Furacões, cheias e secas: as dez maiores e mais caras catástrofes climáticas de 2022
Com a mudança do clima a trazer mais desastres naturais, os países mais vulneráveis pedem um fundo para perdas e danos. A Christian Aid fez as contas aos dez maiores prejuízos das catástrofes em 2022.
O furacão Ian é considerado num relatório divulgado esta terça-feira pela organização Christian Aid a catástrofe natural relacionada com as alterações climáticas que provocou os estragos com custos mais elevados em 2022: 100 mil milhões de dólares (94,1 mil milhões de euros). Feitas as contas apenas aos dez desastres naturais que mais prejuízos causaram este ano, a factura — que os especialistas admitem ser muito mais elevada ainda — ultrapassa os 150 mil milhões de euros.
Como medir os custos de catástrofes naturais? Pode-se usar o valor das infra-estruturas e habitações destruídas, e é isso que se faz na grande maioria nos países mais ricos, onde é mais frequente os bens estarem segurados. Ou então, os custos medem-se em vidas perdidas — e é nos países mais pobres que os desastres naturais mais matam.
“É importante notar que os impactos e custos dos desastres climáticos caem de forma desproporcional sobre as pessoas que vivem nos países de baixos rendimentos. Isto acontece porque têm menos bens materiais, menos seguros e, em geral, menor acesso a serviços públicos de qualidade”, diz o relatório, que enumera também alguns outros desastres naturais cujos custos são mais difíceis de calcular. Por exemplo, a onda de calor na Índia e no Paquistão, cheias na Malásia, tempestade tropical Nalgae nas Filipinas, incêndios florestais na Tierra del Fuego, no Chile.
O documento lembra que é muito importante que a Cimeira das Alterações Climáticas das Nações Unidas (COP27) tenha aprovado, em Novembro, a criação de um fundo para as perdas e danos provocados por catástrofes relacionadas com o aquecimento global. “Mesmo com uma mitigação [redução das emissões de gases com efeito de estufa] mais ambiciosa — que infelizmente não foi aprovada na COP27 —, haverá fenómenos meteorológicos mais intensos e frequentes nos próximos anos e décadas. O que terá maiores custos”, salienta a Christian Aid.
“O novo fundo para perdas e danos tem de garantir financiamento aos países afectados pelos impactos do clima. Os governos têm de reconhecer que as respostas dadas pelas apólices de seguros nunca vão representar uma abordagem cabal para lidar com as perdas e danos”, diz esta organização. Faz um apelo, ainda, a que os países cortem nas suas emissões para que se cumpra o Acordo de Paris, limitando o aquecimento global a 1,5 graus acima dos valores registados antes da Revolução Industrial.
Numa primeira tabela, o estudo apresenta os dez maiores eventos climáticos por custo financeiro, com base nos dados disponíveis. Numa segunda parte do trabalho, os autores mostram uma outra tabela que resume os impactos de dez “eventos climáticos significativos, mas em que os dados relativos aos custos são mais frágeis devido a condições de mercado ou mais difíceis de estimar”.
Seguem-se as dez catástrofes naturais, por ordem decrescente e com base nos custos que foi possível calcular, apresentadas no estudo da organização não-governamental Christian Aid.
Furacão Ian
Quando chegou a Cuba, a 26 de Setembro, como uma tempestade de categoria 3, o furacão Ian deixou toda a ilha sem electricidade, fez pelo menos três mortos e obrigou a retirar das suas casas 30 mil pessoas.
Dois dias depois, chegou à costa da Florida, nos Estados Unidos, mais intenso, como categoria 4, com ventos de 241 km por hora. Provocou pelo menos 130 mortes e fez pelo menos 40 mil deslocados. Foi o segundo mais mortífero a atingir a costa norte-americana no século XXI, depois do Katrina (2005).
Antes de ter chegado aos EUA, o Ian passou por um processo de rápida intensificação, em que os ventos do furacão ganham velocidade e força em pouco tempo. Este processo está a tornar-se mais comum por causa das alterações climáticas no oceano Atlântico, e desde 1980 aumentaram as tempestades que tiveram direito a nome. As tempestades tropicais estão também a ter ventos mais fortes e a causar chuvas mais intensas, salienta o relatório.
Seca na Europa
As elevadas temperaturas e a seca que afectou grande parte da Europa durante o ano de 2022 provocaram incêndios florestais, perdas na agricultura e, calcula-se, 20 mil mortes em excesso. Os prejuízos estimados são de 20 mil milhões de dólares (18.830 milhões de euros).
Em vários locais foram batidos recordes de temperatura. Em Portugal, registaram-se 47 graus no Pinhão. No Reino Unido, a temperatura chegou aos 40 graus pela primeira vez — algo classificado como “altamente improvável” se não existissem as alterações climáticas provocadas pela acção humana.
O baixo nível de água nos rios europeus, incluindo grandes cursos de água como o Reno na Alemanha, o Loire em França e o Pó em Itália obrigaram a reduzir a produção agrícola, afectaram a produção de energia e perturbaram a navegação fluvial. Em Portugal, algumas barragens chegaram a níveis assustadoramente baixos. A seca reduziu a quantidade das colheitas e fez aumentar o preço dos produtos de origem animal, como a carne e o leite, em pelo menos 12%, estima o relatório.
O World Weather Attribution Group (um esforço internacional para analisar e comunicar a possível influência das alterações climáticas em fenómenos meteorológicos extremos) avaliou que as alterações do clima aumentaram três a seis vezes a probabilidade de uma situação de seca na Europa durante este Verão.
Cheias na China
Entre Junho e Setembro, registaram-se devastadoras cheias na China, que provocaram prejuízos de pelo menos 12.300 milhões de dólares (11.580 milhões de euros) e pelo menos 239 mortes.
A província de Guangdong, no Sul, sofreu inundações em Junho que afectaram meio milhão de pessoas. Em Julho, foi a vez das províncias de Sichuan, no Sudoeste, e Gansu, na região Centro-Norte. Em Agosto, caíram chuvadas destrutivas em vários locais por todo o país, causando inundações e deslizamentos de terras que mataram dezenas de pessoas e destruíram habitações e estradas.
Prevê-se que, à medida que o planeta aquece por causa das alterações climáticas, uma maior proporção da chuva que cai na China se concentre em períodos mais curtos, aumentando o risco de inundações.
Seca na China
O ano da China não se conta só com cheias, também houve tempo para elevadas temperaturas e seca. A falta de água no maior rio chinês, o Yangtzé, impediu a produção de electricidade e a circulação fluvial. Sichuan, cuja energia é 80% proveniente de hidroeléctricas, teve de limitar ou suspender o abastecimento de electricidade a fábricas e consumidores privados. A província de Jiangxi, no centro do país, decretou pela primeira vez um alerta vermelho devido ao abastecimento de água, porque o lago Poyang atingiu níveis demasiado baixos. Custo? Cerca de 8 mil milhões de dólares (7,5 mil milhões de euros)
Um relatório de Novembro do Baker Institute for Public Policy da Universidade Rice (Texas) alertava que a seca na China “pode ter consequências devastadoras para a segurança alimentar global, mercados de energia e cadeias de abastecimento”. A China é o país mais populoso do mundo e, neste momento, o maior emissor de gases com efeito de estufa.
Cheias no Leste da Austrália
Em Março, as regiões do Sul de Queensland e do Norte de New South Wales, na Austrália, receberam em uma semana a chuva que deveria cair durante todo o ano. E em Abril, Sydney teve uma chuvada tão intensa que num único dia caiu a chuva equivalente a um mês de precipitação. Os prejuízos, contabiliza a Christian Aid, elevam-se a 7,5 mil milhões de dólares (sete mil milhões de euros).
Brisbane, a capital de Queensland, teve 800 mm de chuva em três dias — o anterior recorde era de 600 mm, em 1974. Um estudo publicado no ano passado, quando a região foi assolada por cheias semelhantes, assinalava que as condições propícias a estas chuvas intensas se vão tornar 80% mais intensas até ao fim deste século, se as emissões de gases com efeito de estufa não diminuírem. O país depende ainda em 54% de combustíveis fósseis para produzir electricidade.
Inundações no Paquistão
Entre meados de Junho e o fim de Agosto, houve chuvas intensas no Paquistão, que coincidiram com o período das monções. Este foi o Agosto mais húmido desde 1961: a precipitação nesse mês foi 37% mais elevada do que a média de toda a época das monções. O resultado desta abundância de água a cair do céu foi que cerca de um terço do país ficou alagado: estima-se que as cheias mataram 1,1 milhões de cabeças de gado e destruíram 3,8 milhões de hectares de colheitas.
As perdas calculadas de bens segurados são no valor de 5600 milhões de dólares (5270 milhões de euros), mas os prejuízos reais serão bem maiores. O Banco Mundial calcula que estas cheias podem levar 15 milhões de pessoas à pobreza.
O Paquistão, que contribuiu apenas 0,3% para os gases de estufa que estão na atmosfera, é o oitavo país do mundo mais vulnerável às alterações climáticas de acordo com o Índice Global de Risco Climático de 2021, desenvolvido por várias organizações não-governamentais. O World Weather Attribution Group concluiu que é provável que as alterações climáticas tenham causado o enorme aumento das chuvas das monções que causaram as inundações.
Tempestade Eunice
Em Fevereiro, um forte ciclone extratropical baptizado Eunice atingiu a Europa do Norte e Central. Causou danos materiais na Alemanha, Bélgica, Irlanda, Países Baixos, Polónia e Reino Unido e matou pelo menos 16 pessoas. Os prejuízos estimam-se em 4,3 mil milhões de dólares (quatro mil milhões de euros).
À medida que o planeta aquece, aumenta a probabilidade de ocorrerem estas tempestades extratropicais: a atmosfera mais quente retém mais água, o que permite chuvadas mais intensas. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) nota que as tempestades extratropicais estão a deslocar-se mais para os pólos, o que significa que podem ocorrer cada vez mais distantes do equador.
Seca no Brasil
O Brasil é um dos celeiros do mundo e a agricultura representa quase 7% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Mas no primeiro trimestre o PIB agrícola desceu 8% devido às más colheitas de soja e milho. A colheita de café deverá ser a mais reduzida desde 2014. O Brasil está no top 5 de produtores de 34 matérias-primas e é o maior exportador agrícola líquido.
A falta de chuva e as temperaturas elevadas, no terceiro ano seguido de seca, causaram em 2022 prejuízos avaliados em quatro mil milhões de dólares (3700 milhões de euros). Os estados mais afectados são os Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Só em Santa Catarina, 42% dos municípios declararam emergência por falta de água.
No Norte, o nível do rio Amazonas e dos seus tributários na segunda metade do ano pôs também vários municípios em alerta e perturbou a pesca e outras actividades. A produção de energia hidroeléctrica foi também afectada.
A seca no Brasil está relacionada com o fenómeno climático cíclico La Niña, que vigorou nos últimos três anos, mas também tem causas provocas pelos seres humanos, como a desflorestação da Amazónia.
Furacão Fiona
A 18 de Setembro, o furacão Fiona chegou a Porto Rico e deixou 90% da ilha sem electricidade, matando oito pessoas. Atingiu a República Dominicana, onde provocou problemas no abastecimento de água a 1,2 milhões de pessoas. Andou por mais alguns pequenos Estados-ilha das Caraíbas antes de virar para norte, para o Canadá.
Foi o ciclone tropical mais violento que já atingiu o Canadá, com ventos de 187km/hora. Várias seguradoras dizem que o furacão Fiona foi o fenómeno meteorológico extremo que mais prejuízos causou naquele país. Provocou danos num valor superior a três mil milhões de dólares (mais de 2820 milhões de euros).
Cheias no KwaZulu Natal e Cabo Ocidental
Em Abril, vários dias de chuva intensa causaram cheias e deslizamentos de terras em várias zonas da África do Sul, sobretudo nas regiões de KwaZulu Natal e Cabo Ocidental. Morreram pelo menos 459 pessoas e mais de 40 mil ficaram deslocadas. Os estragos foram calculados em três mil milhões de dólares (2820 milhões de euros)
As chuvas obrigaram a encerrar o porto de Durban, um dos mais importantes de África, o que perturbou a cadeia de abastecimento global de alguns produtos, atingindo até a China. Cerca de 45 mil carros que estavam numa fábrica da Toyota numa área industrial de Durban ficaram também destruídos pelas cheias.
A seguradora sul-africana Santam disse que estas cheias foram, “de longe, a maior catástrofe natural” que a companhia enfrentou nos seus 104 anos de história.
Um estudo do World Weather Attribution Group concluiu que as emissões de gases com efeito de estufa e de aerossóis são responsáveis pelo aumento da pluviosidade na região.