Os parasitas e o bebé
Muito inteligente, e até muito conseguido, lamentamos no entanto em Broker, de Hirokazu Kore-eda, o calculismo de uma espécie de “esperanto” industrial a prevalecer.
Ninguém sabe, mas é altamente provável que o Hirokazu Kore-eda de Ninguém Sabe (o filme da sua revelação internacional, há quase vinte anos) não volte mais — nem aquela violência, aquela dureza, que o levou, nesse filme, assinar alguns dos momentos de cinema mais alucinantes de toda a produção dos anos 2000 (aquelas cenas com crianças abandonadas e o barulho infernal dos aviões a caminho da pista do aeroporto). Sem mudar muito, tematicamente, o cinema de Kore-eda perdeu isso, tornou-se mais confortável, mais premiável. Donde, a ambivalência com que acolhemos Broker, filme cheio de inteligência e cheio de savoir faire, que prolonga as preocupações de Kore-eda (famílias “extraordinárias”, por oposição a famílias “tradicionais”, e as questões de classe, a partir de uma sobrevivência na margem da lei para os mais desfavorecidos), ao mesmo tempo que mostra a sua capacidade de adaptação (trata-se de um filme feito na Coreia, na facção de “prestígio” da florescente indústria coreana, a mesma que deu Parasitas e onde se move Bong Joon-Ho). Mas pode-se perguntar se, em Broker, se vê mais Kore-eda ou mais produção de prestígio da indústria coreana, e a resposta a essa pergunta é o ponto central da ambivalência, porque Koreeda adapta-se tão bem (ou tão mal) que ao longo do visionamento temos que fazer um esforço periódico para nos lembrarmos que estamos a ver um filme dele e não, por exemplo, de Bong Joon-Ho (a presença, como protagonista masculino, de Song Kang-Ho, um dos principais actores de Parasitas, facilita isto, ou complica isto).
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