PS admite ter um primeiro-ministro que não seja o líder do partido
João Torres, secretário-geral adjunto, diz que ainda é “cedo” para falar em 2025, mas lembra que o PS tem “inovado” nas soluções internas.
João Torres, secretário-geral adjunto do PS, diz que o caso TAP está encerrado, mas defende que haja no futuro novos mecanismos de escrutínio das pessoas que vão para o Governo, à semelhança do que se passa noutros países.
Sobre a saída de Pedro Nuno Santos do secretariado nacional do partido, defende que as disputas internas no PS “não colocam em causa coesão” em torno do Governo, numa resposta directa a preocupações expressas pelo Presidente da República. A entrevista Hora da Verdade do PÚBLICO/Renascença pode ser ouvida nesta quinta-feira às 23h.
Está a ver alguma possibilidade de este Presidente da República dissolver o Parlamento com uma maioria absoluta ou demitir um primeiro-ministro com maioria absoluta?
A mensagem que o Presidente da República dirigiu ao país no Ano Novo foi absolutamente clara e é merecedora de convergência plena por parte do PS. O PS esteve sempre do lado da estabilidade política no nosso país, mesmo quando não dispunha de uma maioria absoluta.
Não reconhece que é um dado novo haver um Presidente que ao fim de nove meses de um Governo de maioria absoluta admite a possibilidade de dissolução da Assembleia?
Não me compete analisar as mensagens do Presidente. O que li na mensagem não foi aquilo que acabou de partilhar comigo. O Presidente da República mencionou explicitamente na sua mensagem de Ano Novo que Portugal tem estado melhor do que outros países, em matérias tão relevantes como o crescimento económico, o rigor orçamental ou o défice orçamental, o turismo, o investimento directo estrangeiro ou mesmo na forma como tem lidado com a crise energética.
Isto deveria obrigar também a oposição a reescrever a sua narrativa crítica em relação ao Governo, em relação muito particularmente àquilo que designou de avisos do Presidente da República. Em segundo lugar, os portugueses desejam estabilidade política. Essa estabilidade é, aliás, uma mais-valia que o próprio Presidente reconheceu como sendo uma vantagem comparativa.
Viu nas intervenções recentes de Marcelo algum tipo de concertação com o PSD, com Luís Montenegro?
Numa democracia cada um tem o seu papel. O Presidente da República, melhor do que ninguém, sabe exactamente qual é o papel de um Presidente da República e, portanto, essa pergunta não tem razão de ser. Não especulo sobre entendimentos entre o Presidente da República e o líder da oposição.
O Presidente também já disse que as eleições europeias poderão funcionar como um cartão amarelo ao Governo. Se o PS não ganhar as próximas, então, sim, poderemos estar a falar de um pântano?
Esse cenário não está em cima da mesa. Tenho muita confiança de que o PS tem todas as condições para ser vencedor das próximas eleições europeias, porque, se há matéria que tem sido também reconhecida pelos portugueses, é a importância de termos um Governo e um primeiro-ministro com voz na Europa. Esse é um grande trunfo que o PS tem nas próximas eleições europeias. É mesmo único na história da nossa democracia e talvez só comparável com o prestígio que Mário Soares granjeou também e que vivenciava na década de 1980.
Nesta quarta-feira, Pedro Nuno Santos anunciou a saída do secretariado nacional do PS. Isto é um corte com a orientação da direcção de António Costa?
Não tenho a mais pequena dúvida de que Pedro Nuno Santos está orgulhoso do trabalho que desempenhou enquanto membro de sucessivos governos liderados pelo actual secretário-geral do PS. Pedro Nuno Santos foi uma peça muito importante, até decisiva, no encontro das soluções políticas e das políticas públicas que ajudaram o país a virar a página da austeridade, a combater a pandemia e encontrar um outro rumo de desenvolvimento económico e social.
O PS está naturalmente agradecido por todo o contributo que Pedro Nuno Santos tem dado ao partido ou aos sucessivos governos. No PS, não há naturalmente pessoas dispensáveis e, portanto, continuamos a contar com Pedro Nuno Santos. É um militante importante. O PS sempre foi um espaço de pluralidade, é um espaço de diversidade e poderemos continuar seguramente a contar com o empenho, a dedicação e a inteligência de Pedro Nuno Santos.
Contudo, saiu do secretariado. Essa saída significa que está mais afastado da direcção?
Há questões que só o próprio pode mesmo responder. O PS continua a contar com Pedro Nuno Santos. Foi secretário-geral da Juventude Socialista, foi dirigente, presidente de uma federação. Há muitas formas de os militantes do PS poderem contribuir, quer para a governação quer para a afirmação do partido. Não tenho a mais pequena dúvida de que no PS podemos continuar a contar com Pedro Nuno Santos. Também é cedo para fazer um juízo ou avaliações sobre o que é que Pedro Nuno Santos vai fazer enquanto deputado à Assembleia da República.
Estamos perante o início da guerra da sucessão de António Costa?
Acho que essa questão ainda não se coloca e não sei quando é que vai ser colocada. Aquilo que posso assegurar é que o PS está coeso, está unido em torno da figura do secretário-geral.
Falando na sucessão de António Costa, na possibilidade até levantada esta semana pelo jornal Observador de, em 2026, António Costa permanecer como secretário-geral do PS e haver outro candidato a primeiro-ministro, isso é uma possibilidade?
É futurologia. Antes do congresso de 2025 ainda haverá o congresso de 2023. Não vale a pena antecipar o que vai acontecer em 2025 ou em 2027.
Assim não coloca de parte?
Nem coloco de parte nem coloco em cima da mesa. É cedo para falar sobre essas matérias. É natural que diferentes personalidades, diferentes militantes ou dirigentes se afirmem no PS. Mas isso também não põe em causa a coesão do partido naquilo que é essencial e o foco do partido na concretização do programa do Governo.
O secretário-geral do PS deve ser sempre primeiro-ministro e o primeiro-ministro deve ser sempre secretário-geral do PS?
Até agora, essa tem sido essencialmente a prática no PS. Mas já houve vários momentos em que o PS, por motivos vários, inovou. Por exemplo, quando decidiu, na altura com o secretário-geral António José Seguro, convocar eleições primárias para a escolha do candidato a primeiro-ministro. Veremos no futuro.
É uma inovação que pode ser adoptada?
Não, estou apenas a dizer que não é o momento nem de excluir cenários, mas também não é o momento de pôr esses cenários em cima da mesa.
Fernando Medina já explicou tudo o que tinha a explicar sobre o caso TAP/Alexandra Reis?
Fernando Medina não está mesmo directamente implicado nesta situação. Não era sequer membro do Governo quando esta indemnização se consumou.
Nomeou-a também para a NAV.
Considero que uma determinada narrativa, uma determinada mensagem política que tem circulado em espaços como as redes sociais a criticar Fernando Medina insidiosamente, até envolvendo questões familiares, é absolutamente inaceitável.
Estou a falar de o PS ter chumbado a audição do ministro das Finanças sobre este caso.
Esse caso está absolutamente ultrapassado e é preciso conhecer a dinâmica da responsabilidade do Ministério das Finanças neste tipo de organizações ou neste tipo de empresas. Tendencialmente, a liderança de determinado tipo de organizações é uma competência mais própria da tutela sectorial e não da tutela financeira. O caso está essencialmente ultrapassado. As tentativas de colocar Fernando Medina como o responsável pela indemnização são manifestamente inaceitáveis, até com pormenores e detalhes insidiosos absolutamente lamentáveis.
Já não são só as oposições que consideram que Fernando Medina deve dar explicações, nomeadamente sobre como é que conheceu a secretária de Estado do Tesouro, porque é que a nomeou, quem é que os apresentou. Também o PS pede explicações.
Percebo que a oposição esteja muito focada em tentar fragilizar o Governo. Aliás, a oposição no nosso país está unicamente focada na crítica pela crítica, numa estratégia de bota-abaixismo e não na apresentação de uma propositura política para o país. A moção de censura apresentada pela Iniciativa Liberal é mesmo o melhor reflexo da irresponsabilidade e da inconsequência na política. Compreendo que os partidos políticos, à falta de capacidade para apresentar soluções alternativas para o país, tentem explorar esta circunstância. Mas estão a ir longe demais.
Não é um sinal de arrogância por parte da maioria socialista considerar que não é preciso dar mais explicações quando é o próprio PS que ainda tem dúvidas?
Se me pergunta sobre a indemnização que Alexandra Reis recebeu da TAP, não deixo de rotular essa indemnização como sendo chocante.
Pergunto sobre as circunstâncias em que ela vai para o Governo.
Se há exemplo de uma circunstância em que o Governo teve uma acção pronta, foi mesmo esta.
Foi noticiado no sábado, na segunda-feira a secretária de Estado faz uma declaração à Lusa a dizer que estava tudo regular.
E na terça-feira o ministro convida-a a demitir-se. E porque é que aconteceu? Porque, em primeiro lugar, o Governo pediu esclarecimentos à TAP, assim que recebeu a resposta, foram retiradas as responsabilidades políticas decorrentes.
Vamos esquecer a indemnização e a própria rescisão. Não há necessidade de Fernando Medina explicar como é que conhece aquela pessoa? O Partido Socialista está a pedir também estas explicações.
Não sei como avaliar esta situação, esquecendo a indemnização. A indemnização é que gerou uma certa revolta na sociedade, que conduziu a todo este processo. Sabemos que Fernando Medina não tinha conhecimento dessa indemnização, que a ex-secretária de Estado do Tesouro tinha um currículo muito expressivo e foi considerada um elemento válido para integrar o Governo.
E não há lições a tirar sobre toda esta crise e esta sucessão de crises no Governo por falta de coordenação?
Estes casos não resultam de falta de coordenação política.
Então derivam de quê? De haver uma falta de escrutínio de quem vai para o Governo?
Não necessariamente de uma falta de escrutínio. Podemos aqui debater, em tese, se no futuro as democracias não devem proteger-se pensando em mecanismos de vetting ou mecanismos reforçados. Acho que é uma reflexão que manifestamente temos de fazer. Não para agora, não para o imediato, mas acho que sim. Acho que temos vantagem.
Esses mecanismos de transparência que existem noutros países e com uma configuração diferente podem ser considerados para o nosso país. Tudo aquilo que reforçar e transparência, o sentimento de confiança dos portugueses nos seus governantes pode ou deve ser encarado como um elemento positivo.
É um risco António Costa ter escolhido para ministro João Galamba, uma vez que o novo ministro está desde 2020 a ser investigado pelo Ministério Público por causa do hidrogénio verde?
O princípio fundamental que preside a esta remodelação é o princípio da estabilidade das políticas. Não considero minimamente que João Galamba não tenha condições para integrar o Governo. Será um excelente ministro das Infra-Estruturas, como foi um excelente secretário de Estado da Energia.
E se for acusado?
Cada caso é um caso.
Miguel Alves foi acusado e saiu imediatamente.
Não devemos criar especulações sobre essa matéria.
O PS não entende que haja aqui uma perseguição judicial a elementos do Partido Socialista, fora e dentro do Governo?
Não, o PS não radica a sua acção política com base em teses de cabalas.
A moção de censura debatida nesta quinta-feira vai servir para arrumar a casa após as mexidas no Governo?
Esta moção de censura é irresponsável e inconsequente. Os portugueses desejam estabilidade política, votaram pela estabilidade política. É uma moção de censura inconsequente porque é apresentada por um partido que está a atravessar um processo de clarificação interna.
É, aliás, um partido que é muitas vezes mais um golpe de marketing do que uma formação político-partidária. O próprio maior partido da oposição não acompanha essa moção de censura. É apenas e só sintoma de disputa do espaço político da oposição à direita no Parlamento e no país.