Se, na lista de resoluções de Ano Novo, escreveu “poupar dinheiro” ou “ser mais amigo do planeta”, este desafio é para si. Consumidores um pouco por todo o mundo estão a tentar mudar os seus hábitos de compra de artigos de moda com um detox absoluto – que pode durar um mês, três meses ou até um ano.
Em 2019, a organização sem fins lucrativos Remake, que luta pela justiça social e climática globalmente, lançou pela primeira vez o No New Clothes Challenge ("Desafio Sem Roupa Nova", em tradução livre). O objectivo era encorajar a sua comunidade online a não comprar nada novo durante 90 dias, entre 1 de Junho e 1 de Setembro. Entretanto, o desafio tomou proporções maiores e está em todos os cantos da internet, havendo quem faça alterações ao período de tempo e às regras.
Na campanha, a associação promove a quebra de hábitos consumistas, a descoberta de novas alternativas mais sustentáveis, como comprar em segunda mão ou renovar uma peça de roupa já existente no guarda-fatos, bem como a redução da pegada carbónica e do dinheiro gasto.
Na altura em que o No New Clothes Challenge surgiu, Bia Farão já não comprava roupa há um ano. Consciente do impacto do seu consumo desde muito cedo, contava ao PÚBLICO em 2019 que apenas adquiria em lojas convencionais o que não encontrava em eventos de troca de roupa ou em segunda mão, tal como roupa interior. Quatro anos depois, diz-nos que é possível adoptar o hábito para a vida: até aos dias de hoje, fast fashion não entra em sua casa, a não ser em momentos de extrema necessidade.
Para fazer circular a roupa que já não usa, ao mesmo tempo que dá uma vida nova a outra peça, Bia recorre a mercados de troca de roupa que frequenta com alguma frequência, e recomenda a qualquer pessoa que queira adoptar esta filosofia, a propósito do No New Clothes Challenge ou não.
"A partir do momento em que alguém decide que vai deixar de comprar roupa, tem de ter um lugar que permita que ela circule, para deixar de existir a necessidade de comprar", remata. Comunidades como o Mercado de Trocas ou a Circular Wear divulgam eventos e locais, um pouco por todo o país, onde é possível deixar uma peça de roupa e trazer para casa uma nova. Uma segunda opção é organizar essas trocas entre familiares e amigos.
Um desafio à medida de quem participa
O primeiro passo para começar o desafio? "Utilizar o que já temos", responde Bia, que recomenda uma espécie de "mapeamento do armário", para fazer um inventário e recombinar as peças que se encontram no fundo da gaveta. A activista dá ainda uma dica que resulta consigo: Bia guarda as roupas sazonais que não estão a ser usadas, fazendo a troca sempre que chega uma nova estação, o que desperta a sensação de um guarda-fatos completamente novo.
Vender o que já não é usado em plataformas de venda em segunda mão e consertar as peças antigas num costureiro local são outras formas de reaproveitar o tempo que seria gasto em lojas de fast fashion.
São conhecidos os efeitos da indústria de moda rápida no planeta. Os impactos ambientais fazem-se sentir no consumo de água, nos solos, na emissão de gases com efeito de estufa e na produção de resíduos. Com o aumento global do consumo de moda, espera-se que, em 2030, a indústria têxtil consuma 118 mil milhões de metros cúbicos de água, que emita 2791 milhões de toneladas de dióxido de carbono e que produza 148 toneladas de desperdício. E não só: um terço das compras online devolvidas globalmente é deitado fora pelas lojas, tendo o seu fim numa incineração ou num aterro sem serem sequer usadas.
Baseada nos padrões de compra americanos, a Remake estima que cada pessoa que aderir ao desafio de 90 dias pode poupar quase 10 mil litros de água doce e 443 euros, ao mesmo tempo que evita gerar cerca de nove quilogramas de resíduos. Além disso, deixa de emitir 207 kg de dióxido de carbono que poderiam ir para a atmosfera.
Apesar de o No New Clothes Challenge contemplar três meses específicos, está ressalvado na página da campanha que este é uma “jornada pessoal” que pode começar em qualquer altura do ano – quer seja numa resolução de Ano Novo, ou durante o Verão.
“O objectivo desta campanha é parar e reflectir sobre os valores do que queremos vestir, e o papel que podemos desempenhar na mudança da indústria da moda para o futuro”, escreve a Remake. A ideia de parar e pensar está aberta a interpretações: pode querer dizer não comprar absolutamente nada, comprar apenas em segunda mão ou impor um número limite de artigos que se pode adquirir.
Terminar a relação com a fast fashion
O tempo durante o qual se adopta este novo hábito também é facultativo, sendo que a maioria dos relatos vem de bloggers e jornalistas – principalmente mulheres – que o fizeram durante um ano. Um exemplo é a história da jornalista de moda, cultura e estilo de vida Lauren Bravo. Numa publicação do The Guardian, Lauren Bravo compara o acto de deixar de comprar roupa nova com o término de uma relação “problemática” com a fast fashion.
Reconhecendo que comprar praticamente pouco é normal para muita gente por “falta de dinheiro, falta de opções ou mesmo falta de interesse”, a jornalista nota que ter uma profissão que a obriga a estar a par de todas as tendências alimentava o hábito. Assim, Lauren Bravo limitou as suas compras a lojas de segunda mão, onde o impacto ambiental é menor, a experiência é mais prazerosa e uma visita nem sempre significa sair de mãos cheias.
As vantagens falam por si: mais confiança, menos tempo perdido em provadores e filas de espera e mais dinheiro na carteira. A história de Lauren Bravo está entre as dezenas de relatos encontrados com uma pesquisa rápida no Google, onde, além dos benefícios apontados pela jornalista, os utilizadores notam que se tornaram mais criativos e grandes amantes do próprio armário, enquanto adquiriram hábitos de consumo mais sustentáveis que se mantiveram a longo prazo.
"Quando deixei de comprar roupa nova, isso ajudou-me a ficar mais consciente do que e como consumia. Queria saber de onde vinham as minhas roupas, de que eram feitas, e como as minhas opções de compra afectavam o ambiente", relatou Eden Ashley, a voz do blogue Mint Notion, numa publicação sobre a sua escolha de não comprar roupa nova durante o ano de 2021.
O desafio não visa a perfeição, e há quem ceda – o que não implica desistir. Na página australiana de moda e estilo de vida sustentável The Green Hub, Samantha Hartsock recorda vários momentos em que falhou no compromisso adoptado para o ano de 2017. Ténis de corrida, joalharia, um fato de banho particularmente barato e um par de calças ficam como lembranças de momentos em que a tentação falou mais alto para a directora de educação da Remake, que realça a importância do autoperdão.
“Se está a pensar em fazer o juramento No New Clothes, fique a saber que as nossas pequenas acções individuais realmente importam quando as fazemos como um colectivo”, disse Ayesha Baranblat, fundadora da Remake, à revista americana Harper’s Bazaar em Setembro. “Esta é uma forma de poupar dinheiro, de ter um papel activo no movimento de justiça climática e dos direitos das mulheres na moda, e de tornar isso divertido.”
E Bia Farão relembra: "Deixar de comprar roupa da moda não quer dizer que não se tem um estilo próprio. Pelo contrário!"
Texto editado por Andrea Cunha Freitas