Partidos da oposição põem fim ao “governo interino” de Guaidó
Votação na Assembleia Nacional expôs as fortes divisões no seio do movimento de oposição a Nicolás Maduro.
Os partidos da oposição venezuelana decidiram extinguir o “governo interino” que era liderado desde 2019 por Juan Guaidó. A votação que decorreu na sexta-feira representa o culminar de um processo de divisão interna entre os partidos oposicionistas e a queda da experiência protagonizada por Guaidó.
A eliminação do governo interino foi decidida com 78 votos a favor, 29 contra e oito abstenções dos deputados dos partidos da oposição com assento na Assembleia Nacional – órgão onde desde 2015 a oposição a Nicolás Maduro tem maioria, mas que perdeu praticamente todos os seus poderes efectivos e não é reconhecida pelo Governo chavista.
Em seu lugar foi estabelecida uma comissão com “competências especiais para promover a transição para a democracia e a protecção dos activos do Estado”, de acordo com o diploma aprovado. A reforma prevê que o parlamento opositor crie um Conselho de Protecção de Activos “nos Estados Unidos, Portugal e Inglaterra”, entre outros países, nomeie juntas de direcção para o Banco Central da Venezuela e para a empresa petrolífera estatal Petróleos de Venezuela SA (PDVSA), ou representantes no estrangeiro e em organismos multilaterais.
A proposta foi apoiada por três dos partidos que compõem a frente oposicionista – Primeiro Justiça, Acção Democrática e Um Novo Tempo – num claro rompimento com o Vontade Popular, partido basilar do movimento anti-chavista a que pertence Guaidó e Leopoldo López.
Os deputados apoiantes de Guaidó criticaram a opção dos restantes partidos e avisaram que se trata de um reconhecimento da autoridade de Maduro. “Aqui impuseram-se os interesses partidários de alguns, em vez do interesse nacional”, declarou o deputado do Vontade Popular, Freddy Guevara, citado pelo El País.
Há muito que as relações no seio da oposição venezuelana apresentavam sinais de degradação, sobretudo por causa do reconhecimento de que a experiência de Guaidó pouco fez para alterar as dinâmicas políticas no país sul-americano. Em Janeiro de 2019, Guaidó, então um jovem político pouco conhecido que acabava de assumir a presidência da Assembleia Nacional, declarou ilegal o Governo de Nicolás Maduro e, com o apoio dos partidos opositores, formou um governo paralelo consigo na presidência.
Sem poder real, mas com uma forte carga simbólica, os primeiros tempos do governo interino foram de algum entusiasmo por ser visto como um possível ponto de viragem no embate contra o regime chavista, acusado de governar de forma autocrática e de perseguir os seus críticos. A face mais visível do sucesso dos opositores venezuelanos foi o reconhecimento de Guaidó como presidente legítimo por dezenas de países, incluindo os EUA, a União Europeia e vários sul-americanos.
No entanto, a ausência de qualquer progresso efectivo e episódios como o da tentativa de organizar um golpe para derrubar o Governo chavista que não recebeu qualquer apoio, em Abril de 2019, cimentaram a ideia de que o modelo de Guaidó estava destinado a falhar.
A viragem à esquerda em vários países sul-americanos nos últimos anos, tal como a derrota de Donald Trump nos EUA, também veio tornar o contexto internacional mais adverso às pretensões da oposição venezuelana que contavam com o alinhamento de governos conservadores a nível regional até há bem pouco tempo.
O deputado do Primeiro Justiça, Juan Miguel Matheus, disse que o fim do governo interino “estabelece o cimento de uma nova etapa na luta pela democracia” na Venezuela. Em Novembro a oposição e o Governo de Maduro retomaram as negociações para delinear os moldes em que vão decorrer as eleições presidenciais de 2024. Os partidos oposicionistas querem abandonar a estratégia de boicotes eleitorais e vão organizar eleições primárias para que seja escolhido um candidato de unidade – Guaidó deverá figurar entes os candidatos.