Qual é a pegada carbónica de… um jantar de Natal?
Se tudo tem um impacto ambiental, a refeição partilhada na consoada não seria excepção. Contudo, existem menus mais ecológicos do que outros e até há quem crie as próprias tradições sustentáveis.
Chega a noite de Natal. As rabanadas estão feitas, o pão-de-ló a sair do forno e as entradas adornam a mesa. Chega o prato principal: bacalhau cozido, peru assado ou polvo guisado? Normalmente, a escolha é simples e a tradição e gostos da família entram na equação. Mas tudo o que fazemos tem um impacto ambiental – incluindo coisas tão simples como enviar um e-mail ou partilhar uma garrafa de vinho – e a refeição repartida na consoada não é excepção. Mas há menus com menor pegada ecológica.
Na verdade, descobrir a quantidade de dióxido de carbono emitida por cada alimento que comemos não é um processo rigoroso, visto que todos os detalhes contam. Se, por um lado, a pegada ecológica depende da forma como o produto é obtido, transportado e processado, por outro, ir ao supermercado de carro para o comprar terá uma pegada ecológica muito maior do que ir à pequena mercearia ao lado de casa.
Sabemos que Portugal tem a maior pegada alimentar do Mediterrâneo, e que a maioria do impacto ambiental do país vem da alimentação, que é, em grande parte, importada. Um estudo da Universidade de Aveiro concluiu que 30% da pegada ecológica portuguesa vem dos alimentos, mais do que dos transportes ou da energia. Além disso, o consumo de peixe em Portugal é dos mais prejudiciais do planeta –, mas não são os alimentos azuis (nome dado aos alimentos provenientes do mar) os que têm maior impacto ambiental quando são colocados na mesa da consoada.
Afinal, qual é a refeição com a menor pegada ambiental?
Comparar de forma muito superficial as proteínas animais consumidas no jantar de 24 de Dezembro e no almoço de 25 leva-nos à conclusão de que o bacalhau é a opção mais amiga do ambiente.
Um estudo de 2013 que avalia a pegada de carbono de produtos do mar provenientes da Noruega – local de origem de grande parte do bacalhau consumido por cá – tentou apurar o impacto ambiental da produção de bacalhau em todas as suas fases, em dois cenários que contemplavam o envio do mesmo para Lisboa. A conclusão? O bacalhau seco e salgado tem um impacto ambiental de 2kg de carbono equivalente por quilo de alimento, enquanto o bacalhau que foi apenas salgado emite 4kg de carbono equivalente.
Já a CarbonCloud, uma start-up que propõe tecnologia computacional para calcular a pegada de carbono dos alimentos, atribui ao bacalhau fresco do Atlântico um rasto de 3,5kg por quilo de peixe consumível. A mesma empresa chegou à conclusão de que cada quilo de polvo ou lula equivale a 6,3kg de dióxido de carbono.
No campo das carnes, Joseph Poore e Thomas Memecek publicaram um relatório na revista Science em 2018 (que foi reformulado no portal Visual Capitalist com ajuda de gráficos) que atribui às carnes de aves, como o peru, uma pegada de 6kg de carbono emitido por cada quilo de carne. Em comparação, a carne de porco tem uma pegada de 7kg de dióxido de carbono equivalente por quilo.
Adicionalmente, os investigadores têm más notícias para os que preferem cabrito ou cordeiro assado na mesa de Natal: mais do que bacalhau, polvo ou peru, são as carnes de cabra e ovelha as responsáveis pela maior pegada ecológica entre os pratos tradicionais da quadra. Como seres ruminantes, enviam uma grande quantidade de metano para a atmosfera nas suas funções biológicas, pelo que a produção de um quilo da sua carne pode chegar a emitir 24kg de gases de efeito de estufa.
Bacalhau: sustentável ou não?
Apesar de o bacalhau ter, em teoria, menos impacto ambiental quando comparado com a carne ou alguns alimentos azuis, dizer que este prato natalício é totalmente sustentável está longe da verdade. Com uma grande parte da sua população a residir em zonas urbanas perto do mar, o consumo de peixe é muito popular entre os portugueses, pelo que Portugal come 20% de todo o bacalhau pescado no mundo.
Aliás, em 2019, o Conselho Norueguês dos Produtos do Mar estimou que os portugueses iriam consumir quatro mil a cinco mil toneladas só na noite de consoada, repetindo a previsão no ano seguinte. Portanto, é muito provável que bacalhau seja também a opção predilecta do leitor.
Ora, num cenário em que os valores deste Natal se mantêm semelhantes, e se um quilo de bacalhau seco e salgado corresponde a dois quilos de dióxido de carbono equivalente, estamos a falar de uma potencial emissão de oito mil a dez mil toneladas de gases de efeito de estufa para a atmosfera numa única noite. Por outro lado, se todas as famílias festejassem com um assado de peru ou cabrito, estes números multiplicar-se-iam. Mas há quem opte por outros caminhos.
A criar novas tradições
Escolher comer bacalhau proveniente de pesca sustentável e comprá-lo a um produtor local seria suficiente para diminuir a pegada ecológica do prato principal da consoada. Contudo, é possível ir mais longe, e há quem prefira uma mesa totalmente "verde" na noite de Natal.
A árvore de Natal do pequeno apartamento da Praça da Batalha, no Porto, onde vive a família Ferraz, já está decorada. Este ano, é de plástico. Após dois pinheiros naturais que morreram, optaram pela opção mais convencional. É “uma escolha menos consciente”, aos olhos de Sofia Ferraz, pasteleira e consultora de restauração, “mas esta árvore vai durar muito mais anos do que as outras estavam a durar”.
Sofia é mãe do Nicolau, de três anos, e do Benjamim, que está quase a fazer cinco. Ben, como os pais o apelidam, é um quase-bebé de Natal: faz anos a 23 de Dezembro. Tendo isto em conta, a época das festas podia ser uma azáfama para os Ferraz – mas não é o caso. Quando foram pais, Hugo e Sofia, antigos donos da confeitaria Chá das Cinco (que tiveram de fechar devido à pandemia), decidiram criar as suas próprias tradições.
Nesta casa, pais e filhos são totalmente veganos. Hugo, que é videógrafo e formador numa escola de café, e Sofia já eram ovolactovegetarianos, mas planeavam ficar por aí. Hugo até “gostava mais de ovos do que gostava de [Sofia]”, como diz ela em tom de brincadeira. Mudaram de vida por acidente, após descobrirem que o filho mais velho tinha reacções alérgicas ao leite e aos ovos. Posteriormente, o mais novo seguiu o mesmo caminho e, apesar de as alergias terem desaparecido com o crescimento de ambos, a consciência da família mudara e já “não fazia sentido voltar atrás”.
Assim, os jantares de Natal fogem do tradicional e variam de ano para ano. Se, em alguns Natais, um “rolo de carne que não é de carne” – feito com lentilhas, molho de cebola roxa e batatas assadas – vai para a mesa, há outros em que é o tofu com broa a fazer as delícias dos mais pequenos. Quando passam o Natal com os pais de Hugo, “uma coisa que facilita imenso é que eles moram ao lado da padaria de São Mamede, que faz doces tradicionais vegan”, o que facilitou a adaptação, conta Sofia, que associa o Natal à mesa dos doces, “talvez por ser pasteleira”.
“Nunca estivemos muito preocupados com a refeição em si – era mais a experiência de estar com outras pessoas”, conclui.
As tradições da família Ferraz não se ficam, contudo, pela comida. Mais recentemente, começaram a passar o Natal por casa, visto já terem de viajar para estar com a família nos dias anteriores, por causa do aniversário do Benjamim, e no Ano Novo. Hugo e Sofia definem-se como "pessoas que não gostam de confusão" e fizeram uma escolha que consideram mais vantajosa, não só para a rotina das crianças, mas também para o ambiente.
Na noite de 24 de Dezembro, o plano é aproveitar o facto de estar “toda a gente em casa” para, com uma garrafa térmica de chocolate quente caseiro na mão, ir ver as luzes de Natal na baixa do Porto. Regressando a casa, os doces são menos, mas não faltam: “Aletria, bolo-rei e já é Natal!”, exclama Sofia.
O jantar é servido cedo (este ano, é tofu com broa) e Nicolau e Benjamim não esperam pela meia-noite para abrir prendas – abrem no dia de Natal, após um pequeno-almoço de rolos de canela vegan, típicos da pastelaria americana, que os prepara para um dia de brincadeiras e filmes que assinalam a quadra natalícia.
Texto editado por Claudia Carvalho Silva