Daniel Barenboim renuncia à direcção da Ópera de Berlim, mas continua a dar concertos

“A minha saúde deteriorou-se significativamente no ano passado”, disse o maestro, pondo fim a 30 anos de relação com a casa que catapultou para fama mundial.

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Daniel Barenboim saúda o público no concerto de celebração dos 30 anos da queda do Muro de Berlim CLEMENS BILAN/EPA

O maestro Daniel Barenboim renunciou à direcção artística da Ópera de Berlim, anunciaram a instituição e o próprio conceituado músico na sexta-feira. A doença neurológica grave de que sofre, e que não foi identificada mas já era pública e tinha levado ao cancelamento de vários concertos no ano passado, agravou-se.

"Infelizmente, a minha saúde deteriorou-se significativamente no ano passado. Já não posso oferecer o rendimento que, com justiça, se exige a um director geral de música. Por isso, peço a vossa compreensão e que este cargo cesse a 31 de Janeiro”, afirmou o maestro.

Daniel Barenboim, pianista, maestro e director artístico e um dos mais conceituados nomes da clássica mundial, ocupava aquele posto desde 1992.

Nele, contextualiza o diário norte-americano The New York Times, “construiu um império artístico sem rival e ajudou a definir a cultura alemã no rescaldo da reunificação”.

Como escreve o diário espanhol El Mundo, “a decisão de Barenboim era uma crónica anunciada”. O ano de 2022 foi marcado por uma cirurgia à coluna, em Fevereiro, e a uma baixa para recuperar da mesma. E em Outubro, comunicava: “A minha saúde deteriorou-se nos últimos meses e foi-me diagnosticada uma doença neurológica grave. Agora tenho de me concentrar o máximo possível no meu bem-estar físico”. Depois de terem sido cancelados os concertos agendados entre Fevereiro e Abril, cancelaram-se também as actuações marcadas para o final do ano passado.

O El Mundo refere que há fontes próximas do maestro que identificam a sua doença como um tipo grave de vasculite, uma inflamação dos vasos sanguíneos que pode manifestar-se de várias formas, nomeadamente no sistema nervoso central.

Aos 80 anos — um dos concertos cancelados em 2022 era precisamente uma actuação que celebraria o seu 80.º aniversário e em que interpretaria concertos para piano de Beethoven e Chopin com a direcção de Zubin Mehta —, a última actuação na casa que era sua há 30 anos foi o concerto de Ano Novo da Ópera de Berlim. Dirigiu a orquestra sentado. A lotação esgotou. O seu contrato era até 2027, mas chega agora ao fim.

As três décadas em que o músico nascido na Argentina e que tem passaporte israelita e espanhol (considerava-se ainda um “cidadão honorário” do Estado da Palestina) foram “uma dádiva para Berlim e para a Alemanha”, disse sexta-feira a ministra da Cultura alemã, Claudia Roth. “Lamento muito sua renúncia, desejo-lhe boa recuperação e espero ansiosamente por muitos concertos e óperas dirigidos por ele”, rematou, citada pela Deutsche Welle. Para o senador da Cultura de Berlim, Klaus Lederer, Barenboim é “um artista do século”, cita o New York Times.

Daniel Barenboim é um dos nomes mais conceituados e reconhecidos da música clássica mundial. Na sua conta no Twitter, onde partilhou o comunicado da Ópera de Berlim, a cidade onde vive, descreve-se como “maestro, pianista, autor e activista”. Como recordava o PÚBLICO em Outubro de 2022, a sua carreira é marcada pelo uso da música como instrumento para promover a paz e a tolerância, nomeadamente na fundação, com Edward Said (1935-2003), activista de origem palestiniana, e Bernd Kauffmann, director do Festival de Artes de Weimar, na Alemanha, da West-Eastern Divan Orchestra, formação que visa promover o diálogo entre os povos do Médio Oriente.

Antes disso, tornou-se histórica a sua direcção, em 1989 e três dias após a queda do Muro de Berlim, de um concerto da Filarmónica de Berlim dedicado aos cidadãos da Alemanha de Leste.

“Desde 1992, sou director musical geral da Staatsoper Unter den Linden Berlin [a Ópera de Berlim]. Estes anos inspiraram-nos musical e pessoalmente em todos os aspectos”, diz no comunicado oficial da demissão, considerando que a instituição e ele próprio tiveram “muita sorte” nesta união. “O que me deixa particularmente feliz e orgulhoso é que a Orquestra Estatal de Berlim me escolheu como regente vitalício [em 2000]. Tornámo-nos uma família musical ao longo dos anos e assim continuaremos.” Entre os agradecimentos que deixa, nomeia a “companhia tão agradável” da chanceler Angela Merkel e do presidente do Bundestag, Wolfgang Schäuble.

“Enquanto viver, estarei intimamente ligado à música e estou disposto a trabalhar como maestro no futuro, também e especialmente com a Orquestra Estatal de Berlim.” Apesar desta renúncia, Barenboim tem agendados dois concertos este fim-de-semana com a pianista Martha Argerich e acompanhado pela Filarmónica de Berlim.

“Gratidão”

Na hora da despedida, os elogios de reconhecimento são mútuos. “A Ópera de Berlim tem uma dívida imensa de gratidão para com Daniel Barenboim. Durante mais de 30 anos, trouxe a esta casa e à sua Orquestra Estatal de Berlim a sua inesgotável energia como personalidade artística de carisma mundial”, sublinhou Matthias Schulz, director da instituição desde 2018, acrescentando que com ele a orquestra se tornou uma das formações mais respeitadas do mundo.

O seu nome conseguiu internacionalizar a Orquestra de Berlim e levá-la em digressão, além de ter estendido a sua influência a feitos bem tangíveis. Como recorda o New York Times, foi essencial na decisão de construir a sala de concertos projectada pelo arquitecto Frank Ghery, a Sala Pierre Boulez, inaugurada em 2017, bem como a remodelação da sala principal da Ópera. O mesmo diário recorda as acusações de bullying por parte de alguns membros da orquestra, em 2019, gerando uma investigação que não confirmou as acusações.

A Ópera de Berlim começará, inevitavelmente, o processo de escolha da pessoa que vá suceder a Barenboim.

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