Goalball, uma modalidade à procura de um impulso
Campeonato do Mundo de 2022, realizado em Matosinhos, deu maior visibilidade a um desporto que só chegou a Portugal no início da década de 1990.
Chegou ao fim, neste fim-de-semana, o Campeonato do Mundo de goalball, que se realizou pela primeira vez em Portugal. Em Matosinhos, foi o Brasil que confirmou a superioridade que tem mostrado nos últimos anos, sagrando-se tricampeão mundial, ao bater a China na final, por 6-5. Mas que modalidade é esta e que expressão tem no universo desportivo actual?
Estima-se que a II Guerra Mundial tenha causado entre 40 e 50 milhões de mortes, tendo muitos dos sobreviventes sofrido severamente com doenças, mutilações ou deficiências associadas ao conflito. Face a estas limitações, em 1946, o alemão Sepp Reindl e o austríaco Hanz Lorezen decidiram criar o goalball, uma modalidade que, ao contrário de outras, foi desenvolvida de forma exclusiva para pessoas total ou parcialmente cegas.
Só na década de 1970 é que o desporto começou a ganhar maior exposição, quando foi incluído pela primeira vez nos Jogos Paralímpicos de Toronto (em 1976), tendo desde então marcado presença no evento. Dois anos depois, organizou-se o primeiro Campeonato do Mundo de goalball, na Áustria, sendo o torneio organizado a cada quatro anos desde então. Actualmente, é uma modalidade praticada em mais de 100 países, sendo que em Matosinhos competiram, ao longo da última semana, 32 selecções — a portuguesa não foi além da fase de grupos.
Este desporto teve uma chegada tardia a Portugal. José Santos e António Santinho foram os principais impulsionadores dos primeiros jogos de goalball que ocorreram em território nacional, em 1992. E quais são os fundamentos do jogo?
Esta modalidade de pavilhão disputa-se num campo com as mesmas dimensões do de voleibol (18 metros de comprimento e nove de largura) entre duas equipas, compostas por dois ou por três jogadores cada. O objectivo é marcar mais golos do que o adversário, sendo que a baliza ocupa toda a largura do campo.
O jogo divide-se em duas partes de 12 minutos, mas também pode terminar caso, antes do fim do tempo regulamentar, uma das equipas ganhe uma vantagem de 10 golos.
Como o grau de severidade da deficiência visual pode variar entre os jogadores, é obrigatório que todos tenham os olhos vendados (com óculos forrados com uma esponja ou, às vezes, também com pensos sobre os olhos) e a bola, com dimensões semelhantes à de basquetebol, tem guizos no interior, para que os jogadores a localizem através da audição.
Aqui surge uma das particularidades deste jogo: para que não haja interferência exterior, as partidas são sempre jogadas sob silêncio absoluto, exceptuando o som da bola, o apito do árbitro e os festejos fugazes dos golos. Golos esses que são marcados quando os jogadores usam as mãos para lançarem o esférico, sendo os mesmos assinalados por dois curtos apitos do árbitro. Quem defende deve esticar-se ao longo do terreno, procurando bloquear ou desviar os remates adversários.
“Forma de nos adaptarmos”
O que atrai os praticantes a uma modalidade que, em Portugal, conta com um campeonato formado por oito equipas? Tiago Ferreira, jogador do Sporting, que tem a hegemonia da modalidade desde 2016, explica. “Ganhei a vontade de fazer algo mais por mim e de melhorar a cada dia, não só no goalball, como também a nível pessoal”.
Totalmente cego e hoje com 21 anos, pratica a modalidade desde 2010 e destaca os ganhos que decorrem da prática desportiva e que extravasam o rectângulo de jogo. “É algo que nos leva a ajudarmo-nos mais uns aos outros, é uma forma de nos adaptarmos às outras pessoas, não só como colegas, mas também como pessoas que têm dificuldades semelhantes”.
Já David Gomes é um jovem de 22 anos parcialmente invisual e que pratica goalball desde 2007. Começou no Colégio Helen Keller, passou pelo CAC Pontinha, até que chegou em definitivo aos “leões”, em 2020. Em relação ao espírito competitivo da modalidade, não tem dúvidas: “Sempre me diverti a jogar, adoro a competição e o desafio, desafiar-me e provar a mim mesmo que consigo dar sempre um passo em frente”.
O mesmo pode dizer-se da organização do Mundial, que tentou aproveitar a oportunidade para impulsionar a modalidade, e da treinadora Márcia Ferreira, que orienta simultaneamente as equipas masculina e feminina portuguesas. “Não é fácil estar constantemente a fazer a transição entre uma equipa masculina e feminina, que têm necessidades diferentes. Mas é nas adversidades que as equipas também crescem”, afirmou ao jornal Record, orgulhosa do empenho e da evolução dos jogadores nacionais.
Texto editado por Nuno Sousa