Os narvais estão gradualmente a alterar os padrões de migração como resposta à crise climática, releva um estudo publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Neste caso, a mudança pode ser um bom sinal: isto significa que estas baleias com uma grande presa helicoidal – e, por isso, conhecidas como “unicórnios do mar” – são capazes de mudar comportamentos e adaptar-se ao rápido aquecimento do Árctico.
Tantos os narvais como outros cetáceos do Árctico são longevos, podendo viver mais de um século. Este longo período de existência fazia a comunidade científica pensar que, tendo os indivíduos desta espécie hábitos fixos e arraigados, a sobrevivência em tempos de crise climática seria um enorme desafio. O que os estudos fenomenológicos com os “unicórnios do mar” mostram é que, ao contrário do que se pensava anteriormente, talvez os cetáceos não sejam tão inflexíveis assim.
“No Árctico, os mamíferos marinhos são considerados dos mais sensíveis às mudanças climáticas em curso devido às preferências específicas de habitat e à longa expectativa de vida. A longevidade pode ser um obstáculo para as espécies responderem evolutivamente. Para espécies que exibem grande fidelidade aos locais e fortes associações com rotas de migração, ajustar o tempo de migração é um dos poucos recursos disponíveis para responder a mudanças climáticas”, refere o estudo da PNAS.
A fenomenologia é uma área da ecologia que se debruça sobre os fenómenos periódicos dos seres vivos e as suas relações com as condições do ambiente. Factores como a temperatura, a luz e a humidade influenciam directamente fenómenos cíclicos como, por exemplo, a migração dos cetáceos e a floração das mangueiras.
Os animais migram precisamente como resposta a estas “pistas” sazonais – quando a temperatura aquece, por exemplo. Esta migração pode estar tanto ligada à reprodução como à alimentação (maior abundância de recursos noutra geografia) ou à segurança (evitar ameaças flutuantes). Com a crise climática, as espécies podem começar a receber os tais “sinais” ambientais fora de época e, por isso, há uma grande preocupação acerca do modo como isto vai impactar a biodiversidade.
“O facto de os narvais estarem a mudar o comportamento ao longo de uma vida pode ser um indicador de que, possivelmente, outros animais podem ser capazes de operar mudanças comportamentais para se adaptar aos efeitos da mudança climática”, disse à Bloomberg Courtney Shuert, autora principal do artigo científico e investigadora da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá.
Migração estratégica do narval
O estudo debruça-se sobre dados de migrações recolhidos na porção canadiana do Árctico, ao longo de 21 anos, através do rastreamento por satélite de 40 narvais. Os resultados indicam “atrasos significativos no tempo das migrações de Outono” – uma conclusão com relevância científica uma vez que, até hoje, “apenas alguns estudos” demonstraram “mudanças fenomenológicas em mamíferos marinhos”, refere o artigo científico.
Ao longo de mais de duas décadas (entre 1997 e 2018), os dados fenomenológicos variaram em função do sexo e das condições do gelo. Esta transformação sugere que os “unicórnios do mar” revelam plasticidade ao adoptar “tácticas estratégicas de migração”, refere o artigo.
“Descobriu-se que os narvais machos lideraram a migração para fora das áreas de veraneio, ao passo em que as fêmeas, provavelmente com filhotes dependentes, decidiram partir mais tarde. Os narvais estão a permanecer mais tempo nas zonas onde passam o Verão, a uma taxa de mais dez dias por década, uma taxa semelhante à observada para a perda de gelo marinho causada pelo clima em toda a região”, conclui o estudo.
Os narvais (Monodon monoceros) são baleias dentadas consideradas “primas” das belugas. Devido à semelhança da presa a um corno, acredita-se que o animal pode ter inspirado a lenda do unicórnio durante a Idade Média. Todos os machos da espécie contam com uma formidável presa helicoidal, embora já se tenha observado fêmeas com a mesma estrutura.
A função deste dente tem sido alvo de várias conjecturas. Uma das hipóteses é a de que a presa do “unicórnio do mar” funciona como um órgão sensorial, possuindo inúmeras terminações nervosas que permitem detectar variações de temperatura ou níveis de salinidade.