A China vai ter, finalmente, as suas vacinas de ARN-mensageiro?

Dados provisórios de um ensaio clínico na China a uma vacina de reforço desenvolvida com a tecnologia de ARN-mensageiro (como a da Pfizer e da Moderna) mostraram resultados positivos.

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Esta semana, foram divulgados dados provisórios de uma vacina chinesa de ARN-mensageiro contra a Ómicron Daniel Rocha

No final desta semana, a empresa chinesa CanSino Biologics revelou dados provisórios “positivos” da sua vacina experimental de ARN-mensageiro de reforço. Estes dados vêm de um ensaio clínico que está a decorrer, numa altura em que o país enfrenta um grave surto de infecções.

As infecções na China têm aumentado desde que o país abandonou a sua política de “covid zero” no último mês, depois de protestos contra as restrições que ainda estavam em vigor.

A vacina de reforço da CanSino Biologics é uma das primeiras potenciais vacinas da China baseadas na tecnologia de ARN-mensageiro. O ensaio que está a decorrer para essa vacina experimental está a ser feito em 433 pessoas com 18 anos ou mais. Essas pessoas tinham recebido três doses de uma vacina com base no vírus inactivado do SARS-CoV-2 (diferente da tecnologia de ARN), disse a empresa chinesa.

Até agora, as vacinas inactivadas são as que estão a ser usadas na China e contêm uma forma “morta” do agente patogénico que provoca a covid. É uma tecnologia mais convencional e o objectivo é que ajude a desencadear uma resposta do sistema imunitário sem causar a doença. Essas vacinas têm mostrado uma menor eficácia na protecção da população contra a doença grave, taxas maiores de hospitalização e também uma mortalidade mais elevada do que as vacinas ARN-mensageiro.

A China já aprovou nove vacinas contra a covid-19, incluindo as vacinas inactivadas, mas nenhuma está ainda adaptada para ter como alvo a variante genética do coronavírus mais transmissível, a Ómicron.

No ensaio da vacina de reforço que está agora a decorrer, os participantes a quem tinha sido administrada a vacina de ARN, seguidos durante 28 dias, tinham um nível de anticorpos neutralizantes do vírus cerca de 27 vezes maior do que o grupo a quem tinha sido administrada a vacina de vírus inactivado, anunciou a empresa.

De acordo com os dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) nesta quarta-feira, a análise do Centro Chinês de Controlo e Prevenção de Doenças (China CDC) mostrou uma predominância das sublinhagens da variante Ómicron, BA.5.2 e BF.7, entre aquelas que causam mais infecções.

Acima de 6000 casos oficiais por dia

Além da empresa CanSino, em Abril de 2022, também a empresa CSPC Pharmaceutical teve aprovação para fazer ensaios de uma potencial vacina de ARN-mensageiro do mesmo tipo da da CanSino. Em Agosto, revelava “bons” dados relacionados com a segurança dessa vacina e disse que estava a começar um ensaio maior, de fase III. Até agora, ainda não revelou os dados desse estudo.

O aumento de infecções na China tem sido uma grande preocupação num país tão populoso como a China. Além disso, o número de pessoas a quem foi administrada uma dose de reforço das vacinas contra a covid é bastante baixo, sobretudo nos idosos. No geral, a taxa das primeiras doses da vacina no país chega aos 90%, mas a taxa de adultos com uma dose de reforço atinge apenas os 57,9% e é só de 42,3% para pessoas com 80 ou mais anos, de acordo com dados do Governo divulgados no último mês.

Vacinas produzidas fora do país não estiveram disponíveis para a população em geral durante muito tempo na China, que tem tido sobretudo acesso às vacinas da Sinopharm e da Sinovac, bem como de outras desenvolvidas no país. Em Dezembro, a OMS informou que a Pfizer tinha enviado vacinas para a China, por parte da Alemanha, mas elas apenas seriam para alemães em território chinês. Embora todas as vacinas chinesas se tenham mostrado seguras, alguns estudos têm vindo a sugerir que não são tão eficazes quanto outras vacinas, como as da Pfizer-BioNTech e da Moderna.

Foi precisamente sobre a questão das vacinas na China que se focou Miguel Castanho numa entrevista sobre a situação da pandemia. Para o investigador do Instituto de Medicina Molecular (IMM) da Faculdade de Medicina de Lisboa, em entrevista publicada nesta quinta-feira, esta é a questão mais pertinente a levantar sobre a situação chinesa. “Porque persiste uma nação no uso de uma vacina pouco eficaz, ainda que sua, se existem outras disponíveis mais eficazes, ainda que desenvolvidas por outros? A ‘covid zero’ foi uma opção política e é subjectiva; a eficácia das vacinas é uma evidência técnica à disposição de todos”, salienta.

Na última semana, a China registou uma média de 6450 casos oficiais por dia, de acordo com o contador do jornal norte-americano The New York Times. Os casos aumentaram 102% desde a média de há duas semanas e as mortes tiveram um aumento de 100%. Tendo em conta essa tendência, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC, na sigla em inglês) reforçou esta semana a monitorização face ao aumento de casos de covid na China. A União Europeia também recomendou aos seus Estados-membros que pedissem um teste negativo a quem chegasse da China.