O que é que as cidades têm a ver com a diabetes?

Lisboa é uma das mais de 40 cidades do mundo envolvidas no programa Cities Changing Diabetes. A premissa não podia ser mais simples: prevenir a doença onde esta mais se manifesta - nas cidades.

estudio-p,
Fotogaleria
estudio-p,
Fotogaleria
Paula Barriga - Directora Geral da Novo Nordisk Portugal safonso
estudio-p,
Fotogaleria
João Raposo - Director Clínico da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal safonso
estudio-p,
Fotogaleria
Paul Bloch - Investigador Sénior no Steno Diabetes Center Copenhagen safonso
estudio-p,
Fotogaleria
Jeff Risom - Director de Inovação da GEHL
estudio-p,
Fotogaleria
Olivia Flynn - Senior designer na GEHL
estudio-p,
Fotogaleria
Gonçalo Folgado - Fundador e Presidente da Locals Approach
estudio-p,
Fotogaleria
Assinatura da Urban Diabetes Declaration safonso

Se quase todos sabemos que para prevenir a diabetes tipo 2 (DT2) e a obesidade é necessário seguir uma alimentação saudável e combater o sedentarismo, porque é que não o fazemos? Provavelmente, esta é uma daquelas perguntas de um milhão de dólares, tanto mais que a resposta é, como se sabe, complexa, pois são muitas as variáveis que podem justificar a dificuldade ou relutância em adoptar um estilo de vida mais saudável. Mas, e se forem dadas condições às pessoas para efectivamente mudarem comportamentos? E se essas condições forem criadas onde vive mais de metade da população mundial – ou seja, nas cidades – que é onde estão também três em cada quatro pessoas com diabetes? Este é exactamente o princípio em que assenta o Cities Changing Diabetes (CCD), programa criado em 2014 pela Novo Nordisk, em conjunto com o Steno Diabetes Center Copenhagen e a University College de Londres, com o objectivo de colocar as cidades no centro da luta contra a doença, envolvendo como parceiros organismos sociais e do sector público da saúde, sector privado, sociedade civil e academia.

Perceber como é que se envolve, na prática, uma cidade na prevenção da diabetes foi o que se ficou a saber durante o evento do Cities Changing Diabetes Lisboa, realizado no dia 14 de Novembro, com o intuito de relançar a participação da capital neste programa, de que faz parte desde 2019. A partir do Foodscapes Ajuda, projecto-piloto desenvolvido no bairro 2 de Maio, localizado na freguesia da Ajuda, em Lisboa, percebeu-se que ouvindo os residentes, envolvendo-os e acompanhando-os na sua jornada para a aquisição de alimentos saudáveis, é possível, de facto, fazer a diferença e contribuir para prevenir a diabetes e a obesidade.

Respostas locais para um desafio global

Se nada for feito para travar o aumento da diabetes, estima-se que, em 2045, mais de 780 milhões de pessoas em todo o mundo vivam com esta doença e, muito provavelmente, com as complicações que lhe estão associadas. O CCD Lisboa apresenta-se, pois, como “uma plataforma que promove a criação de respostas locais para um desafio que é global”, como explicou Paula Barriga, Directora Geral da Novo Nordisk Portugal, durante a cerimónia de abertura do evento. E uma vez que “não há duas comunidades iguais, então, não poderá haver duas respostas iguais”, ou seja, cada cidade que integra o CCD desenvolve estratégias próprias, adaptadas às características e necessidades reais da população, bem como às especificidades do território. É mesmo isso que está a ser feito em Lisboa, “cidade onde se estima que mais de 10% da população vive com DT2, 22,5% com obesidade e mais de 30% com excesso de peso”, sublinhou a responsável.

O panorama nacional não é mais animador, já que, como destacou João Raposo, Director Clínico da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP), todos os dias são realizadas três amputações em Portugal devido à diabetes, 280 pessoas são diagnosticadas com esta doença, e entre 110 a 115 engrossam as filas das que têm diabetes, mas não sabem. É, pois, caso para perguntar: “Seremos capazes de fazer diferente?” O clínico reforçou ainda que “a diabetes afecta as comunidades de maneira diferente”, razão por que “temos de perceber quem é que está a ter mais dificuldades, com base nos resultados em saúde, e pôr as pessoas a viver de outro modo”.

A saúde constrói-se no dia-a-dia

Uma das cidades que integra o CCD desde o início é Copenhaga, Dinamarca, e Paul Bloch, investigador sénior no Steno Diabetes Center Copenhagen, partilhou como tem sido levada a cabo a intervenção em Tingbjerg, um bairro socialmente vulnerável, situado a noroeste da capital. Além de apresentar níveis inferiores de educação e rendimento em relação à média nacional, Tingbjerg detém ainda uma prevalência de diabetes duas vezes superior ao resto de Copenhaga, chegando aos 10%. “Há muitos anos que sabemos que a saúde é criada através da nossa vida no dia-a-dia, e também sabemos que um estilo de vida saudável e activo, com muito movimento, uma dieta variada e socialização ajudam a promover a saúde e aumentam o tempo de vida”, justificou. Nesse sentido, em Tingbjerg, além de um local para fornecer à população informação clínica e apoio sobre a diabetes, há também uma horta e um restaurante comunitários, com este último a fornecer aos habitantes um espaço seguro para testarem receitas.

Mas há muitas formas de intervir nas cidades, com vista a torná-las locais mais saudáveis e, sobretudo, onde é possível – e mais fácil – fazer escolhas saudáveis. Jeff Risom, Director de Inovação da Gehl, uma organização especializada em desenho urbano e parceira do CCD, sabe do assunto, pois, desde 2000 que a Gehl já implementou estratégias em mais de 250 cidades espalhadas pelo globo. Como realçou na sessão, de entre os determinantes sociais da saúde, “o ambiente, o comportamento e os factores socioeconómicos modelam 80% da saúde de uma comunidade, enquanto os cuidados médicos influenciam apenas 20%”. Como tal, a Gehl propõe-se “estudar o comportamento diário [dos habitantes] para adaptar as condições de forma que as comunidades prosperem.”

Vamos ajudar a Ajuda?

“Convidar novos comportamentos requer novos ambientes”, afirmou Olivia Flynn, Senior designer na Gehl, referindo-se concretamente ao que designou por foodscapes (paisagens alimentares). Ou seja, se a intenção é que as pessoas se alimentem de forma mais saudável, então, importa que as paisagens alimentares mudem, nomeadamente, em termos de existência de locais com produtos frescos e saudáveis disponíveis para consumo. O Foodscape Toolkit, ferramenta desenvolvida pela Gehl com o CCD, “usa uma combinação de métodos quantitativos e qualitativos para compreender a experiência de aceder a alimentos saudáveis”, partilhou, e foi esse o instrumento usado no bairro 2 de Maio, em Lisboa, para perceber o que pode mudar na paisagem alimentar.

Posto em prática no terreno pela associação Locals Approach, este toolkit permitiu perceber três grandes desafios enfrentados diariamente pela população daquela que é a segunda freguesia mais envelhecida da cidade. Gonçalo Folgado, fundador e presidente da Locals Approach, explicou que há um acesso limitado a produtos saudáveis, a qualidade do espaço público é um problema, além de se verificarem ainda pressões a nível individual, pois “para ter uma alimentação saudável na Ajuda é preciso ter dinheiro, tempo e literacia alimentar, o que as pessoas nem sempre possuem”. Tendo em conta que 55% das pessoas consultadas identificaram a subida da encosta da Ajuda como um dos principais desafios no espaço público, e o recurso ao autocarro é grande, uma das propostas pensadas no âmbito deste projecto-piloto chama-se “Ajuda Super Stop”, que passa por apetrechar as paragens de autocarro com oferta de comida saudável, vídeos informativos, e melhorar as infraestruturas para que as pessoas possam fruir das mesmas no muito tempo que ali passam.

Durante o evento foi ainda renovada a assinatura da Urban Diabetes Declaration, pelo que a parceiros como a APDP, a Câmara Municipal de Lisboa (CML), a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), a NOVA Medical School (NMS) e a Santa casa de Misericórdia de Lisboa (SCML), juntou-se agora a Locals Approach e a APCOI – Associação Portuguesa contra a Obesidade Infantil. Na sessão marcaram ainda presença o presidente da Junta de Freguesia da Ajuda, Jorge Marques, e Sofia Athayde, vereadora da CML.

Conferência CCD Lisboa