Cientistas aplicam programa de treino a pacientes psiquiátricos crónicos
O programa desenvolvido por investigadores de Coimbra e da Madeira contribuiu para o desenvolvimento cognitivo e motor dos doentes.
Um programa de treino cognitivo computorizado, composto por actividades cognitivas e motoras, foi desenvolvido por investigadores das universidades de Coimbra e da Madeira e aplicado a pacientes psiquiátricos crónicos, residentes em unidades de longo internamento.
O programa de treino "revelou ter impactos positivos em indicadores cognitivos, tais como velocidade de processamento, atenção sustentada por curtos períodos de tempo e memória verbal, como também em indicadores não cognitivos, como diminuição da sintomatologia depressiva", acordo com um comunicado de imprensa da Universidade de Coimbra.
Denominado, em inglês, full-body interaction cognitive training, o programa constou de 14 sessões, de 30 minutos cada, administradas três vezes por semana a 18 participantes, todas mulheres, com quadros clínicos psiquiátricos de esquizofrenia, perturbação depressiva e bipolar.
"Uma parte do grupo de pacientes frequentou o programa em formato de intervenção combinada (mais dinâmico), no qual o conteúdo do treino cognitivo foi projectado numa parede com os participantes a resolverem tarefas através da realização de movimentos detectados por Kinect [um sensor de movimentos desenvolvido para consolas de jogos]. O restante grupo frequentou o programa de treino considerado mais passivo, em que os participantes resolveram as tarefas de treino cognitivo num tablet", adianta o comunicado.
A equipa de investigação, coordenada pelo Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra e pelo NeuroRehabLab da Universidade da Madeira, avaliou indicadores cognitivos e não cognitivos.
Os investigadores procuraram "avaliar a viabilidade e a aceitabilidade do programa, assim como analisar o seu impacto em indicadores cognitivos (por exemplo, atenção, memória, funções executivas) e não cognitivos (como qualidade de vida, capacidade funcional e estado emocional)", explicou, citada no comunicado, Joana Câmara, investigadora do CINEICC, estudante de doutoramento e primeira autora do estudo publicado na revista Games for Health Journal.
"Até à data, são ainda escassos os estudos científicos que avaliam o impacto de intervenções combinadas com enfoque funcional em população psiquiátrica, sendo este um tema inovador no processo de intervenção terapêutica nestes quadros clínicos", elucidou a investigadora. “Mais de um quinto dos portugueses (22,9%) apresenta uma patologia psiquiátrica, número que seguramente tem vindo a crescer desde a pandemia”, contextualizou ainda Joana Câmara, tendo em conta os resultados do Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental.
Tarefas reais do quotidiano
O estudo foi desenvolvido com recurso a uma plataforma computadorizada que permite a personalização em função das características do utilizador.
As sessões do programa, esclarece o comunicado, "foram organizadas por temáticas funcionais distintas, com o objectivo de aproximar as tarefas de treino cognitivo a acções que as pessoas têm de realizar na vida real", como a comunicação funcional, o uso de transportes públicos, confecção de refeições, ida às compras, a gestão financeira e a gestão de questões relacionadas com a saúde.
Depois de realizarem as 14 sessões, as participantes foram acompanhadas logo de seguida e também passados três meses: "No acompanhamento após as sessões, foi possível atestar a viabilidade e aceitabilidade do programa, bem como níveis elevados de satisfação na sequência da intervenção", explicou Joana Câmara.
Sobre os impactos do estudo, a investigadora defendeu que "futuramente, seria importante replicá-lo com uma amostra mais alargada, que incluísse participantes de ambos os sexos, por forma a clarificar qual destas abordagens/formatos de implementação é mais eficaz".