Carros solares chegam às estradas, mas ainda são um luxo

Os primeiros carros solares da empresa neerlandesa Lightyear custam um quarto de milhão de euros. A empresa diz que são a primeira fase para um futuro mais sustentável.

Foto
O Lightyear 0 já começou a ser produzido na Finlândia DR

Os primeiros carros capazes de circularem longas distâncias exclusivamente a energia solar vão começar a circular pelas estradas europeias ainda antes do final deste ano. Há cerca de sete semanas que a startup neerlandesa Lightyear anunciou o arranque da produção do Lightyear 0, um carro eléctrico que também se alimenta de luz solar graças ao tejadilho e capô cobertos de painéis fotovoltaicos.

Em teoria, num dia de sol, estes painéis devem produzir energia suficiente para 70 quilómetros, mais do que percorre em média um condutor europeu. Para viagens mais longas, é possível ligá-lo à rede.

“É o início de uma verdadeira mobilidade solar”, declarou o presidente executivo da Lightyear, Lex Hoefsloot, num evento sobre o arranco da produção na fábrica da Valmet Automotive, na Finlândia. “Embora sejamos os primeiros, a minha sincera esperança — e crença — é a de que não seremos os últimos.”

Foto
Lightyear

Em 2022, porém, os veículos da empresa estão longe de ser um produto para as massas. Cada Lightyear 0 custa 250 mil euros e a fabricante neerlandesa demora uma semana a produzir um só modelo actualmente, há 150 em produção. O Lightyear 2, que Hoefsloot descreve como mais “acessível”, deve chegar nos próximos três anos com uma etiqueta abaixo dos 40 mil euros. Nenhum vai depender exclusivamente da energia do sol.

Dados da Energy Sage, um mercado de compra e venda de produtos solares, notam que os painéis fotovoltaicos mais modernos apenas conseguem transformar entre 15% e 22% da energia solar que recolhem em electricidade. Além disso, a maioria dos carros tem um espaço limitado para os painéis. Por isso, os primeiros automóveis solares a chegar ao mercado ainda precisam de recorrer a baterias de iões de lítio, que são carregadas utilizando a electricidade da rede. Os painéis solares são apenas um extra para aumentar a autonomia do carro.

O facto de os carros solares poderem ser carregados com a luz solar, em movimento, permite, no entanto, a utilização de baterias mais pequenas e leves. E carros mais leves são carros mais eficientes, que não precisam de tanta energia para se moverem: ou seja, na prática significa que têm mais autonomia. Com um bónus para o ambiente, já que baterias menores requerem menos lítio.

Foto
Lightyear 0 Lightyear

A fabricante do Lightweight 0 diz que o veículo pode completar 625 quilómetros sem parar para recarregar (560 se o carro seguir a 110km/h numa auto-estrada). O alcance chega aos 695 quilómetros graças à energia obtida com os painéis solares instalados.

Este facto pode aumentar a adopção de carros eléctricos, mais amigos do ambiente, já que um dos grandes obstáculos à sua adopção continua a ser a chamada range anxiety: isto é, a ansiedade provocada nos condutores pela autonomia reduzida dos carros eléctricos disponíveis no mercado e o tempo que algumas baterias demoram a carregar. Carros movidos parcialmente a energia solar ajudam a resolver o problema, particularmente em países onde a rede eléctrica não é estável.

Preço do carro solar vai baixar

“Os custos [dos carros solares] diminuem com o aumento da implantação”, explica ao PÚBLICO Daniel Kammen, director do laboratório de energias renováveis da Universidade de Berkeley nos Estados Unidos (RAEL). “Se forem bem-sucedidos, os automóveis com integração solar têm uma grande capacidade de aumentar a capacidade de carregamento de veículos eléctricos, especialmente em áreas com poucos recursos. Por exemplo, onde as estações de carregamento públicas ainda são de difícil acesso", realça o especialista.

Isto é um dos grandes motivos que levam várias empresas a explorar a tecnologia. Alguns modelos da sul-coreana Hyundai já têm painéis fotovoltaicos incorporados no tejadilho: depois de passar um dia estacionado ao sol, o veículo híbrido ganha entre três e quatro quilómetros de autonomia. Não é muito, mas permite negar parte da autonomia que os carros eléctricos e híbridos perdem quando estão parados.

A alemã Sono Motors e a norte-americana Aptera esperam começar a produzir carros com painéis solares integrados estilo-Lightyear em 2023. Os preços rondam os 26 e os 29 mil dólares (24 e 27 mil euros).

“Na verdade, não são assim tão caros”, nota Daniel Kammen. “A Aptera planeia vender o seu veículo por 29 mil dólares. Se removermos o preço da gasolina [nos Estados Unidos] por um ano de condução a 16 mil quilómetros por ano, significa que este carro custaria menos de 20 mil dólares.”

Foto
Squad Solar Car Squad

A startup neerlandesa Squad Mobility também está a trabalhar num pequeno veículo urbano (que lembra o Citroën Ami), com uma velocidade máxima de 45km/h, que funciona a energia solar e custa cerca de 6250 dólares (cerca de 5880 euros).

Factor ambiental

O factor ambiental é um ponto a favor dos carros solares. “Os esforços da indústria e as iniciativas governamentais para estimular a adopção de fontes de energia renováveis nos transportes estão a revigorar o desenvolvimento de carros movidos a energia solar”, explica a equipa da empresa de análise de mercado Transparency Report num relatório sobre veículos solares. É um mercado em crescimento que deve estar avaliado em mais de 46 mil milhões de dólares (cerca de 43 mil milhões de euros) até 2031.

“Na Lightyear estamos obcecados com as mudanças climáticas. É um problema que tem estado a aumentar desde que somos crianças e como engenheiros queremos descobrir como é que podemos ajudar a resolver o problema”, salientou Lex Hoefsloot, numa apresentação sobre a estratégia da Lightyear em Junho. “A fase zero é sobre preparar o terreno e mostrar que os nossos carros e a nossa tecnologia realmente funcionam”, explicou. “A próxima fase, a fase 1, é sobre a produção em massa e criar carros que são mais acessíveis.”

O primeiro modelo da Lightyear a chegar ao mercado tem uma velocidade máxima de 160km/h e vai dos zero aos 100km/h em dez segundos. A maioria das encomendas vem da Alemanha, Espanha e Itália. Os veículos estão a ser produzidos na Valmet Automotive, uma fábrica finlandesa com uma ampla experiência na produção de veículos eléctricos que já colaborou com a Mercedes-Benz e a Porsche.