Casacos de peles animal free? Empresa do Porto quer criar a moda do futuro

A Biofabics, startup de engenharia biomédica no Porto, recebe quatro milhões de euros da UE para criar têxteis alternativos em laboratório, como pêlo ou lã, nos próximos cinco anos.

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As células cultivadas em laboratório demoram algumas semanas até originarem filamentos. Imagem de arquivo Marjan Blan/UNSPLASH

A ideia de usar um casaco de pêlo sem que isso implique o sofrimento ou a morte de um animal pode parecer utópica, mas uma empresa portuense quer tornar este sonho realidade. A Biofabics, startup da área da saúde com berço no Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC), abraçou o desafio de substituir a fonte de pêlo ou lã que se usa na indústria da moda por uma alternativa que, apesar de animal free, continua autêntica.

Além de evitar o sacrifício animal, a empresa quer, com o projecto Furoid, reinventar a produção de têxteis de origem animal para que esta se torne “mais barata e mais rápida do que a extracção directa dos animais”, revela Pedro Costa, criador e director executivo da Biofabics.

A nova tecnologia, desenvolvida em conjunto com outras duas empresas, na Holanda e na República Checa, entrou no radar da União Europeia e vai ter um financiamento de quatro milhões de euros, resultante de um concurso da Comissão Europeia para projectos de Investigação e Desenvolvimento (I&D) que visassem a criação de materiais alternativos com base celular.

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Além de livre de animais, a nova alternativa pode ser mais verde, ao eliminar etapas da produção tradicional Pedro Costa

Uma quantia de 700 mil euros vai ser utilizada exclusivamente pela empresa portuguesa, que estará responsável por automatizar o cultivo de células com folículos capilares. As três instituições têm um prazo de cinco anos para produzir uma quantidade de material significativa e provar que esta tecnologia – que segue a mesma lógica da criação de tecidos humanos para transplantes, por exemplo – é apetecível para a indústria.

Como se crescesse nas costas de um ser vivo

Em laboratório, leva apenas algumas semanas até que as células cultivadas comecem a originar filamentos. Para começar o processo, é necessário recolher, através de uma biópsia, uma pequena amostra de tecido da pele do animal que se pretende recriar. “O animal nem sente. E só é preciso obter uma vez porque expande-se a quantidade de células a partir da amostra inicial”, esclarece Pedro Costa.

Posteriormente, as células com folículos capilares dessa amostra são modificadas geneticamente, de forma a serem capazes de se multiplicar rapidamente a partir da fonte inicial, para serem depois colocadas numa membrana de nanofibras semelhante à matriz extracelular que, em contexto normal, dá suporte às células. Estas são colocadas na membrana de forma organizada, num processo que Pedro Costa compara com o de uma impressão de tinta em papel. “Quando se coloca as células nestas nanofibras, elas sentem-se como se estivessem num tecido normal e isto permite-lhes crescer e desenvolverem-se mais naturalmente”, continua.

Entretanto, após algum tempo em ambiente controlado, surgem os filamentos pretendidos, tal como surgiriam num animal. “A única diferença é que, em vez de crescer nas costas de um animal, está a crescer em laboratório”, explica o criador da Biofabics, pelo que a composição dos tecidos é exactamente igual à tradicional.

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Pedro Costa, fundador e director-executivo da Biofabics Pedro Costa

Uma tecnologia amiga dos animais, do ambiente e da indústria

O produto final é aquilo que Pedro Costa descreve como uma tela de tecido que vai compor o material usado para criar vestuário. Ao contrário do que acontece na extracção de pele ou pêlo tradicional, onde as peças nem sempre têm um formato regular e criam algum desperdício de tecido na costura, o material criado em laboratório é completamente geométrico e optimizado.

“É um detalhe que faz toda a diferença: poder utilizar uma tela completa em vez de usar peças com retalhos que se perdem poupa muito dinheiro. Há formas de tornar isto possível e mais economicamente viável do que os processos tradicionais”, explica o investigador e empresário.

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A Biofabics nasceu na UPTEC, mas já tem laboratório próprio no Porto Pedro Costa

E as formas de poupar dinheiro são muitas: a Biofabics quer automatizar o processo, tornando-o mais rápido e mais barato ao circunscrever toda a produção ao mesmo local, evitando a criação de gado e o transporte, custosos para as empresas e para o planeta. “A certo ponto, o objectivo é ter, não um laboratório, mas uma fábrica de produção destes materiais em grandes tanques de cultura celular”, refere, acrescentando que esta tecnologia não poupa só os animais, mas também o ambiente.

“O animal free é muito importante, mas existem muitas maneiras com que podemos contribuir para uma indústria mais sustentável e mais verde. Um processamento mais simplificado reduz a emissão de gases, a utilização de certas substâncias nocivas, de água… Há muitas coisas que se podem optimizar”, conclui.

Pedro Costa destaca ainda os benefícios desta tecnologia para o consumidor, que vão além da “paz de espírito”: é possível personalizar padrões e cores dependendo da forma como se depositam as células na membrana de nanofibras (criando padrões existentes na natureza “e muitos mais”) e as peças de roupa criadas em laboratório podem até ser mais baratas do que as que exigem sacrifício animal. O baixo custo de produção poderá, à partida, ter um impacto positivo no preço em loja. Contudo, é algo que estará dependente do produtor que usaria a nova tecnologia ou do revendedor, dado estes poderem “aproveitar o facto de este tipo de roupa ser animal free para aumentar o preço”, alerta o CEO.

Apesar de reconhecer que, por vezes, é difícil convencer as indústrias a repensar as suas práticas, Pedro Costa diz estar “confiante” de que a tecnologia será adoptada após a sua optimização: “Faz sentido e é só uma questão de tempo e de vontade da indústria de mudar, diria eu, para melhor.”

Técnica já é usada para evitar testes em animais

A tecnologia que as três empresas querem utilizar na indústria têxtil tem a sua origem na área da saúde, em que Pedro Costa se formou. A mesma técnica de criação de pêlo ou lã pode criar cabelo humano, para ser usado, por exemplo, em transplantes capilares. Uma lógica semelhante está a ser investigada para criar órgãos e tecidos que possam ser transplantados.

Além disso, os mesmos métodos da engenharia biomédica estão a ser usados na farmacêutica, para evitar os ensaios clínicos em animais. Através de dispositivos de cultivo de células que, em condições controladas, se comportam como se estivessem dentro do corpo humano, é possível melhorar os testes in vitro, obtendo resultados mais credíveis que permitem economizar tempo e passar de imediato para os testes em humanos – além de poupar muitas vidas de animais. “Existe muita investigação nesta área e há muita gente à procura disto”, comenta o criador da Biofabics, acrescentando que seria mais fácil aprovar esta tecnologia na indústria têxtil do que na área da saúde.

Texto editado por Andrea Cunha Freitas

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