise climática. A Galp anunciou no final de Dezembro um contrato de acesso por 20 anos a gás liquefeito num projeto no Texas, acordo que vem complementar outros assinados pela empresa de forma a garantir o seu abastecimento de gás. Mas no seu site, a empresa diz-nos "que é tempo de regenerar o futuro". Certamente não se refere ao futuro de todas as pessoas que já sofrem com as consequências da crise climática.

Enquanto entram no mercado das energias renováveis, estas empresas continuam a investir massivamente em energias fósseis. Esta diversificação de fontes de energia está a ser apresentada pelas empresas fósseis como uma transição energética mas não o é. O projeto delas é de expansão energética e expansão dos lucros. Por isso, 2022 bateu novamente o recorde de ano com o maior nível emissões de gases com efeito de estufa alguma vez registado.

A transição energética não está a falhar por falta de fundos, por falta de capacidade técnica, ou pelos potenciais impactos económicos na sociedade. Está a falhar porque o mercado da energia fóssil é precisamente isso: um mercado.

E se vivemos uma crise energética é também em parte porque não houve pensamento estratégico no investimento num sistema energético que funcione em prol do bem comum por parte dos últimos governos, especialmente daqueles que privatizaram a EDP e a REN. Portugal é dos poucos países europeus onde a rede de transmissão de energia é completamente privatizada.

A privatização da REN foi imposta em 2011 pelo Fundo Monetário Europeu e pela Comissão Europeia. Assim, neste momento, a energia é vista como mais uma mercadoria e o sistema energético é construído a favor dos interesses dos donos deste mercado. Por isso sentimos agora os efeitos de uma inflação marcada por lucros recordes.

Ora, a energia é um bem essencial, e por isso deve ser gerida democraticamente na ótica do serviço público. Isto é especialmente importante face ao papel do sistema energético nas alterações climáticas. Precisamos de uma empresa pública de energias renováveis porque os serviços essenciais e o futuro da humanidade não podem ficar à mercê das mãos invisíveis das corporações fósseis.

Produzir e distribuir energia de acordo com o interesse público é fundamental para qualquer plano de transição climática justa, estabilizando os preços e garantindo acesso universal a energias renováveis, enquanto se criam milhares de Empregos para o Clima.

Precisamos de um serviço público de energias renováveis porque uma transição energética justa, que sirva as pessoas só pode acontecer se for liderada pelo setor público com participação e escrutínio das pessoas. Esse é o plano para travar o colapso climático e garantir segurança, resiliência e soberania energética. A Galp, a EDP, a REN e os seus acionistas têm outros planos.

*Nos dados divulgados a 6 de janeiro de 2020 pelo Eurostat, Portugal consta como o quinto país da União Europeia onde as pessoas têm menos condições económicas para manter as casas devidamente aquecidas, sendo que cerca de 19% dos portugueses estão em situação de pobreza energética.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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