Ninguém queria a Princesa Fiona até que a cadela rechonchuda conheceu uma menina

A cadela foi entregue ao abrigo por causa dos problemas de saúde. Tem zonas do corpo sem pêlo, barriga inchada e faz pausas constantes para urinar, mas Myanni, de cinco anos, adoptou-a.

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Ninguém queria a Princesa Fiona até que o pitbull rechonchudo conheceu uma menina Bill O'Leary/Washington Post photo by Bill O'Leary
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Ninguém queria a Princesa Fiona até que o pitbull rechonchudo conheceu uma menina Christina Gephardt/Humane Rescue Alliance

Os funcionários do abrigo animal não acreditavam em desistir, por isso disseram à cadela que estava na altura de ela mostrar, mais uma vez, tudo o que tinha para oferecer: as zonas do corpo sem pêlo; o urinar constante; a barriga, que crescera tanto que quase tocava no chão por onde quer que passasse.

"Vá lá, Princesa Fiona", disseram, ao pegarem no dorso largo – que terminava com uma cauda que todos achavam que devia pertencer a um rato – para a porem dentro do carro e a levarem para outro evento de adopção.

A loucura por cachorros durante a pandemia, que se espalhou pelos abrigos de animais norte-americanos, já terminou. Em vez disso, assistimos a uma economia em ruínas. Há cada vez mais animais a serem abandonados. A Humane Rescue Alliance, em Washington, está literalmente a transbordar de animais, com muitos cães a viverem em caixotes de madeira porque os canis estão cheios. Durante grande parte do mês de Dezembro, o abrigo renunciou às taxas de adopção para cães grandes, na esperança de que pelo menos alguns dos rafeiros abandonados encontrassem um lar antes da época festiva.

Talvez até pudessem encontrar alguém para acolher um dos residentes mais antigos do abrigo: A Princesa Fiona, uma cadela cruzada com pitbull com sete anos e 21 quilos, que sofre de hiperadrenocorticismo, ou doença de Cushing, síndrome induzido pelo stress. A perda de pêlo, sede constante, pausas frequentes para urinar e barriga de cerveja são tudo resultado da produção excessiva de cortisol, hormona mais conhecida pela resposta "luta ou fuga" (ou seja, energia imediata).

Mas, segundo os tratadores, a cadela não é adepta de lutas, fugas ou qualquer actividade que não envolva ser atraída com petiscos. Durante os quase quatro meses no abrigo, foi regularmente apelidada de "batata", "hipopótamo terrestre" e "pequeno ogre".

Mas ao contrário da Princesa Fiona no filme Shrek, que se transforma em ogre para sempre, os veterinários acreditavam que a condição desta Princesa Fiona poderia melhorar – se a cadela conseguisse encontrar um ambiente menos stressante para viver.

E assim chegou a um centro comercial em Washington, no primeiro sábado de Dezembro, com quatro outros cães abandonados e um camião cheio de gatos de rua. As pessoas, apressadas para fazer as compras de Natal, passavam por eles de cabeça baixa por causa do vento intenso desse dia.

A tratadora, a voluntária Alesha Bryant, sabia este não era o dia ideal para um evento de adopção ao ar livre. Mas não era por isso que a Princesa Fiona parecia tão preocupada. Na verdade, entre as orelhas flexíveis, as rugas na testa nunca desapareceram. Como muitas pessoas, a cadela parece estar sempre preocupada com o estado do mundo.

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A Princesa Fiona era chamada de "hipopótamo terrestre" e "pequeno ogre" Bill O'Leary/The Washington Post

Bryant levou-a para dentro do PetSmart, uma loja de arctigos para animais, para se aquecer. A cadela caminhou até aos brinquedos de mastigar Rudolph e começou logo a urinar. A doença deixou-a tão cheia de sede que bebeu de dois grandes baldes de água. E mesmo para uma princesa, essa água tinha de ir para algum lado. Puxou Bryant para o corredor das rações, e deixou uma poça lá.

Enquanto outra voluntária foi buscar toalhas de papel, a cadela permitiu que os funcionários lhe vestissem uma colorida camisola de Natal. A barriga inchada – devido aos músculos abdominais enfraquecidos e um fígado dilatado – fez dela um top.

"A Fiona é adorável", disse Bryant a uma família que se apaixonou por um cachorro enérgico chamado Cranberry.

"É muito tranquila", revelou a um casal que se fixou num pastor-dos-Pirenéus chamada Grand.

Outro homem passou rapidamente sem olhar para os cães. "Muito bem. Podes beber mais um pouco de água", disse à cadela.

Esta não foi a primeira viagem da Princesa pelo abrigo. O primeiro dono trouxe-a à Humane Rescue Alliance em Janeiro, ciente que se passava algo com a cadela, mas incapaz de cuidar dela durante mais tempo. O animal foi rapidamente adoptado, com a indicação que os novos donos lhe dessem vetoryl, um medicamento que poderia atenuar os sintomas. No entanto, esta medicação é cara e custa entre 47 e 94 euros por mês. Em Agosto, Fiona estava de volta ao abrigo.

A veterinária Emily MacArthur soube logo que o estado da cadela se tinha agravado. "Vi a barriga dela a balançar", revelou MacArthur, "E pensei: tens o Cushing bem forte... Ela é bonita, está apenas um pouco despida", acrescentou.

A doença de Cushing, que também pode afectar os humanos, tem o nome do "pai da neurocirurgia" Harvey Cushing, que fez estas descobertas, em parte, ao fazer experiências no cérebro dos cães no início do século XIX. Este neurocirurgião removia cirurgicamente as glândulas pituitárias dos cães e depois observava-os a engordar.

A Princesa Fiona estava no abrigo desde Janeiro Bill O'Leary/The Washington Post,Bill O'Leary/The Washington Post
A cadela gosta de se atira de barriga com as patas traseiras esticadas para trás Christina Gephardt/Humane Rescue Alliance
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A Princesa Fiona estava no abrigo desde Janeiro Bill O'Leary/The Washington Post,Bill O'Leary/The Washington Post

Segundo vários relatos, a Princesa Fiona recebeu um tratamento muito melhor na Humane Rescue Alliance. Quanto mais tempo ficava lá – muito depois das três semanas limitadas para os cães – mais admiradores entre os voluntários e funcionários arrecadava. Tornou-se particularmente amada pela capacidade de fazer sploot, palavra que o dicionário utiliza para descrever o movimento que um animal faz quando se atira de barriga com as patas traseiras esticadas para trás.

Foi esse momento de lazer que fez com que Monica Whitaker parasse à porta do PetSmart com a filha, onde se dirigia para ver gatos para adoptar. "Ela está grávida?", perguntou.

O funcionário falou-lhe sobre a doença de Cushing, a longa estadia de Fiona no abrigo e sobre os cuidados médicos de que a cadela precisaria. Whitaker chamou o filho de 16 anos, que estava sentado num banco a ignorá-la, mas este sacudiu a cabeça, desinteressado.

A irmã mais nova, Myanni de cinco anos, abanou a cabeça ao irmão, em sinal de protesto. "Os adolescentes são demais", afirmou. De seguida, esfregou as rugas da testa da Princesa Fiona. Uma voluntária entregou-lhe um pau de queijo para a criança partir em pedaços mais pequenos, explicando o quanto a cadela gostava de snacks. Myanni, que partilha o mesmo gosto, entregou o pau de queijo inteiro à cadela e depois dirigiu-se ao voluntário e perguntou: "Aceita cash app ou cartão?"

Whitaker, a mãe, começou chorar. Estava a olhar para a Princesa Fiona e a pensar no filho de 19 anos. Recordou o acidente de bicicleta que ele teve aos seis anos e que terminou com uma lesão cerebral, o facto de ter que explicar às pessoas que sim, ele tinha ficado com uma deficiência mental e problemas na fala e sobre todas as vezes que teve de lutar para que ele fosse tratado como as outras crianças. Só porque alguém tem problemas médicos não significa que não mereça a vida que quer, repetia-lhe consecutivamente.

Afinal de contas, parece que não iam receber um gato. "Vais dormir na minha cama", disse à cadela.

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Myanni, de cinco anos, quis ficar com a cadela CA

Na manhã seguinte, a mulher entrou na Humane Rescue Alliance para encontrar a Princesa Fiona ainda com a camisola de Natal vestida, rodeada de funcionários que se despediam dela. Era o seu 119.º dia no abrigo. "Pensei que ia ter que te levar comigo para casa no Natal para que não ficasses sozinha", disse-lhe a veterinária MacArthur, enquanto beijava o focinho da cadela. "Nunca mais te quero voltar a ver", acrescentou.

Os funcionários entregaram um saco com um mês de medicamentos à nova dona, um arnês para ajudar o animal a subir escadas e uma embalagem de pães de queijo. O filho mais velho de Whitaker estava à espera no carro. Em casa, seria o primeiro a levar a Princesa Fiona a sair todas as manhãs. Ignoraria as ordens da mãe para não deixar a cadela ir para o sofá. Iria embrulhá-la no cobertor de unicórnio da irmã. E, dentro de dias, Whitaker juraria que a barriga da cadela já estava a ficar menos inchada.

Quando a mãe pegou na trela que um dos funcionários do abrigo segurava, todos começaram a aplaudir. Sabiam que mais tarde nesse dia, outra cadela pitbull com doença de Cushing seria entregue ao abrigo. As coisas não resultaram com os novos donos. Iam precisar de encontrar outra casa para Pooh Bear.

Mas, por agora, estavam a ver a cauda de rato da Princesa Fiona enquanto esta se dirigia para a porta. A cadela bamboleava-se em direcção à luz do sol. Depois começou a urinar.

Exclusivo PÚBLICO/The Washingon Post

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