De um cogumelo “real” ao maior nenúfar do mundo, as dez novas espécies de 2022
O jardim Kew Gardens, em Londres, fez o top dez das espécies de plantas e fungos descobertas este ano. Mas muitas já estão ameaçadas de extinção.
Todos os anos descobrem-se novas espécies de seres vivos, que causam surpresa e deslumbram os cientistas. Este ano não é excepção. Há uns dias o jardim botânico Kew Gardens, em Londres, divulgou o top dez das novas espécies de plantas e fungos de 2022. O primeiro lugar foi para ouriço-da-Rainha, um fungo apenas existente no Reino Unido. A lista também conta com um nenúfar gigante, uma planta já extinta e uma árvore da Mata Atlântica, na América do Sul, que só se conhecem três indivíduos adultos.
Ao todo, o Kew Gardens e os seus parceiros deram nome a 90 plantas e 24 fungos novos para a ciência este ano. Agora, a lista “lança luz sobre as maravilhas, as complexidades e as raridades do mundo natural”, lê-se no comunicado daquela instituição.
Estima-se que duas em cada cinco espécies de plantas estejam em risco de extinção e muitas das que foram agora descobertas são extremamente raras, reflectindo assim o panorama que se vive por todo o planeta. Isto mostra “a necessidade de acelerar o rácio com que se fazem novas descobertas”, adianta Martin Cheek, investigador sénior e líder da equipa de África do Kew Gardens. “Não podemos parar a crise da biodiversidade a não ser que saibamos exactamente o que é que estamos a salvar e aonde”, defende, citado no comunicado.
O caso dos fungos ainda é mais flagrante. “Foi estimado que mais de dois milhões de espécies de fungos, ou seja mais de 90% de todos os fungos, estão por ser descritos”, revela Tuula Niskanen, investigadora líder da equipa que se dedica à sistemática e diversidade dos fungos no Kew Gardens.
A micóloga explica que os fungos, ao contrário das plantas e dos animais, desenvolvem-se muitas vezes longe dos olhos humanos, o que tem dificultado a identificação de novas espécies, mesmo aquelas que são comuns. “Apenas nas últimas décadas, graças à chegada de métodos baseados na detecção de ADN, começámos a compreender a verdadeira diversidade deste reino”, afirma.
Apresentemos agora a lista das dez espécies escolhidas pelo Kew Gardens:
1- Isabel II homenageada no nome de um novo cogumelo britânico
O Hydnum reginae é um cogumelo conspícuo que pode chegar aos 15 centímetros de diâmetro e habita a antiga floresta de faias de White Down, situada no condado de Surrey, no Sudeste de Inglaterra.
Até agora, pensava-se que aqueles indivíduos faziam parte da espécie Hydnum albidum, da América do Norte. Mas um novo estudo genético mostrou que os exemplares americanos pertencem a uma espécie distinta.
Por isso, os cogumelos ingleses passaram a pertencer a uma nova espécie e ganharam o nome "reginae", rainha em latim, em honra de Isabel II. O nome comum foi a continuação dessa homenagem: ouriço-da-Rainha. A anatomia da espécie justificou o nome "ouriço": por baixo do chapéu do cogumelo, há espículas macias de cor branca, que fazem lembrar os picos do ouriço, em vez das mais costumeiras lâminas.
2- Carpotroche caceresiae, uma árvore com o nome de uma activista das Honduras
Berta Cáceres foi uma activista ambiental que lutou durante anos contra a construção da barragem no rio Gualcarque, no Noroeste das Honduras. Em 2016, a activista foi assassinada, integrando a lista de 123 activistas ambientais mortos nas Honduras entre 2009 e 2016.
Agora, uma árvore descoberta numa floresta tropical na Nicarágua e nas Honduras ganhou o nome de Cáceres, em memória da activista, que em 2015, um ano antes da sua morte, tinha sido galardoada com o Prémio Goldman pelo Ambiente.
A Carpotroche caceresiae atinge os 15 metros de altura. No seu tronco principal nascem flores brancas, com dois centímetros de diâmetro e forma de estrela. Depois, crescem frutos de cor verde-lima, constituídos por cinco abas e com protuberâncias entre essas abas.
O estatuto de conservação da árvore é de quase ameaçada de extinção.
3- O maior nenúfar do mundo
Com 3,3 metros de diâmetro, a Victoria boliviana sobe ao estatuto de maior nenúfar gigante do mundo. Ao todo, são agora três as plantas aquáticas que pertencem ao género Victoria, todas da América do Sul: a Victoria amazonica, que atinge três metros de diâmetro, a Victoria cruziana, que atinge um metro de diâmetro, e agora a recém-descoberta V. boliviana.
A V. boliviana está confinada às zonas húmidas da parte boliviana da floresta amazónica. A sua forma, tamanho, as flores e as sementes são diferentes das duas outras espécies, descritas no século XIX.
Apesar de só agora se ter identificado esta nova espécie, o Kew Gardens tinha guardado um exemplar desidratado no seu herbário há mais de 170 anos. A espécie está em risco de extinção com o estatuto de vulnerável.
4- Uma planta ameaçada pelos dejectos de pombos
A maioria das espécies do género Gomphostemma ocorrem em florestas da Índia, da China até ao Sul da Malásia. Mas todos os indivíduos encontrados da Gomphostemma phetchaburiense, uma espécie descoberta este ano, vivem num único lugar: um habitat seco, à entrada de uma gruta de calcário.
A nova espécie cresce até aos 50 centímetros de altura e tem flores de cor rosa e roxa. Os cientistas descobriram apenas 50 indivíduos desta planta. Aparentemente, são os dejectos lançados por uma colónia de pombos que estão a ameaçar a sobrevivência da planta. Por isso, ela está em perigo crítico. Ou seja, muito perto da extinção.
As plantas deste género são conhecidas por terem diversos usos medicinais, como para o tratamento da malária, da tuberculose, das mordeduras de insectos, para o alívio da fadiga e contra os abcessos. Não se sabe que potencial médico terá a nova espécie.
5- A recém-descoberta, mas recém-extinta Saxicolella denisea
A Saxicolella denisea foi pela primeira vez apanhada em 2018. Esta planta vivia no rio Konkouré, na Guiné, e foi encontrada numas das suas cascatas. A espécie faz parte de um grupo de plantas adaptadas à vida nos rios, que crescem em rochas em quedas de água e cascatas, num ambiente aquático rico em oxigénio.
Muitas vezes, estas espécies restringem-se a um ou outro rio e são facilmente extintas se as condições mudarem, como quando se constroem barragens que alteram por completo o curso de água. Nas últimas décadas, várias espécies têm desaparecido por causa destas alterações.
Foi isso que aconteceu com a Saxicolella denisea (cujo nome homenageia Denise Molmou, que colheu o espécime que permitiu fazer a identificação). A planta tornou-se globalmente extinta, provavelmente em 2021, depois de se construir uma barragem 30 quilómetros mais abaixo do local onde a planta tinha sido encontrada.
6- Um narciso-de-Inverno misterioso
A Sternbergia mishustinii, uma espécie de narciso-de-Inverno, ocorre perto de Mersin, no Sul da Turquia, num lugar secreto. Conhecem-se menos de 300 indivíduos. Apesar de ser uma planta nova para a ciência, já se encontra em perigo crítico de extinção.
A história da sua descoberta tem, contudo, algumas décadas. Ruslan Mishustin, um naturalista ucraniano da Universidade Estatal de Kherson apanhou sementes da Sternbergia mishustinii em 1997. Estas sementes só rebentaram e deram flor quatro anos depois. Nessa altura, compreendeu-se que a espécie era um narciso-de-Inverno, mas foram necessários vários anos de observação para se concluir que se tratava de uma espécie nova, cujo nome agora homenageia o naturalista ucraniano.
A nova planta tem flores amarelas, com apenas dois centímetros, que saem do chão entre Outubro e Novembro.
7- Um novo cogumelo descoberto no Mediterrâneo
Este é mais um caso em que a análise genética ajudou a identificar uma nova espécie, o Cyanoboletus mediterraneensis. Este cogumelo do tipo boleto foi descoberto no Norte de Israel e na ilha da Sardenha, na Itália.
Este tipo de cogumelo foi encontrado pela primeira vez em 2012. Mas, devido à sua morfologia, pensava-se que os indivíduos pertenciam à espécie Cyanoboletus pulverulentus, que habita as regiões temperadas da Europa. No entanto, a análise genética permitiu identificar os novos indivíduos como uma espécie autónoma.
O cogumelo cresce no carvalho da espécie Quercus calliprinos. A parte superior do chapéu é castanha e o resto do cogumelo é amarelo.
8- Alegria-do-lar presta homenagem aos defensores da floresta Ebo
A Impatients banen é uma nova espécie de alegria-do-lar e foi descoberta em cúpulas de granito no meio da floresta tropical Ebo, nos Camarões, na África Central. Os indivíduos desta espécie medem entre 10 e 60 centímetros e têm uma flor com duas cores: magenta e branca.
O nome da espécie presta homenagem aos Banen, que defenderam a floresta Ebo e fizeram protestos para a sua protecção. Em Agosto de 2020 foi obtida uma vitória: as concessões para a indústria madeireira foram suspensas. No entanto, a floresta continua ameaçada e ainda está muito pouco estudada a nível da sua biodiversidade.
9- Descoberta a parente mais próxima da batata-doce
A ancestralidade da batata-doce (Ipomoea batata) era um mistério. Esta espécie vegetal, da América, tem um valor agrícola muito importante. A nível genético, ela é conhecida por ser hexaplóide, isto significa que tem seis séries de cromossomas. Os humanos, por exemplo, têm apenas duas séries de cromossomas, são diplóides.
No mundo vegetal, este tipo de repetições de cromossomas é comum. Há alguns anos descobriu-se um parente evolutivo da batata-doce, a Ipomoea trífida. Mas esta espécie tinha apenas duas séries de cromossomas, portanto era um diplóide. Agora, Robert Scotland, um investigador da Universidade de Oxford descobriu a Ipomoea aequatoriensis, uma planta vinda do Equador.
Esta planta é tetraplóide – tem quatro séries de cromossomas – e parece ser a parente mais próxima da batata-doce. A espécie é comum e habita a região costeira do Equador. A descoberta “pode levar à criação de linhagens melhoradas de batata-doce, benéficas para a humanidade”, adianta o comunicado.
10- Uma nova árvore rara da Mata Atlântica
Antes da chegada dos portugueses à América do Sul, a Mata Atlântica estendia-se por uma grande parte do território que hoje é o Brasil. Agora, resta apenas 7% da sua área original. Num dos últimos fragmentos desta floresta, no estado de São Paulo, encontrou-se uma espécie nova de árvore parente da pitangueira, a Eugenia paranapanemensis.
A espécie pode atingir os 27 metros de altura e produz frutos amarelos-alaranjados. No entanto, os investigadores só descobriram três indivíduos adultos naquele local. Por isso, a Eugenia paranapanemensis foi considerada em perigo crítico de extinção.