O Victor: “O bacalhau tem que ser acompanhado com muito carinho”
Há mais de 50 anos que O Victor, na Póvoa de Lanhoso, é venerado pela posta de bacalhau assado. Victor Peixoto, o fundador, enuncia os três predicados fundamentais: cura, demolha e calor constante.
Com 85 primaveras contadas, invejável jovialidade e ainda uma inquietude traquina, Victor Peixoto é um dos símbolos maiores da tradição do consumo de bacalhau. O seu restaurante está no radar de todo o país (e não só) e também ele se sente a gosto no papel de guardião-mor do culto minhoto pela posta inteira assada na brasa, acompanhada por cebola às rodelas, alho, batata a murro e um bom fio de azeite.
Presença diária no seu restaurante na Póvoa de Lanhoso, dá uma mão no serviço, espalha simpatia e eficiência, cuidando que nada falte e todos estejam confortáveis e a gosto. Ele próprio trata das compras, verifica a qualidade do bacalhau e ainda lhe sobra tempo para atender os clientes que querem também levar para casa bacalhau do Victor.
“Vendemos muito na loja, especialmente nesta época de Natal. Como é sempre da melhor qualidade, as pessoas vêm de todo o lado e querem também levar para casa”, conta o homem que já andou pelas escolas de hotelaria e grandes hotéis a explicar como cuidar do fiel amigo.
Cura, demolha, calor suave e constante, são estes os “predicados essenciais” que enuncia. “Tem de ser acompanhado com muito carinho, demolhar em água fria e o calor não deve ser muito forte”, explica, dando conta de que no seu restaurante adoptou um sistema que combina a brasa de carvão com um sistema eléctrico, de forma a que seja constante a intensidade do calor. Uma solução que implicou um forno especial, que teve que ser feito por encomenda e montado no lugar. É preciso cerca de meia hora para que fique “lourinho e assado de forma uniforme”, precisa Victor Peixoto.
Quanto à demolha, esclarece que tem que ser com água muito fria, pelo que hoje lhe junta gelo, cumprindo as exigências legais que proíbem a demolha em água corrente de fonte, como de início acontecia. “Mas já nessa altura fazíamos análises regulares à qualidade da água”, ressalva.
Quanto à cura, Victor não alinha no coro de receios face ao seu crescente abandono. “Vai haver sempre cura, tenho a certeza de que, pelo menos aqui no Norte, vamos ter sempre bom bacalhau”, confia, dando conta de que há mais de 25 anos que tem fornecedor fiel – “já fiz viagem com eles à Noruega para ver como tratam o bacalhau” – que garante sempre a melhor qualidade. “Às vezes até com 20 meses de cura, mas com um ano já é uma cura perfeita”, assegura.
Hoje a entrega é feita no restaurante (“normalmente à semana”), mas de modo a garantir a cura adequada tem sempre um lote disponível no armazém fornecedor . Um sossego comparado com os tempos em que teve que andar pelos portos de Aveiro e Viana do Castelo à procura dos melhores lotes. “Fui buscar muito bacalhau à Empresa de Pescas de Viana. Eram sacos de 65 quilos classificados conforme tamanho e qualidade, que abria para escolher sempre os melhores.” E com a escassez que se seguiu ao 25 de Abril? “Nunca tive falhas, vinha da raia, era um taxista da zona de Chaves que vinha cá deixar”, conta com aquele sorriso traquina que lhe define o carácter.
Na aldeia de São João de Rei, cravada entre penhascos graníticos e voltada ao vale do Cávado, o Restaurante Victor é hoje um ícone da gastronomia local. Uma fama também associada à figura do escritor brasileiro Jorge Amado, que se tornou amigo e visita regular. “Veio a convite do António Celestino, um homem de cá que foi para o Brasil, era bancário na Bahia mas também escritor, e quando voltou para a aldeia convidou o Jorge Amado. Já era amigo de Portugal e tornou-se também amigo da Póvoa de Lanhoso, veio cá muitas vezes”, relata de forma enfática, já que disso dão testemunho a múltiplas fotografias distribuídas pelas paredes da sala.
E se Victor Peixoto não receia pelo futuro da cura do bacalhau, mostra-se igualmente seguro quanto à continuidade do seu restaurante. “São as pessoas que exigem que seja sempre igual, hoje já sou apenas uma espécie de embaixador, há muito que são as minhas filhas que tratam do negócio”, faz questão de explicar com a argúcia de comerciante. “O que temos é de tratar bem toda a gente e cumprir com a nossa obrigação, este é que é o segredo da casa”, reforça, referindo-se às filhas Angelina e Glória, ambas já cinquentenárias.
Mas se o bacalhau é a essência da casa, o patriarca faz ainda questão de deixar claro que também a posta de vitela dos lameiros do Barroso ou o cabritinho assado com batatinhas, igualmente bem justificam a viagem. Esclarece que é assado no forno onde em tempos se fazia o pão, sendo neste caso necessária encomenda prévia. É que são necessários pelo menos três dias para garantir o chibinho - “que é aqui da montanha” – e tratar da preparação e temperos.