Via única na Linha do Norte, em Souselas, vai manter-se por mais dois meses
Risco de aluimento na via férrea estava identificado, mas não foi corrigido durante a intervenção no âmbito do Ferrovia 2020
O aluimento no dia 30 de Dezembro de um talude ao quilómetro 228,150 da Linha do Norte, entre Souselas e Pampilhosa, ocorreu numa zona que já estava identificada como instável, mas que não foi alvo de qualquer intervenção geotécnica durante as obras do Ferrovia 2020.
Esses trabalhos, que decorreram em 2017 e 2018, foram o primeiro projecto do programa Ferrovia 2020, apresentado como o plano de modernização do caminho-de-ferro em Portugal, mas que, neste troço (e noutros), não passou de uma RIV (Renovação Integral de Via), ou seja, uma intervenção de manutenção pesada para obviar o estado de degradação da infra-estrutura. Em Abril de 2017, um comboio de mercadorias tinha descarrilado naquele troço devido ao mau estado da linha.
Apesar de já estarem identificados problemas geotécnicos naquele troço, a IP optou por intervir apenas ao nível da superestrutura de via (carris, travessas e balastro), deixando para mais tarde eventuais obras de consolidação dos taludes. Mas a situação de instabilidade era quase visível a olho nu. Basta ver que existe um poste da catenária do lado oposto ao aterro que caiu porque se verificou que aquele local poderia nem aguentar com a consola do poste. Ou seja, o poste que segura a catenária foi instalado na contravia por o lado “certo” não oferecer condições geológicas seguras.
A IP admite que “o talude em causa estava sob monitorização”, mas que “não apresentava sinais de risco ou instabilidade, situação que se alterou em virtude da elevadíssima precipitação que se tem registado no país nas últimas semanas, com consequências ao nível da saturação dos solos”.
A mesma fonte oficial da empresa explica também por que motivo este talude não foi intervencionado durante as renovação integral de via em 2018: “Não apresentava sinais de instabilidade e o investimento não contemplava intervenção sistemática em taludes, dadas as restrições financeiras existentes à data da decisão”.
A mesma decisão foi tomada para outro talude que há mais de 20 anos apresenta também riscos de instabilidade. Fica em Pereira do Campo (concelho de Montemor-o-Velho), 21 quilómetros a sul de Souselas e que está igualmente sob monitorização da IP.
A queda do talude obriga a que o trânsito na principal linha ferroviária do país se faça em via única entre Souselas e Pampilhosa, o que tem provocado atrasos nos comboios. A situação deverá manter-se durante os próximos dois meses, tempo previsto pela IP para a resolução do problema.
A empresa diz que “a solução de estabilização passará pela execução de uma estrutura de contenção por microestacas na plataforma da via-férrea, bem como pela retirada dos solos instáveis do talude de aterro, com cerca de 16 metros de altura, e posterior reforço e alargamento do mesmo de modo a garantir a sua estabilidade global, implicando o desvio de ribeira existente, com custos totais ainda não apurados”.
A empresa diz ainda que “os trabalhos respeitarão, necessariamente, os procedimentos de contratação pública, sendo que todos os esforços estão a ser feitos no sentido de minimizar os prazos associados”.
Quase 48 horas de atrasos
Até à passada quarta-feira, e devido a este incidente, a CP já tinha contabilizado 2851 minutos (quase 48 horas) de atrasos em 331 dos seus comboios. Dá uma média de 8,61 minutos por comboio, a que se somam mais atrasos por via das obras programadas e em curso no troço Ovar – Gaia e que fazem com que, neste momento, os comboios mais rápidos não consigam fazer a viagem Lisboa – Porto em menos de três horas, regressando assim aos tempos de percurso dos anos 80.
O impacto desta contingência no trânsito da Linha do Norte só não foi maior porque, devido às greves na CP, o número de comboios em circulação tem sido inferior ao normal.