Uma escolha “informal, mas informada”: a dieta infantil vegan não tem de ser complicada
Crianças podem ter dieta vegan desde que seja uma alimentação equilibrada e feita com conhecimento. Na idade adulta, cerca de 10% dos portugueses tentam reduzir consumo de carne.
Actualmente, cerca de 11,9% dos portugueses têm um regime alimentar que supõe uma redução do consumo de produtos de origem animal. Um estudo de 2021 da Lantern, uma consultora alimentar espanhola, revela que 9,3% da população portuguesa com mais de 18 anos é flexitariana, 2,1% é ovolactovegetariana e 0,5% é vegan.
O mesmo relatório destaca o facto de a maioria ter feito a mudança muito recentemente, por motivos de saúde ou de sustentabilidade. O debate cresce com razão e o ambiente não é o único a colher benefícios: se for feita “com um correcto aporte nutricional”, seja no prato ou em suplementos adicionais – que não são necessariamente associados ao vegetarianismo –, uma alimentação à base de plantas pode contribuir para a “redução do risco de cancro, hipertensão, doença cardiovascular, diabetes e obesidade”. É o que diz Sandra Gomes Silva, nutricionista e autora do blogue e livro “O Vegetariano”.
Está provado que crianças podem ser vegetarianas sem qualquer repercussão na sua saúde. Contudo, Sandra Gomes Silva recomenda, como em qualquer regime alimentar, a procura de informação e, se possível, acompanhamento profissional.
Ricardo Moreira, nutricionista especializado em alimentação vegetariana, faz a mesma recomendação, mas nota que os pais que o procuram estão, no geral, “mais informados do que a maioria dos pais de crianças que seguem uma alimentação mais convencional, omnívora”, e esforçam-se por garantir que estão a oferecer “a melhor alimentação e nutrição aos seus filhos”. “Chamo a alguns ‘Super Pais’”, acrescenta.
Gravidez vegetariana
“Super Pais” são também Inês Guilherme e João Moreira, de Sintra, para quem a escolha de introduzir a filha ao estilo de vida vegan foi “informal, mas informada”. Aurora, que tem actualmente três anos, ainda crescia no ventre de Inês quando o casal começou a procurar informação sobre alimentação infantil sem produtos de origem animal, mas a gravidez não exigiu qualquer cuidado adicional, apesar do regime alimentar da mãe e de uma médica de família receosa.
“Eu passei a gravidez toda com a nossa médica de família a achar que eu ia ter uma anemia. Era o grande receio dela, porque eu não comia carne. E a verdade é que eu acabei por não ter anemia e acho que isto foi uma das maiores provas para ela de que [uma gravidez vegetariana] é possível”, conta Inês.
Quando Aurora completou seis meses, o casal consultou Sandra Gomes Silva, que lhes recomendou o método de introdução alimentar baby lead weaning. Neste tipo de alimentação, “é o bebé a guiar o processo”, como explica João. Aurora comia as mesmas coisas que os pais, ia “investigando as texturas, o que gosta ou não gosta”, num processo que o pai diz ter sido “muito agradável”. E, hoje, Aurora come de tudo: incluindo os brócolos que rouba do frigorífico.
Na família Ferraz, os mais novos partilham o amor de Aurora pelos produtos da terra. Com a mesma nutricionista e métodos, Sofia e Hugo Ferraz, do Porto, não tiveram qualquer cuidado adicional durante as duas gravidezes, além de procurar uma versão vegan das vitaminas pré-natais e profissionais de saúde que tivessem abertura a este estilo de vida (porque muitos “estão desactualizados”, comenta Sofia).
Já na Póvoa de Varzim, Dinis (seis anos), Diana (quatro anos) e Rita (três anos) tiveram uma introdução alimentar mais tradicional – papas não industrializadas, sopas e, só depois, alimentos sólidos –, mas sem descartar uma consulta de nutrição para tirar as dúvidas que surgiram com o primeiro filho.
A única coisa que mudou? “As leguminosas aparecem mais cedo do que se introduziria numa criança que come carne”, esclarece Adélia Loureiro, professora de ioga e mãe vegana de três, que diz nunca ter tido feedback negativo por parte dos médicos que acompanham o crescimento dos três filhos.
Suplementos como complemento
Um elemento comum em todas as famílias que conversaram com o PÚBLICO é a suplementação, sendo que Nicolau, Benjamim, Aurora, Dinis, Diana e Rita tomam vitaminas juntamente com os pais. Em formato de gotas, comprimidos ou até gomas, as vitaminas D e B12 servem de auxiliares a uma alimentação equilibrada, que, segundo clarifica a nutricionista Sandra Gomes Silva ao PÚBLICO via e-mail, deve conter cinco grupos essenciais: “Fruta, vegetais, leguminosas, cereais e gorduras saudáveis”, tais como “frutos gordos e sementes” – aquilo que a autora chama de “5 ao Dia”.
Ricardo Moreira destaca o papel essencial da suplementação de B12, dada a sua presença maioritária nos produtos de origem animal. Contudo, esta é, por vezes, suplementada nos próprios animais, em “rações fortificantes”, quando estes são criados em cativeiro ou em solos deficientes desta vitamina. E, porque a sua absorção depende da idade, condições médicas e da toma de determinados medicamentos, mesmo as “pessoas que comem carne e peixe todos os dias podem ter carência de vitamina B12”, completa Sandra Gomes Silva. O essencial parece ser mesmo o equilíbrio.
Texto editado por Claudia Carvalho Silva