Um milhão de espécies de animais em risco de extinção: George, Martha e Ben são parte da história

Dodo, Toughie, Martha, Ben e Lonesome George são os últimos da sua espécie e fazem parte de uma história maior que a deles: uma sexta extinção em massa que o planeta atravessa.

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Lonesome George morreu em 2012, com cerca de 100 anos Reuters

A natureza está em crise e a situação só piora. Enquanto a biodiversidade desaparece a um ritmo sem precedentes nos últimos 10 milhões de anos, mais de um milhão de espécies estão, actualmente, à beira do colapso.

Os seres humanos estão a conduzir esta crise de extinção com múltiplas acções que destroem habitats de animais, poluem a natureza e alimentam o aquecimento global, dizem os cientistas. Um novo acordo global para proteger a natureza, fechado a 19 de Dezembro, tem potencial para ajudar, e os cientistas estão a encorajar as nações do mundo a assegurar que este seja um sucesso.

Quando uma espécie animal se perde, desaparece juntamente com ela todo um sistema vivo – genes, comportamentos, actividades e interacções com outras plantas e animais que podem ter levado milhares ou milhões – ou mesmo milhares de milhões – de anos a evoluir.

O papel que as espécies desempenharam dentro de um ecossistema também se perde, quer seja polinizar certas plantas, agitar nutrientes no solo, fertilizar florestas, manter outras populações animais sob controlo, entre outros. Se essa função foi crucial para a saúde de um ecossistema, o desaparecimento dos animais pode provocar a transformação de uma paisagem.

É o caso das "espécies fundadoras" que desempenham um papel fundamental na estruturação de comunidades, tais como os corais, ou "espécies-chave", como os castores, que têm um grande impacto nos seus ambientes, em relação ao seu número. Se se perderem demasiadas espécies, os resultados podem ser catastróficos, levando um sistema ao colapso.

Desaparecidos para sempre

Nos últimos cinco séculos, centenas de animais únicos desapareceram em todo o mundo, tais como Dodo, um pássaro incapaz de voar, que terá sido extinto na ilha Maurícia no final dos anos 1600.

Em muitos casos, a culpa foi dos humanos, primeiro pela pesca ou caça – como foi o caso da subespécie de zebra quagga da África do Sul, caçada até ao seu fim nos últimos anos do século XIX – e, mais recentemente, através de actividades que poluem, perturbam ou tomam conta de habitats selvagens.

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Registos da zebra quagga são praticamente inexistentes Internet Archive

Antes da extinção de uma espécie, esta pode ser considerada "funcionalmente extinta" – não restando indivíduos suficientes para garantir a sobrevivência da espécie. As extinções mais recentes permitiram aos seres humanos interagir com os últimos indivíduos conhecidos de algumas espécies, os "endlings". Quando se vão, é o fim dessas linhas evolutivas – como aconteceu em vários casos que se tornaram icónicos.

"Toughie" foi o último indivíduo conhecido dos sapos de árvore com franjas dos Rabbs (Ecnomiohyla rabborum). Todos os seus exemplares tinham sido dizimados por fungos quitrídios na natureza no Panamá, à excepção de algumas dezenas. No Jardim Botânico de Atlanta, onde vivia, Toughie estava a chamar em vão por um companheiro que não existia. Ele morreu em 2016.

A história do pombo-passageiro "Martha" é uma história de prudência para a conservação: nos anos 1850 ainda existiam milhões de pombos-passageiros, mas acabaram por ser caçados até à extinção, pois as medidas de conservação só foram tomadas depois de a espécie ter passado um ponto sem retorno. Martha, a última, morreu em 1914 no Jardim Zoológico de Cincinnati.

"Lonesome George" ("George Solitário", em português), encontrado em 1971, foi a última tartaruga da Ilha Pinta do Equador. A partir do século XVII, cerca de 200 mil indivíduos foram caçados pela sua carne. Mais tarde, tiveram de lutar para competir por comida depois de as cabras terem sido trazidas para a ilha na década de 1950. Os cientistas tentaram salvar a espécie, através da criação em cativeiro, antes da morte de George em 2012.

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Lonesome George morreu em 2012, com cerca de 100 anos Reuters

"Ben" ou "Benjamin" foi o último lobo-da-tasmânia conhecido no mundo, um carnívoro marsupial também conhecido como o tigre-da-tasmânia. Este animal recebeu o estatuto de protecção apenas dois meses antes da morte de Benjamin em 1936 no Jardim Zoológico de Beaumaris, na Tasmânia.

À beira da extinção

Há algumas espécies que, em breve, poderão ser reduzidas aos seus próprios endlings. A toninha mais pequena do mundo – a vaquita mexicana em perigo crítico – está reduzida a apenas 18 indivíduos na natureza, uma vez que as populações têm sido devastadas por redes de pesca.

A subespécie de rinoceronte-branco do Norte, o segundo maior mamífero terrestre depois dos elefantes, não tem qualquer esperança de recuperação após a morte do último macho em 2018. Resta apenas uma fêmea e a sua filha.

Estas histórias de endlings são importantes, segundo os cientistas, precisamente porque tantas extinções acontecem longe da vista.

"Algures no centro da nossa humanidade, reconhecemos estas criaturas, estamos tocados pela sua história, e sentimos compaixão – e talvez também uma compulsão moral – para ajudar", afirma Paula Ehrlich, presidente e diretora-executiva da E.O. Wilson Biodiversity Foundation.

O rinoceronte-branco do Norte não é apenas uma parte do mundo, diz Paula Ehrlich. É um mundo por si só – o seu próprio ecossistema – ceifando campos através do pastoreio, fertilizando terras onde caminha e tendo insectos na pele, dos quais as aves se alimentam depois.

"Compreender tudo o que um animal é e faz pelo mundo ajuda-nos a compreender que também nós fazemos parte da natureza – e precisamos da natureza para sobreviver", remata Ehrlich.

Extinção ao longo do tempo

Ao contrário dos endlings, a maioria das espécies simplesmente desvanece da natureza sem que ninguém repare.

Os cientistas contam 881 espécies animais como tendo sido extintas desde cerca de 1500, datando dos primeiros registos mantidos pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) – a autoridade científica global sobre o estatuto da natureza e da vida selvagem. É, contudo, uma estimativa extremamente conservadora da extinção de espécies ao longo dos últimos cinco séculos, uma vez que representa apenas os casos resolvidos com um elevado grau de certeza.

Se incluirmos espécies de animais que os cientistas suspeitam que possam estar extintas, esse número dispara até 1473. A fasquia é alta para declarar uma espécie extinta – uma tarefa difícil que os cientistas já estão relutantes em fazer.

"É difícil provar o negativo, provar que não se consegue encontrar [a espécie]", afirma Sean O'Brien, um ecologista que dirige a organização sem fins lucrativos NatureServe, que trabalha para estabelecer dados definitivos sobre espécies norte-americanas. "E é emotivo. Um botânico não quer declará-la extinta porque se sente um fracasso.”

Entre os vertebrados terrestres, ou animais terrestres com espinha dorsal, 322 espécies foram declaradas extintas desde 1500. Acrescente-se o número de espécies possivelmente extintas e a contagem ascende a 573.

Para os anfíbios que gostam de humidade, vulneráveis tanto à poluição como à seca, as coisas parecem particularmente sombrias, com a taxa de extinção a aumentar ao longo das últimas décadas.

Apenas 37 espécies foram declaradas extintas com um elevado grau de certeza desde 1500. Mas os cientistas suspeitam que mais de 100 outras tenham desaparecido nos últimos 30 a 40 anos, de acordo com um estudo de 2015 na revista Science Advances.

Os últimos avistamentos registados aumentam com o tempo, especialmente a partir de meados do século XIX, início da Revolução Industrial. Isto mostra que os animais têm estado em perigo crescente, mas também que o nosso conhecimento da natureza tem melhorado à medida que estudamos e pesquisamos mais espécies.

Há muitas espécies notáveis entre as que desapareceram desde 1500. O dodó foi visto pela última vez em 1662, 65 anos depois de ter sido registado pela primeira vez. A tartaruga da Ilha Pinta foi vista pela última vez na natureza em 1972.

Alguns desaparecimentos inspiraram o clamor do público, como a declaração de extinção de 2016 para a minúscula espécie de morcego-pipistrela da Ilha do Natal, vista pela última vez em 2009. Foi a primeira extinção de mamíferos registada na Austrália em 50 anos.

Perder centenas de espécies ao longo de cerca de 500 anos pode não parecer significativo quando ainda existem milhões delas a viver no planeta. Mas a velocidade a que as espécies estão agora a desaparecer é sem precedentes nos últimos 10 milhões de anos.

"Estamos a perder espécies agora mais depressa do que elas podem evoluir", nota Sean O'Brien.

Uma sexta extinção em massa

Muitos animais foram extintos naturalmente ou devido a causas não relacionadas com a actividade humana. Num ambiente saudável, à medida que as espécies morrem naturalmente, novas espécies evoluem – e é mantido um equilíbrio evolutivo.

Esta rotação depende do que os cientistas consideram uma taxa de extinção normal ou de fundo. Mas, quando a taxa de extinção salta tão alto que mais de 75% das espécies do mundo se extinguem num período de tempo relativamente curto de menos de dois milhões de anos, isso é considerado um evento de extinção em massa.

Extinções em massa aconteceram cinco vezes nos últimos meio milhar de milhões de anos, algo que sabemos através do estudo do registo fóssil da Terra – com camadas sobre camadas de sedimentos onde ficam enterrados os restos de animais ao longo do tempo. Quando é encontrada uma camada com um grande e diverso número de animais, os cientistas podem ver que ocorreu um extermínio em massa.

Os cientistas avisam-nos que entrámos numa sexta extinção em massa.

Sob um cenário de extinção normal, teria demorado de 800 a 10 mil anos para o elevado número de extinções de vertebrados que vimos no século passado, de acordo com o artigo de 2015 do Science Advances.

"Apesar dos nossos melhores esforços, ainda é estimado que a taxa de extinção seja mil vezes mais elevada do que antes da entrada em cena dos seres humanos", afirma Paula Ehrlich. "A este ritmo, metade terá desaparecido até ao final do século.”

Animais desconhecidos podem estar sob ameaça

Por muito mau que pareça, os cientistas dizem que a realidade é, provavelmente, ainda pior. Olhar apenas para a extinção de espécies não dá o quadro completo, em parte porque os cientistas são conservadores em dizer que uma espécie desapareceu. Por exemplo, embora Toughie fosse o último indivíduo conhecido da sua espécie, a IUCN ainda a enumera como "criticamente ameaçada, possivelmente extinta".

Mais importante ainda, existe um vasto reservatório de espécies que ainda estão por descobrir. Os cientistas já identificaram cerca de 1,2 milhões de espécies no mundo, mas estimam que existam cerca de 8,7 milhões. Isso deixa cerca de 7,5 milhões de espécies que pensamos estarem por aí, mas sobre as quais nada sabemos – incluindo se estão ou não em perigo.

"Sabendo o que fazemos acerca do impacto das alterações climáticas e da perda de habitat, é difícil imaginar que milhares, se não milhões, de espécies não estejam em vias de extinção neste momento", comenta Sean O'Brien.

Conservação é motivo de esperança

A IUCN utiliza uma série de categorias para descrever o estado de uma espécie, como forma de identificar quais estão em perigo e quando ajudar. Mas o facto de uma espécie estar listada como "menos preocupante" ou "quase ameaçada" não significa que as suas populações estejam estáveis.

Os leões africanos, por exemplo, foram listados durante décadas como "vulneráveis", mas o seu número caiu 43% em 1993-2014, quando os últimos dados populacionais estavam disponíveis. Os dugongos, mamíferos marinhos gorduchos também conhecidos como vacas marinhas, estão listados globalmente como "vulneráveis" mesmo quando as suas populações em declínio na África Oriental e Nova Caledónia foram actualizadas para "em perigo" em Dezembro.

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O dugongo pode estar funcionalmente extinto em vários locais do mundo Reuters

O declínio de uma ou mais populações de uma espécie pode marcar o início de uma tendência para a extinção.

Por mais séria que a situação possa parecer à escala global, há razões para se ter esperança. O recentemente adoptado Quadro Global de Biodiversidade de Kunming, Montreal, em Dezembro, irá orientar os esforços globais de conservação ao longo da década até 2030. Entre outras coisas, o acordo prevê colocar 30% das áreas terrestres e marinhas do planeta sob protecção até ao final da década.

"É tão esmagador pensar que existem estas espécies mesmo no limite", admite O'Brien. "Mas depois os conservacionistas com quem trabalho lembram-me o quanto as pessoas se preocupam".

Entre 1993 e 2020, medidas de conservação como a restauração de habitats ou a reprodução em cativeiro ajudaram a evitar a extinção de até 32 espécies de aves e até 16 mamíferos em todo o mundo, de acordo com estimativas conservadoras num estudo publicado na revista Conservation Letters em 2020.

"A ciência está a democratizar a informação para que cada país saiba o que precisa de fazer e onde", diz Paula Ehrlich da Fundação Wilson, que trabalha para identificar os melhores locais do mundo para proteger a biodiversidade e dar prioridade à natureza. Antes do seu falecimento, no ano passado, o biólogo Edward O. Wilson defendeu a colocação de metade do planeta sob conservação e estimou que isso poderia poupar 85% das espécies do mundo.

"Nós precisamos humildemente de fazer o melhor que pudermos para as proteger agora", conclui Ehrlich. "Compreendemos mais sobre a complexa teia de vida que sustenta a natureza – e nós, como parte da natureza.”